POR
UM TRIZ
Helio Salema
Saí de casa caminhando até o supermercado, como faço,
quase diariamente,
Além de comprar algumas coisas, nem todas necessárias. Também
é o lugar onde encontro amigos. Dar pastos às vistas. Saber das novidades da cidade,
das fofocas, ouvir e contar piadas. Fiz tudo isso sem pressa alguma.
Ao chegar na fila do caixa, uma senhora que aparentava
pouco mais de vinte anos, bem vestida e bonita, mas em contraste, tinha o
semblante fechado, quase hostil. Mais
parecia uma bruxa raivosa, preparando a poção da maldade.
Retirava os objetos do carrinho de maneira muito brusca. Demonstrava um nervosismo exagerado. Pegava do carrinho de qualquer maneira, acabava
misturando alimentos com produtos de limpeza, uns sobre os outros na esteira,
sem o menor cuidado. Como se fossem coisas sem importância alguma.
Um homem chegou bem perto dela, falou alguma coisa. Ela
virou-se e respondeu gesticulando muito. Ele saiu e ela voltou a esvaziar o
carrinho. Agora, mais apressada. Pouco antes de terminar, começou a discutir
com a moça do caixa, que respondeu bem baixinho e calmamente, conseguindo convencê-la. Não sei exatamente o motivo da discussão, mas não devia ser
importante, pois logo, pediu desculpas, continuou retirando as coisas do
carrinho, apressadamente.
Fiquei pensando na amargura dessa mulher, no azedume que
ela espalha por anda passa, e me senti até feliz em não a conhecer. Já a tinha
visto fazendo as compras, e ela estava com a filha bem pequena, uns 4 anos. Mas,
o fato de pouco se dedicar à criança, chamou minha atenção.
Durante todo este tempo, ela nem sequer se lembrou da criança,
que brincava com as cestinhas do supermercado ao chão, muito compenetrada, e
distante do caixa. Arrumava-as de uma
maneira, parava, e colocando as mãos na cintura dizendo alguma coisa, que eu
não entendia. Gesticulava com as mãos e movimentava a cabeça, depois mudava as
posições das cestinhas. Assim ia se repetindo. Como se ali só existisse ela, as
cestas e o infinito. Interessante perceber a diferença de estado de espírito
entre mãe e filha.
Ao terminar de esvaziar o carrinho, dona nervosilda, só
então mostrou-se buscando com os olhos, a filha pequena. Sem perceber que ali
estava não apenas uma criança, mas um ser, sem culpa alguma, do que aconteceu
horas antes, no mundo louco e desgovernado dos adultos.
De repente a mãe foi até a criança e puxou-a pelos
cabelos, depois lhe puxou as orelhas, numa atitude covarde e sem nexo. Em seguida ela colocou à frente, segurou de
modo brusco pelas mãos e saiu apressada atrás do rapaz que levava as compras.
Aquela atitude violenta da mãe buscou dentro de mim o que
sempre tento esconder que existe, além de repúdio, a ira. Queria ter defendido
a criança, ter pelo menos me mostrado contrário àquilo.
Por um triz não lhe disse um monte de besteiras, e chamei
a polícia.
Mas não o fiz para não melindrar a menininha.
Fiquei por alguns minutos meditando naquela mãe tão
grosseira e sem amor, Deus dá mesmo a carga certa para alguns carregarem?
Muitas mulheres grávidas pedem a Deus uma criança normal com
saúde. Aquela mãe tinha uma filha perfeita, mas não tinha sensibilidade para
usufruir daquele momento sublime.
Talvez, neste caso, a carga certa para carregar, Deus não
tenha dado para a mãe, e sim para a criança.