Livro Intrigante
Ana Catarina Santanna Maues
Caminhava distraído pela portaria do meu
prédio, ia até a rua comprar pão, minha rotina de todos os dias, quando chutei
algo no chão. Com pouca luz no ambiente, pois ainda não tinha dado seis da
manhã, não identifiquei o que era.
Forçando bem a vista, pois a penumbra era grande, procurei por algo ali próximo
de mim. Foi quando vi um pacote, no início pensei ser, mas quando abaixei para
juntar tratava-se de um envelope e nele estava escrito o meu nome, Jaime, com
letras garrafais. Fiquei espantado com o
sucedido. Que estranho! Quem teria deixado um envelope para mim?
Não teria a quem perguntar, pois nem
porteiro tínhamos, fazia tempo. Por certo teriam enfiado pela fresta da porta.
A curiosidade devorava-me e eu retornei ao apartamento doido para ver o
conteúdo do tal envelope. Lá chegando não abri, rasguei tamanha ansiedade.
Deparei-me com um livro bem velho, fino, escrito todo numa língua que não
conhecia. Quanto mais passava os olhos por ele mais aguçada ficava minha
curiosidade. Com a respiração presa, não parava de folhear, e mais surpreso fiquei quando notei algumas
páginas marcadas, nelas frases
sublinhadas e números circundados. A partir daí pensei num grande mistério a
traduzir. No auge dos meus quatorze anos procurei sem sucesso entender que
língua era aquela em que ele estava escrito e as tais marcações. Com o tempo
deixei-o de lado, segui o curso da minha vida, esqueci-o num canto qualquer e
nunca mais lembrei dele.
Viagem fantástica
E chegou
2017. Lá se vão mais de sessenta
anos debruçado sobre livros, fazendo viagens a lugares longínquos, mantendo
contato com os mais variados povos e tipos de pessoas, tudo isto em nome do que
acredita ser a mais fabulosa pesquisa que revolucionará o mundo moderno, mais até que
a informática e seus desdobramentos. Hoje Dr. Jaime parte para a Suíça e
vai finalmente realizar o primeiro teste, fruto de seu trabalho solitário.
Conseguiu autorização para usar o maior acelerador de partículas do mundo e
está prestes a comprovar todas as suas suposições. Está bastante entusiasmado e
fala consigo mesmo, apertando contra o peito um pequeno livro:
— Empenhei toda minha vida nisto! Aqui está o
resumo de décadas de trabalho, que precisei escrever em dialeto africano de uma
tribo já extinta para não correr o risco de alguém roubar e patentear minha pesquisa. Nele está o passo a passo do que busquei
incansavelmente, obstinado em descobrir e que sei que consegui. Tenho certeza de
que se confirmará positivamente no laboratório de Genebra o que busquei por
anos.
Enquanto fala, pega uma caneta e direciona-a ao livro:
— Agora
basta que eu marque as páginas principais, sublinhe as palavras chaves e
circunde os números da sequência correta e ninguém descobrirá o que há por trás
disso, UMA VIAGEM NO TEMPO.
Ao pronunciar estas palavras, Dr. Jaime
sente um arrepio por todo o corpo.
Totalmente paralisado e fitando o pequeno
livro, revê o que acabou de fazer:
— Marquei as páginas,
sublinhei palavras chaves, circundei números.
Sua mente inundou lembrando-se de quando
tinha quatorze anos de idade, recordação que aqueceu seu coração e iniciou
uma busca frenética por todo o apartamento. Abrindo gavetas, afastando
livros na estante, vasculhando cada canto possível, procurava, procurava, procurava, até que
chegou a um velho armário próximo a área
de serviço e avista por trás de objetos empoeirados, ele. Aproximando
lentamente uma das mãos, segura o tal objeto. Trata-se de um pequeno livro, que
automaticamente compara com o que carrega na outra mão. São idênticos. Dr.
Jaime já chorando, cai de joelhos e exclama absolutamente perplexo com sua
constatação:
— Realizei a viagem no tempo!