A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

AINDA HÁ TEMPO PARA AMAR - CONTO COLETIVO 2011

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

BIBLIOTECA - LIVROS EM PDF

quarta-feira, 19 de março de 2025

A VIDA DE LAZINHO - HENRIQUE SCHNAIDER

 






A VIDA DE LAZINHO

HENRIQUE SCHNAIDER

 

A família estava reunida na sala, o silêncio era tão grande que dava para ouvir a respiração sofrida, devido à asma crônica do Lourival, pai de Lazinho.

Todos quietos, ninguém arriscava nem dar um pio para quebrar o silêncio. Lourival olhava angustiado para a mãe de Lazinho, Dona Amanda. Lazinho vermelho como um pimentão, de tanta raiva, olhava desconcertado para o chão.

Voltando esta história para anos atrás. Lourival e Amanda se conheceram num baile da velha guarda e caíram de amores um pelo outro. Depois de dois anos de namoro e mais um de noivado, casaram-se na Igreja da Maculata.

Três anos se passaram e, apesar de tanto esforço para gerarem um filho, não conseguiram e, com tantos exames, acabaram, depois de muita tristeza, que Dona Amanda não podia dar um filho para Lourival. A coitada estava seca, assim como uma bananeira que já deu cacho.

Após discutirem muito sobre o que fazer, resolveram adotar um menino que nasceu numa outra cidade, de uma mãe desnaturada que não queria a criança e assim trouxeram o menino com um mês de vida. Foi uma enorme alegria com a chegada da criança, ao qual deram o nome de Lazinho.

Não houve criança mais amada, a qual deram uma educação a melhor possível e a vida do casal mudou da noite para o dia. A casa se encheu de alegria e felicidade. Lazinho era uma criança de gênio tranquilo e muito boazinha.

Passados cinco anos, Lourival e Amanda resolveram adotar mais um menino bem moreninho e lhe deram o nome de Armando.

A vida do casal foi do bem para melhor, naquela casa só havia muito amor e carinho e assim foram se passando os anos e a vida deles era só festa. O casal não criava coragem para contar aos rapazes, que ambos eram adotados, falharam ao não revelar a verdade.

Lazinho já estava com quinze e Armando com doze anos, e o momento fatal tinha que acontecer para o bem dos rapazes, a verdade tinha que ser revelada nua e crua.

Até que certo dia, aconteceu, o silêncio naquela sala era total, não se ouvia o zumbido de um pernilongo. Qual era o segredo que finalmente iria ser revelado?

Amanda até gaguejou, quando começou a falar e começou finalmente a revelar aquele segredo guardado há tantos anos. Finalmente soltou tudo, uma vez que eles, tanto Lazinho como Armando, não eram seus filhos e que ambos tinham mães diferentes.

Ela pediu para que eles a perdoassem por não revelar o segredo há tanto tempo guardado. Mas que os amava como se tivessem sido filhos legítimos seus. Lazinho deu um grito enorme e Armando permaneceu calado.

Lazinho, em seguida, pediu desculpas pelo grito e agradeceu aos pais por terem o adotado. Armando seguiu o irmão e disse o mesmo.

Um peso enorme saiu de cima daquela família e todos choraram de alegria e de felicidade, reinou naquela casa e assim viveram em paz daquele dia para sempre.

DILEMA - Adelaide Dittmers

 

 

DILEMA

Adelaide Dittmers

 

Muitas pessoas escondem segredos. A dúvida de revelá-los corrói suas almas e suas vidas.

 

Valentina revolvia-se na cama. A escuridão do quarto encobria sentimentos ambíguos, que a desorientavam.  Qual o caminho a seguir? O que era certo?  Haveria o certo ou o errado na situação em que se sentia enredada.

 

Seu pai sempre foi seu ídolo.  Inteligente, ético, carinhoso e compreensivo.  Quando se sentia perdida, era o barco que a levava para um porto seguro. A âncora, que a fazia parar e pensar.  Como poderia julgá-lo? Parceiro presente e amoroso da sua mãe.

 

Levantou-se como se tivesse levado um grande susto, empurrando as cobertas e sentando-se.  Os punhos fechados pressionam o colchão.

 

Precisava sair. Andar sem direção. Colocar a cabeça no lugar.  Vestiu-se rapidamente, ainda atordoada pela noite insone.  Percorreu o corredor com os tênis nas mãos para não acordar o pai e saiu para a rua.

 

O dia começara a empurrar a noite e derramava suavemente a claridade pela cidade, que, sonolenta, começava a acordar pouco a pouco.

 

Vagou pelas ruas sem um rumo certo. A grande praça surgiu à sua frente.  Um vento suave sacudia as folhas das árvores, que exalavam o fresco aroma da natureza.  Um sabiá fazia seu concerto matinal.

 

Ela se jogou em um banco.  Os olhos perdidos e o coração descompassado. A imagem da mãe doente fez com que fechasse seus olhos, espalhando a dor que sentia por todo o corpo, que, involuntariamente, se contraiu.

 

A descoberta que fizera de que o pai, um conceituado médico, havia escondido uma droga, que pretendia dar à mãe, que estava sofrendo terrivelmente, acometida por um câncer, que estava devorando seu corpo e empalidecendo sua alma, atingiu-a como um raio.

 

Ele estava agindo por amor, mas teria esse direito? Não poderia ter escolhido tirar os medicamentos e antecipar o desenlace.

 

O choro a sacudiu.  Tinha que agir e impedi-lo de cometer esse crime. Sentiu-se no meio de um furacão de emoções contraditórias.

 

Entregar o pai querido ou calar?

 

Levantou-se resoluta.  Iria confrontá-lo.

 

Entrou em casa com passos firmes, o coração aos saltos.

 

Ouviu um choro convulso, vindo do quarto.  Correu para lá. O pai soluçava abraçado à mãe, que acabara de partir. O frasco da droga vazio jazia na mesinha de cabeceira.

 

Estacou à porta, a respiração suspensa.  Correu até a cama e os abraçou.  Sabia agora o que fazer. A decisão estava tomada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VERDADE, ACONTECEU MESMO! - Dinah Ribeiro de Amorim

 



 





VERDADE, ACONTECEU MESMO!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Dia lindo em Cosópolis, céu azul, nuvens suaves e brancas, sol radiante e luminoso, que irradia raios de luz pela região colorida de verde.

Crianças brincam calmamente de pega no quintal das casas e senhoras idosas e gordas, conversam risonhas as fofocas do dia.

De repente, uma estranha escuridão acontece. Raios e trovões se espalham pelo céu, pingos grossos de chuva espantam e afugentam os moradores para suas casas. Arrebenta uma grande tempestade que amedronta, principalmente, a criançada.

“Será que São Pedro está bravo conosco?” Comentam as crianças.

“O que será que acontece nos céus?” Exclamam as mulheres, acendendo velas para Santa Clara. A luz do povoado se apaga.

Cosópolis, a cidade calma, está apavorada.

Essa escuridão e a tempestade já duram algumas horas.

“Que coisa estranha!”, exclamam todos. Algo aconteceu.

No céu, os anjos e os santos, atormentados pelo barulho feito por Margot, recém-falecida, estão à volta de São Pedro, sem saber o que fazer.

A mulher, muito brava e enérgica, reclama que não podia morrer. Xinga e desrespeita o porteiro do céu, bate pés e braços às portas do Paraíso, faz um escândalo, não quer entrar.

São Pedro, calmo e paciente, vai até ela e a orienta que, agora que morreu, tem que ficar lá em cima. Não tem como voltar. Não existe mais nova vida.

Margot, muito enraivecida, responde-lhe que não pode morrer. Tem que voltar.

Mas como, responde-lhe o mestre. Ninguém mais volta depois que morre. Afinal, aqui é melhor do que a Terra, por que deseja tanto voltar?

A mulher, preocupada, afirma-lhe que o seu marido, o querido e amado Mário, ficou sozinho e não pode deixá-lo. As mulheres locais são invejosas, gostam muito dele, querem sempre o roubar e, sem ela, ele cairá rápido nos braços de outra.

São Pedro sorri e percebe o quanto essa mulher foi ciumenta e possessiva.

Deve ter feito da vida do pobre Mário, um inferno, mesmo.

Margot, sem querer escutá-lo, continua se debatendo e não se deixa conduzir ao céu, ou ao mundo dos mortos.

Tentam levá-la à força, no meio de outros recém-falecidos, quando a mulher escuta que outra mulher, uma idosa, teve um mal-súbito, pareceu morta, mas reviveu, voltou à vida.

Mais que depressa, Margot acompanha esse relato e responde para São Pedro que, se a outra voltou, ela também poderá voltar. Tanto insiste, tanto grita, também amedronta e ameaça a todos de empurrá-los ao inferno, que até São Pedro, cansado e sem mais argumentos, mandou jogá-la à Terra. E Margot é colocada novamente em seu quarto, sua cama, abrindo os olhos.

Mário, a família, poucos amigos, ainda a velavam, não entristecidos, mas pareciam aliviados.

Quando Margot abre os olhos e respira, quase mata todos os presentes de susto. Alguns fogem, amedrontados, só permanecendo o marido e a mãe.

Ela abre os olhos e afirma que não morreu, foi um leve surto, já voltando ao normal.

Percebe, espantada, o desespero do marido, ao invés de alegria. Sente, espantada, que a sua morte trouxe alívio e paz a todos. Por que seria?

Levanta-se, calmamente, e o micróbio do ciúme retorna, tentaria descobrir. Mário já deveria ter outra mulher, uma nova esposa à vista.

D. Ferdinando, o pároco, é chamado para fazer verificação do seu retorno à vida e dar-lhe as boas-vindas. A notícia de que ela não morreu, de verdade, logo se espalha e alegam todos que foi isso que causou a tempestade.

A pobre Margot não é bem recebida e logo corre o boato de que virou uma bruxa viva. Nem a morte a quis.

Mário e a mãe tentam abraçá-la, demonstrar a felicidade que realmente não sentem, foi mesmo uma mulher insuportável.

Margot empurra-os para o lado e se levanta, muito brava.

“Então, pensam que morri, de verdade? Nunca os deixarei livre”, exclama em voz alta. Até o vigário se estremece e pensa em chamar outros padres para fazer um exorcismo. Mário, então, faz em sua testa o sinal da cruz, pedindo auxílio à Divindade.

Margot chama a atenção de toda a população que, devagarinho, vai chegando à sua porta. Os vidros das janelas ficam cheios de olhos estranhos, curiosos, a espiar o acontecido.

A mulher aparece na entrada e, gritando, afugenta todos, imediatamente.

“Ela virou uma bruxa! Cruz credo! Corram todos…”

Margot afirma estar com fome, obrigando a mãe a ir para a cozinha e o marido, entontecido, à padaria.

Mário sente que seu inferno será em vida mesmo, com os constantes ciúmes da mulher. A mãe, desanimada, pensa em sair da cidade, voltar a morar com uma irmã, para se livrar da filha arrogante e mandona.

Os dias vão passando e Margot sempre à espreita do marido, com quem conversa, que horas sai, que horas chega.

Não se dá conta de que Mário mal conversa, mal age, permanece sentado num canto da sala, entristecido. Só responde às suas perguntas e permanece calado. Sua vida é sair ao trabalho, comer e dormir.

A mãe, muito emburrada, ajuda-a nas tarefas da casa, só sabe murmurar que logo irá embora, para a casa da tia.

Margot, ainda cheia de vida, sente vontade de sair, encontrar amigas, jogar conversa fora, mas quando sai à rua, todos somem, com medo dela e, as crianças, a xingá-la de bruxa, correm desesperadas.

Com o tempo, começa a aborrecer-se, ficar mais quieta, parar de dar gritos estridentes com as pessoas, a sentir vontade de conversar com o marido e trocar ideias com sua mãe.

Muito orgulhosa e de gênio difícil, não percebe suas culpas e não sabe modificar a situação.

Não conseguiu viver bem na outra vida, mas também é infeliz agora. O isolamento atual de familiares e amigas, que sentem medo dos seus ciúmes e mau gênio, a faz cada vez mais triste.

Refugia-se no quintal, senta-se por horas num banco, debaixo da mangueira. Aceita somente a companhia de um gato cinza, enroscado aos seus pés.

Às vezes, também o chuta, com raiva e impaciência, mas ele sempre volta.

Uma tarde, fica mais tempo no quintal e, observa, pela primeira vez, o pôr do sol. Chama sua atenção aquele brilho dourado que se estende pelas nuvens, como se fosse palha ao vento. Lembra-se do céu e que quase permaneceu nele.

Desce os olhos para o gato que lhe acaricia os pés e confunde-o, confusamente, com a figura de um anjo prateado, a olhá-la, calmamente.

Assustada, levanta-se rápido e derruba o banco, que bate na árvore e espalha muitas mangas pelo chão. Algumas frutas lhe batem na cabeça, atordoando-a. Sente leve desmaio. Quando abre os olhos, a figura do gato ainda é um anjo, de grande brilho prateado, que lhe fala, docemente:

— Quer voltar à morte, Margot, deixar novamente este mundo? Não está mais feliz?

A mulher, entre temor, espanto e dúvida, lhe responde:

— Pensei em voltar para cuidar melhor do que é meu, mas sinto que não sou mais necessária. Ninguém me quer por perto e ainda acham que sou malévola, uma bruxa, como me chamam.

O anjo sorri com compreensão e tenta explicar-lhe que suas ações, neste mundo, são más, não causam bem a ninguém. É muito egoísta e ciumenta. Nunca tentou agradar a ninguém, nem ao marido que tanto ama. Se quiser continuar a viver, terá que mudar, provar que nasceu de novo para fazer o bem. Ser útil a todos, principalmente aos que a chamam de bruxa.

Margot, impressionada, revolta-se com as palavras do anjo. Fazer o bem a quem lhe faz o mal, é absurdo. Principalmente aos que menos gosta.

O anjo, com a mão em sua cabeça, responde:

— Você é a sua maior inimiga. Todos a temem porque você também os teme, considera-os inimigos. Não percebe o bem que cada um pode oferecer. Vou lhe dar um prazo, três meses, para mudar de vida. Se continuar como está, voltarei para buscá-la.

E dizendo isso, desapareceu, deixando Margot boquiaberta, a sentir novamente o gato a seus pés.

Sente um desejo enorme de chutá-lo, mas, lembrando-se do anjo, acaricia seu pelo.

Decisão difícil, pensou Margot ao entrar em casa. Abandonar as coisas da Terra, que gosto, pelo mundo dos mortos, que nem conheço?

Na cozinha, a mãe termina a sopa do jantar, feita às pressas, sem muita vontade. Margot sente, pela primeira vez, o cheirinho gostoso do tempero da mãe, um misto de alho e cebola frita, a lembrança de sua infância.

“Que saudade!” pensa e tem vontade de tomá-la logo, mas se controla. Lembra-se das palavras do anjo e exclama:

— Hum, que cheiro gostoso é esse, mãe? Sua comida sempre foi boa, mas, hoje, deve estar mais.

A mãe, admirada, coloca um prato na mesa e a serve rápido, aproveitando o momento.

Mais admirada ficou quando a filha se ofereceu para lavar a louça do jantar e mandou-a descansar. Já trabalhou muito nesse dia.

Mário, quando chega, apático e tristonho, sem fome, resolve lavar-se e dormir. Nega-se a jantar.

Margot, achando que não está bem, lembra-se do anjo e leva-lhe um prato de sopa. Sente vontade de agradá-lo, e afirma que está muito gostosa.

O marido, espantado e sem vontade, resolve tomar o caldo e acha-o bom.  Agradece e pergunta quem o fez?

A mulher responde que foi a mãe, mas no dia seguinte, fará o jantar para ele com a comida de que mais gosta.

Mário pergunta se ela ainda sabe o que gosta. Faz tanto tempo que não cozinha!

— Bifes à milanesa, responde ela, sorrindo.

Mário adormece sorrindo, há anos não sorria para a mulher.

Gradualmente, Margot tenta corrigir suas atitudes em casa, fazer agrados nas pequenas coisas, modificando a mãe e o marido em relação a ela.

Lava bem as roupas da casa, deixando-as cheirosas e limpas, encera o assoalho rústico, grosso e feio, deixando-o corado de brilho. Não lhe sobra mais tempo para ficar no quintal, substitui a mãe nas tarefas de casa e, quando Mário chega, tenta conversar sobre o seu trabalho e servi-lo.

Tenta agora fazer as compras da casa e vai à quitanda e à padaria. Teme um pouco a reação dos vizinhos. Vai ouvir bruxa e outras coisinhas mais…

Mas vai… e causa assombro em todos que a veem, ninguém tem coragem de enfrentá-la, diante de sua postura. Tornou-se uma mulher segura e imbatível. Não mais se atemoriza com os outros.

Com o tempo, o povo da cidade, o seu povo, o lugar em que nasceu, vai se acostumando com ela e se aproximando.

Amigas antigas aparecem, tentam puxar conversa, acaba recebendo convites para aniversários e fazer parte do grupo de mulheres que se dedicam a obras de caridade.

Margot acaba, com o tempo, a chefiar o voluntariado que presta assistência à Santa Casa de Misericórdia, da cidade. Seu trabalho é tão digno que recebe até uma comenda do Prefeito, mudando completamente a opinião popular, que, de bruxa, acha-a uma santa.

É, pensa Margot, sorrindo e meditando sozinha, a voz do povo, nem sempre, é a voz de Deus!

O anjo tinha razão. Estranho, três meses se passaram e ele nunca mais apareceu. Olha para o gato que ronca pesado atrás da porta, está tão gordo e velho que jamais pareceria um anjo. Acho que sonhou mesmo…

 

 

ARIANO E SUA SINA - VIDA / OBRAS / CURIOSIDADES DE ARIANO SUASSUNA

  Ariano Suassuna foi um dos mais importantes escritores brasileiros, conhecido por sua rica contribuição à literatura nordestina. Suas obra...