BICHO
– PAPÃO!
Dinah Ribeiro de Amorim
Toda vez que quero brincar na calçada, Dª
Zezé, a empregada lá de casa, avisa que é perigoso: vem o bicho – papão e te
pega! Não é só na rua, não! Qualquer outra coisa perigosa que ainda desconheço,
pode aparecer o tal bicho – papão, comedor de crianças, muito ruim mesmo,
carregando um saco nas costas!
De tanto ouvir falar nele, deu-me até vontade
de vê-lo! Feio, narigudo, cara de mau, de roupas sujas e compridas, com grande
saco nas costas, cheio de criancinhas, sempre pronto a carregar mais uma para
quando tiver fome! Que coisa horrível! É para ter medo, mesmo!
Outro dia, descobri que além de medroso, sou
também muito curioso! Nem sei o que é maior em mim: curiosidade ou medo. Saí
para a rua, escondido de mamãe e de Dª Zezé, que vivem pegando no meu pé! Até
brincar com Pedrinho, meu amiguinho da casa ao lado, pode ser perigoso e aparecer o tal bicho! Achei demais!
Abri o portão, devagarzinho, e, fui saindo,
sozinho, em direção à esquina. Nossa casa fica mais ou menos no meio de várias
outras iguais.
Tudo bem, ninguém à vista! Tento dobrar a
esquina e, para voltar, penso, seria fácil, virar as costas e fazer o caminho
de volta. Ando um pouco rápido, já meio amedrontado. Nunca havia saído sozinho,
mas “adorando” essa grande aventura!
De repente, avisto um velho, muito velho,
arrastando a perna, lembrando um pouco meu avô. Com um braço, segura uma
bengala e, com o outro, uma sacola sobre os ombros. Lembrei na hora: “É o tal
do bicho – papão! Preciso dar meia volta e correr para casa. Sua sacola deve
estar cheia de crianças e usa uma bengala comprida para apanhá-las. Quero
correr, mas não consigo. Quase tropeço nas minhas pernas pequenas e frágeis!
Acho que ele irá vai me alcançar! Por que fui fazer isso!”
Começo a chorar alto e percebo que minha casa
está mais longe do que eu pensava. O velho, feio e sujo, mancando, mesmo assim
me alcança. Olho para ele, apavorado, já esperando levar uma bengalada, mas seu
olhar é bondoso, humilde, perguntando-me gentilmente por que choro! Espantado,
respondo que não consigo achar a minha casa. Ele, com cara de dó, acha-me vendo
que sou muito pequeno para andar sozinho pelas ruas, resolve me acompanhar até a encontrarmos.
Como? - penso eu - Não é o bicho-papão!
Sinto-me seguro ao seu
lado e ele afirma que as ruas são perigosas para crianças sozinhas, nossa casa
é um bem muito grande e, se a perdemos, ficamos como ele, velho, doente,
caminhando pelas ruas, sem lugar para descansar.
Arrisco uma pergunta: “O que o senhor tem
nesse saco?”
— Roupas velhas e restos
de comida que encontro por aí! Só isso! Responde ele. Esse era o tão terrível bicho-papão da minha
infância!
Logo chegamos a minha casa, com mamãe e Dª
Zezé à porta, desesperadas à minha procura. Assim que me vêem, correm a
abraçar-me, olhando desconfiadas para o velho. Digo que ele é um bom amigo, que
eu estava perdido e ele me encontrou achou, precisando agora de alguma comida e
um pouco de roupa velha, porque não tem onde morar! Não era o bicho-papão, não,
era um homem velho e bondoso, necessitando de ajuda.
As duas entenderam, foram buscar algumas
sobras do almoço para ele, que ficou horas sentado à nossa porta, descansando
um pouco dessa vida longa e triste de homem sem direção! Na minha inocência,
passei também muito tempo espiando-o, com curiosidade, atrás da janela da sala,
descobrindo um mundo novo!