A AFLIÇÃO DE LUCIANA
Leon
Vagliengo
Um
conto elaborado com a colaboração da pandemia, da arte e do sonho.
Luciana
estava mesmo muito cansada. Passara o dia inteiro, desde cedo, a estudar pelo
Google as imagens de quadros famosos e a história de seus autores, aceitando a
sugestão que lhe fizera a sua prima, quando lhe perguntou sobre um bom
passatempo para enfrentar o isolamento imposto pela perigosa pandemia que a
todos ameaça.
Como
mora sozinha desde que enviuvou, os novos tempos de isolamento estavam sendo para
ela muito entediantes, e já começava a sentir que lhe crescia uma sensação de muita
tristeza. Algumas vezes ouvira falar em depressão e temia que essa tristeza se
convertesse naquela grave doença. Foi isso que comentou ao telefone com sua
prima e motivou a sugestão dela recebida.
Animada
com a nova ideia, logo cedo ligou o computador e acessou o Google, procurando
por alguns nomes de pintores, de que tinha apenas vago conhecimento, pois nunca
se interessara por pinturas ou qualquer forma de arte. Seria uma nova
experiência.
Aos
poucos, nos sites consultados, foram surgindo novos nomes de pintores e imagens
dos seus quadros. Ao expandi-las na tela de seu computador, Luciana foi-se
encantando com a beleza daqueles quadros, pelas cores, temas e detalhes.
Ainda
na primeira abordagem, um quadro do pintor francês Édouard Manet, O Almoço na
Relva, a impressionou muito pela sensação estranha de desproteção e insegurança
que lhe causou uma certa identificação com a circunstância retratada.
Depois,
à medida em que prosseguia na pesquisa, os comentários que ia encontrando no
Google auxiliaram a sua percepção e o entendimento do que observava, e Luciana
foi descobrindo detalhes impressionantes em todos os quadros que examinou. Estudar
a arte era uma atividade cultural, um entretenimento muito melhor, mais variado,
enriquecedor e interessante do que resolver as palavras cruzadas e o Sudoku, ou
assistir as notícias repetitivas da televisão.
Muito
empolgada, naquele dia Luciana fez apenas um breve almoço e logo voltou às
pinturas. Aos poucos foi-se amplificando a sua pesquisa, pois as informações
que encontrava iam formando para ela uma estrutura do conhecimento sobre a
arte. Haveria muito a estudar. A história dos pintores, as várias escolas
seguidas, e outras abordagens e formas de manifestação da arte, como as
representadas pela escultura e pela música.
O
interesse foi tanto que passou praticamente todo o dia naquela nova atividade,
sem se dar conta do passar das horas. Naquela situação de isolamento devido à
pandemia não havia mesmo nada para interrompê-la, e nem mesmo recebeu nenhum
telefonema naquele dia.
À
noite estava faminta e exausta, mas feliz com a nova perspectiva que para ela
se abriu. Avaliou que teria que moderar o seu interesse, havia mesmo exagerado.
Após um belo banho, jantou fartamente, o que não fazia há algum tempo. Viu ainda
o jornal e uma novela na televisão e foi deitar-se, esperando um belo descanso.
Não
foi isso o que aconteceu.
Em
breve Luciana estava sonhando, um sonho agitado, e em seu sonho foram se
sucedendo, de maneira rápida e confusa, imagens de muitas pinturas, a cena que
mais a impressionou, artistas com suas tintas e pincéis em plena criação, e um,
em especial, que a olhava com muita insistência. Memórias de um tempo passado,
distante, foram então substituindo aquele cenário: ela estava com um belo
vestido de baile, era a sua formatura do curso colegial. Ao seu redor estavam
vários rapazes muito bem trajados em seus ternos de formatura, seus colegas
também formandos, todos com bigode fininho e cabelos pretos, mas não conseguia
identificar nenhum deles. Começou uma música suave, ela foi tirada para dançar
por um dos colegas. Deslizou pelo salão nos braços de seu par num momento de
rara felicidade, logo interrompido, porém, pela desesperadora insegurança que a
invadiu ao descobrir que agora estava completamente nua e exposta, em pleno salão
de baile, mas continuava a dançar, cercada por tantas pessoas; elas, porém, não
pareciam estranhar a sua nudez.
Aquela
situação insólita provocou uma sensação de vulnerabilidade e insegurança tão
forte em Luciana que o sono não resistiu. Acordou sobressaltada, dando-se conta
de que tivera um pesadelo, como sempre ocorria quando exagerava ao jantar.
Aos
poucos foi passando a aflição e também a taquicardia provocada pelo agitado
sonho. A respiração voltou ao compasso normal, e então ela sentiu que, desta
vez, valera a pena.
Que
lindo pesadelo!
Agora
mais calma, Luciana reconheceu o artista que tanto a observara em seu sonho e
ficou muito agradecida a ele, Édouard Manet, pelo seu quadro Almoço na Relva,
que lhe proporcionara tão boas lembranças, curtidas com deliciosa aflição.