Crime sem solução
Dinah
Ribeiro de Amorim
O velho
conde Howard, solteirão inveterado, envelhece sozinho em pleno casarão da
família, na pequena cidade de Yorkshire.
Auxiliado
pelo fiel mordomo Joseph, recebe
cuidados especiais desde que virou
cadeirante, após um terrível tombo nas escadas do jardim. Mesmo assim, não
desiste! Todas as manhãs, é levado a passear pelas alamedas e trilhas,
recebendo os primeiros raios de sol, nos dias quentes ou, a brisa leve do
inverno, quando se anuncia.
Sua vida
simples e reduzida de alegrias, transforma-se quando o médico da família lhe
encaminha Dolly, boa fisioterapeuta, de gênio extrovertido, brincalhona e
provocante.
Howard
fora um rapaz bonito e atraente, dono de grande fortuna e excelente cultura,
conhecedor de vários lugares, em longas viagens.
Dolly
se encanta com seu novo paciente. Além das boas possibilidades de uma melhora,
admira sua conversa, conhecedor de tantos assuntos.
Substitui
logo as tarefas do mordomo, levando-o ela mesma a passear fora do jardim,
causando em Joseph ligeiro ciúme do patrão. Servia a família há muito tempo,
acostumado a tomar iniciativas e decisões importantes, não admitiria que uma
moça estranha, embora trouxesse melhoras, assumisse seu lugar.
Howard
e Dolly se apaixonam e, apesar da deficiência, resolvem se casar. A vida
simples e pobre da moça se transforma em dona de uma mansão e herdeira de
grande fortuna, com a chegada de um tabelião para o registro, sendo testemunhas
Joseph, o mordomo e Vivaldo, o jardineiro da casa.
Vivem
felizes durante certo tempo, transformando-se Howard em nova pessoa. Mais alegre,
comunicativo, abrindo a mansão para conhecidos da pequena cidade e realizando
notáveis festas e bate-papos, incluindo também os amigos de sua mulher. O fato
de ser cadeirante não o importa, aceita melhor sua situação, graças a Dolly.
Ela continua
tratando-o com o mesmo amor e carinho do início, preocupada com sua saúde e
situação.
E assim levam a vida, felizes um com o outro, até que
num domingo, após voltar da missa, Dolly encontra Howard caído no jardim, com a
cadeira por cima. Dá um grito desesperado, atraindo Joseph e moradores da
região.
Tenta
socorrê-lo, mas percebe que já é tarde. O corpo gelado e marcas de sangue pelo
chão. Que teria havido, perguntam todos. Não há indícios de roubo, queda por
alguma pedra ou entrave que pudesse virar a cadeira e tombá-lo. Será que tivera
algum mal súbito, caindo e batendo sua cabeça no chão. Perguntas e mais
perguntas que não sabiam como responder.
Joseph,
assustado, chama a ambulância e, consultando Dolly, chama também a polícia.
O corpo
de Howard é levado ao hospital, sendo a causa da morte uma batida forte na
cabeça, causada por queda ou algum objeto de raspão, fazendo-o tombar, perdendo
o controle de sua cadeira.
A
situação se torna estarrecedora, com Dolly chorando pelos cantos, Joseph,
murcho, calado, sem ação após a morte de seu patrão, a quem servira por tantos
anos, obedecendo mecanicamente ordens da patroa que quase não saia do quarto.
Por ordem
do inspetor de polícia, John Vincent, ninguém deveria deixar a casa até a
solução do caso. Dolly o amava e já era dona de tudo. Joseph não trairia seu
patrão, única incumbência de sua vida. Vivaldo, o jardineiro, não ganharia nada
com isso. Perderia somente o emprego e o sustento da família.
Alguns
amigos são chamados, mas a maioria, num domingo de manhã, possuía álibi,
provando estar em casa.
Passa
o tempo, muitos aparecem dando condolências durante o funeral, desaparecendo
aos poucos, retomando suas vidas.
Somente
Dolly e Joseph permanecem na mansão, pouco vistos, fazendo exclusivamente
tarefas necessárias. A aparência de Dolly
se transforma. Toda a sua exuberância festiva agora é de uma tristeza
profunda e angústia infinita. Envelhece um pouco a cada dia.
O inspetor
Vincent, não achando solução para o caso, resolve arquivar o processo como
morte natural, libertando os prováveis causadores daquela privacidade. Nem era
preciso, pois não se via nem ouvia mais nada naquela casa.
Só Vivaldo,
o jardineiro, é chamado para limpar o lixo e aparar a grama do jardim, que há
muito não era feito. Acabou-se a beleza dos passeios pelos bosques floridos e
trilhas iluminadas de raios solares.
Subitamente,
abaixando-se para aparar um arbusto, Vivaldo percebe um objeto estranho, e se
assusta. escondido num canto, havia um pequeno revólver, bem perto de onde o
patrão morrera.
Chama
depressa sua patroa que, branca como cera, que chama a polícia. Encontrada uma
arma na casa. Bem no jardim que Howard tanto gostava.
Novamente
o inspetor Vincent vai ao local da morte, aconselhando-os a não tocarem no
objeto. Embrulha-o com cuidado para não apagar digitais. Quem sabe poderia
desvendar o mistério!
Providências
de praxe são tomadas e após muitos dias, descobrem-se na arma as digitais de Howard.
Ele tentara se matar, num momento de depressão que ninguém percebera. O único
que sabia de seu estado era o médico, que não comentara nada por sigilo
profissional. Era essa a causa do raspão na cabeça, seguido de queda. O tiro
não acertara o alvo e ele cai batendo a cabeça. A queda causara a morte, mas a
causa fora suicídio.
Como
não percebera seu estado, pergunta-se Dolly, agora sim, sentindo-se culpada. Afinal,
seu marido, continuava sendo seu paciente.
Joseph,
mordomo de tantos anos, resolve voltar para sua casa, rever parentes, abandonando
a profissão que lhe trouxera alegrias iniciais e tanta tristeza no final.