O COMPUTADOR TEIMOSO E
VINGATIVO
Leon
Vagliengo
Todas as tardes das quintas-feiras, pouco
antes das quinze horas, Leon transfere o seu Computador para um local com
melhor recepção da internet, porque se iniciará, de forma virtual, a aula de
escrita que muito aprecia. Os instantes da transferência são a única situação
em que o velho Computador, que já não dispõe de bateria, fica totalmente
desligado, pois outras razões, que não vêm ao caso, exigem que permaneça
permanentemente ligado. Naturalmente, após a transferência de local, precisa
ser novamente ligado para a aula.
E foi aí que tudo se complicou.
O Computador, sem compreender as razões de
seu dono, não estava gostando nada do tratamento recebido. Foi acumulando a sua
raiva, semana a semana, e finalmente, naquela quinta-feira, perdeu
completamente a paciência:
“QUEM
ELE PENSA QUE É?” – ruminou, referindo-se a seu dono já com intenções vingativas.
E continuou, a cada momento mais descontrolado, justificando para si mesmo as
razões de sua revolta: “Me deixa ligado durante
o dia todo e a noite toda, nem posso descansar, não respeita a minha idade. E
de repente me liga e desliga sem mais nem menos e quer que eu funcione como e quando
bem entende. HOJE ELE VAI SE ARREPENDER!”.
Se
bem pensou, melhor o fez.
Leon foi ficando aflito. Sua aula virtual de
escrita começara às quinze horas e ele já vinha tentando ativar o Google Chrome
desde bem antes disso, e nada. E sem o Chrome não haveria o acesso ao
aplicativo da reunião, o Zoom. Sem contar o deboche que o Computador lhe
impunha! Funcionavam os outros programas, mas aquele de que ele precisava,
nada. Aquele Computador ingrato, que ele mantinha em uso por razões que
poderiam ser consideradas apenas afetivas, sabia bem como irritá-lo.
Quanto mais o Leon tentava, mais exultava o
seu Computador, aquele ser inanimado que agora, todo animado, comemorava aquelas
suas pequenas e mesquinhas vitórias: “Ele
já me reiniciou duas vezes, me fiz de morto. Só porque é meu dono, pensa que
pode tudo? POIS SIM! Vou lhe dar uma bela canseira”.
Vinte e cinco minutos se passaram desde que
se iniciara a aula, Leon tentando de tudo, sem sucesso. Pobre aluno frustrado!
E o Computador continuava a comemorar, agora mais calmo, mas em tom
maquiavélico:
“Veja
só o desespero dele. Está perdendo a aula, bem feito! Novamente me desligou e
teve que esperar, porque eu sou lento mesmo, até para desligar. Vai ligar outra
vez, com certeza, esse cara é insistente. Azar dele, eu também me demoro em
religar. E tão cedo não vou funcionar naqueles programas que ele quer”.
Meia hora de aula perdida. Nova tentativa,
novo desligamento, nova espera, novo ligamento, nova espera. Leon já não estava
apenas aflito. Estava bravo, no limite! Subitamente deu um grunhido nervoso, seguido
de um tapa na mesa, e exclamou, quase gritando:
− FUNCIONA, COMPUTADOR MISERÁVEL! OS TEUS
DIAS ESTÃO CONTADOS!
Foi então que o Computador se deu conta de
que havia exagerado e a coisa tinha ficado feia. Embora já bem desatualizado em
razão de sua idade e mesmo sem contar com modernos recursos de inteligência
emocional, fez valer a alta tecnologia de seu gênero, conseguindo captar e
processar os novos dados emanados por Leon, que traziam sinais inequívocos da
tragédia que se delineava para o Dispositivo, traduzidos pela forma nervosa como
estavam sendo teclados, repetidamente, os mesmos comandos. Sua raiva dos
primeiros momentos já passara, e resolveu, então, arrazoar que o castigo que
proporcionara a seu dono já tinha sido o bastante. Estava satisfeito, seria
melhor mudar de atitude:
“Pensando
bem, o Leon, nervoso, pode se tornar um perigo. Estamos no décimo sexto andar, e eu estou perto da janela, que está
aberta! Acho que já foi o suficiente, me vinguei. Mas, quem sabe? Se ele
não me cuidar melhor, talvez eu repita a dose na próxima quinta feira”.
A partir desse momento Leon sentiu o sabor do
triunfo. Aquela rodelinha girando de forma irritante, que indicava que o
comando estava num processamento interminável, finalmente parou, e eis que,
enfim, o Chrome assumiu completamente a tela. Acionado o Zoom, a seguir tudo
aconteceu muito rápido, surgindo na tela do seu Computador as vozes e as
telinhas com as imagens dos seus amigos e da professora, que logo saudaram a
sua chegada.
Leon ficou tão feliz e aliviado ao ouvi-los e
revê-los, que até se esqueceu das dificuldades por que passara. Mergulhou nos
assuntos da aula e já nem pensava mais em trocar o seu querido companheiro e
velho amigo Computador.
Querido companheiro e velho amigo...?
Provavelmente Leon voltaria a pensar nisso na
quinta-feira da semana seguinte, por volta das quinze horas...