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quarta-feira, 14 de maio de 2025

A IDENTIDADE DO MORIBUNDO - Microconto - Pedro Henrique Pereira

 



Pedro navegando por novas experiências, desta vez o MICROCONTO.


A IDENTIDADE DO MORIBUNDO


Havia um homem morto no meu quintal. A pancada esplendorosa de tal fenômeno defrontou-me com farpas viscerais. Essas, cuja alma grita com a introdução.
A vida, do nada, decidiu girar e girar e cada poro revelar, mostrando o corpo nu que vem ao mundo na fragilidade de um bebê.
O vento, o odor, eu. Tantos elementos que tornaram a recepção do olhar do defunto um copo de sofreguidão a se tomar.
Há nele o arrepio dos séculos e a rigidez dos corpos que obtiveram a santa segregação pelo fardo da hostilidade que reside no peito e na boca de cada homem.
Ao observá-lo, analiso também minha própria vida, que de nada pode consigo mesma.
Não tive a noiva ideal. Essa, preferiu meu primo.
Não conquistei minha vaga. Foi dada a um incompetente que nem um relatório tinha habilidade de produzir.
Não fui bom filho. Meus pais afirmavam que meu irmão era melhor. Em síntese, “falhei em tudo”.
É por esse motivo que nada me afasta do morto, pois ele não passa do rio cuja água cristalina reflete meu próprio eu.

 

A FORMIGUINHA MICHELE! - Dinah Ribeiro de Amorim

 

 


 

A FORMIGUINHA MICHELE!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Moro em apartamento com pequeno quintal. Último andar do prédio. Só eu e o céu também.

Costumo cultivar algumas plantas, já possuo até pequenas árvores. Todas em vasos, pois a terra que havia foi coberta com cimento.

Às vezes, alguns bichinhos aparecem, para minha tortura, detesto que entrem em casa, mesmo pequenos. Sou alérgica a qualquer tipo de picada ou mordida.

Logo cedo, corro ao quintal para brigar com passarinhos, que bicam minhas jabuticabas, em botão. Não as deixam amadurecer.

Entre uns bichinhos e outros, formigões, formigas, e aranhas pequenas. Varro tudo ou esmago com os pés. Nem sempre a água do esguicho resolve. Sinto verdadeira mania em atacá-los toda manhã.

Numa dessas, espantada, paro em cima de uma formiga que me atrai a atenção. Seguro-me na vassoura e a observo, curiosa. Tão pequenina, tenta levar uma folha nas costas, três vezes maior que ela. Ou até mais.

Fico alguns minutos observando-a e, como derruba a folha muitas vezes e volta a pegá-la, enterneceu-me, e tentei acompanhar o seu trabalho. Não tive coragem de matá-la. Achei que o problema dela não era eu, a minha casa, o meu corpo, mas sim algo mais importante.

Percorri, com os olhos, a sua caminhada e, lentamente, dirigiu-se a um buraco bem pequeno no muro, de onde foi ajudada por outras que enfiaram a folha para dentro.

Na manhã seguinte, tornei a vê-la e, sem coragem de empurrá-la, batizei-a de Michele. Tive o cuidado de não a varrer como aos outros bichinhos que encontrava.

Percebi logo que Michele era a encarregada da alimentação do formigueiro e, com dó, solidária ao seu trabalho, só faltava lhe dar bom dia. Como se me escutasse.

Agora, quando varria ou molhava o quintal, deixava sempre umas folhinhas espalhadas perto do formigueiro, esperando Michele aparecer e facilitar o seu trabalho.

Moro sozinha, converso às vezes com plantas e flores, mas com formigas, a primeira vez.

Um tipo de loucurinha legal. Se é que existe alguma.

O tempo passou, a estação mudou, chegou aquele verão forte com suas chuvas violentas. Enxurradas para todos os lados. Até algumas telhas do terraço de cima, digo quintal, caíram, e tive que trocá-las. Caia água na sala. Os relâmpagos, aqui de cima, acendiam tudo, seguidos de trovões extremamente barulhentos. A natureza bela e certa também tem seus dias negros e tristes.

Quando o tempo amainou, verifiquei alguns estragos no meu quintal. Vasos caídos, flores e raízes arrancadas, chão sujo com poças ainda cheias de água. Demoraram a secar.

Preocupada, procurei o buraquinho das formigas, no muro. Nem aparecia. Cheio d’água. E as formiguinhas, coitadas? Nenhuma. Afogadas, com certeza, no temporal excessivo.

Pensei em Michele, a formiguinha trabalhadeira, será que conseguiu se salvar? Talvez alguma folha caída da árvore a tenha levado embora. Servido de barco para navegar em novas águas e procurar outros caminhos. Será que as formiguinhas também têm céu? Possuem algum tipo de alma?

Saudades de Michele e de observar o seu trabalho!

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