O ENCONTRO SECRETO DE GILBERTO E SHILA NO PÍER NOVE
Uma aventura
intensa, um final....
Leon Alfonsin Vagliong
Gilberto nasceu na cidade de
Lindo Vale num lar amoroso, filho de pais abastados e instruídos que lhe proporcionaram
excelente educação integral. Em sua infância e início de juventude desfrutou do
ótimo clima e da Natureza exuberante daquela tranquila cidade do interior,
convivendo com uma sociedade de pessoas simples, mas felizes e de bons
princípios.
Como resultado
de tantas benesses e muito favorecido pela boa genética de seus pais, tornou-se
um rapaz saudável e atraente, não apenas por seu rosto bonito e corpo de
atleta, mas também por sua sensatez e ótimo caráter. Já era cobiçado pelas
garotas de Lindo Vale e, mais ainda, pelas mães delas, que viam nele um ótimo
partido para suas filhas. Mas era cedo, Gilberto ainda não se apaixonara, não passara
de rápidos namoricos.
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Naquela tarde
de sábado chovia muito na cidade de Lindo Vale, desanimando qualquer um a sair
para a rua sem algum motivo imperioso.
Para um rapaz
de dezesseis anos, uma situação entediante. Gilberto fuçava aqui e ali em sua
casa, procurando alguma coisa para distrair-se, quando encontrou uma caixa de
sapatos no armário de seu pai, cheia de livrinhos de bolso; uns quarenta.
Curioso, verificou pelas capas que todos eram de histórias de espionagem
estreladas pela espiã Brigitte Montfort, guardados meticulosamente na sequência
dos números da edição. Pegou o primeiro, sentou-se numa confortável poltrona da
varanda ao barulho da chuva, e pôs-se a ler.
Nessa
história, a espiã Brigitte Montfort era a protagonista, vivendo momentos eletrizantes
de ação, risco e mistério muito bem narrados, em que não faltava um clima de
sensualidade, despertando um grande interesse e verdadeiro fascínio ao rapaz. A
partir daí, sempre que tinha um tempo disponível, Gilberto lia algum desses
livros. Apaixonou-se pelo assunto e, principalmente, pela imagem que fazia da
espiã, caracterizada em suas aventuras como uma linda morena de olhos azuis,
inteligente e sedutora, estimulando fantasias e bulindo com a sua imaginação de
adolescente. Uma pena que ela não fosse real.
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Passados mais
dezesseis anos, homem feito aos trinta e dois de idade, Gilberto ainda não
tinha encontrado uma parceira fixa, alguém por quem se apaixonasse. Morando na
capital desde os vinte anos, a sua vida amorosa continuava bastante tumultuada,
muitas namoradas passaram por ela. Formou-se em Direito, trabalhou algum tempo
num escritório de advocacia, e logo prestou concurso e foi aprovado como agente
do Departamento Federal de Inteligência. Agora teria por função investigar
assuntos ligados à segurança do país, frequentemente envolvendo ações de espionagem,
e pensava no quanto aquelas histórias dos livretos tinham a ver com a sua
situação atual.
Certo dia, logo
após tomar posse de suas nas novas funções, percebeu um burburinho entre seus
colegas mais antigos do Departamento. Ao perguntar, soube que era pela rara
presença de uma Agente que, segundo eles, estava quase permanentemente em
missão externa e, apesar de jovem, já era idolatrada e respeitada por todos no
Departamento por seu pulso forte no comando das missões e, principalmente, pela
audácia e autonomia que sempre demonstrara como agente infiltrada em perigosas
organizações. Um autêntico mito.
Um
pouco depois, naquele mesmo dia, Gilberto realizava suas tarefas burocráticas
de iniciante, quando ela entrou no mesmo salão de trabalho para terminar o
relatório de uma missão encerrada. Ao vê-la pela primeira vez, ele lembrou-se
imediatamente da espiã Brigitte Montfort, heroína das histórias que lia
avidamente quando era adolescente; especialmente por sua beleza, que não ficava
devendo em nada à imagem que ele fazia da espiã dos livretos. A não ser pelos
olhos, que eram notoriamente verdes, em vez de azuis. Quanto ao restante, era
também uma linda morena clara de uns trinta anos, de aparência reservada e
sensual, com a vantagem de ser de carnes e ossos. E que carnes! pensou machistamente
Gilberto, muito impressionado, desnudando-a em sua imaginação.
A presença do
novo Agente no salão, entre os outros que ali tinham as suas mesas e ela já
conhecia, não passou despercebida por Shila. Não foram apresentados, mas alguns
discretos olhares seus que se cruzaram com os dele enquanto trabalhavam, revelavam
que a curiosidade e o interesse eram recíprocos.
Quase três
meses após a posse em seu novo cargo Gilberto ainda estava desempenhando
funções burocráticas para conhecer e se ambientar com os serviços do
Departamento, quando foi chamado à sala da chefia. Não tinha mais visto Shila,
que estava envolvida com outros trabalhos externos.
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O Coronel
Linhares, aos sessenta anos de idade, impunha respeito pela sua aparência. Alto
e forte, cabelos grisalhos, sempre bem trajado, ostentava em sua face uma
expressão que revelava a sua
inteligência e perspicácia. Chefe
reconhecido pelo sucesso dos trabalhos realizados pelo Departamento sob seu comando,
também sabia colocar-se adequadamente no relacionamento político, que muitas
vezes demandava investigações delicadas envolvendo pessoas de destaque.
Ao receber
Gilberto, procurou deixá-lo à vontade para dissipar qualquer eventual
retraimento natural do novato.
— Seja muito
bem-vindo ao Departamento, Gilberto. Finalmente surgiu a oportunidade da sua
primeira missão externa. Tome um café enquanto conversamos para nos conhecermos
melhor.
Apenas alguns
minutos de conversa bastaram para que o Coronel e Gilberto granjeassem simpatia
e confiança mútuas. Ao final da entrevista, Linhares anunciou:
— Você
receberá hoje a primeira missão externa, será o teu batismo de fogo. Irá
sozinho, mas não é nada muito complicado; apenas levará secretamente para a
nossa agente Shila, que está numa ilha turística próxima, um malote lacrado contendo
materiais importantes para a missão de espionagem em curso, devendo retornar no
mesmo dia com o malote que ela vai te entregar e deverá merecer os mesmos
cuidados quanto ao sigilo. E de quebra, vai ter a oportunidade de conhecer a nossa
principal agente. Aliás, foi ela quem escolheu você e deu as instruções. Eu as imprimi,
aqui estão. Faça tudo exatamente conforme ela mandou. Neste Departamento, todos
nós, inclusive eu, seguimos rigorosamente as orientações que ela nos passa para
os trabalhos de campo.
O Coronel esclareceu
também que Shila havia chegado à ilha valendo-se da escuna do próprio resort onde
ela se hospedara como turista. Porém, considerando que Gilberto ainda era muito
novo no Departamento, não confiou a ele outros detalhes da incumbência da
Agente, que havia sido designada pelo Departamento de Inteligência para
investigar as atividades de um grupo sediado numa das mansões lá existentes, de
propriedade de um conhecido Deputado cujo nome era mantido em sigilo, suspeito
de estar praticando a importação clandestina de armas cuja destinação seria,
provavelmente, para o crime organizado.
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As
instruções de Shila eram muito claras e precisas e Gilberto não teve nenhuma
dificuldade em segui-las. Muito cedo, na quarta-feira, retirou do cofre do
Departamento o malote lacrado que deveria levar, seguiu para o lugarejo litorâneo
de Trindade, e alugou, na aldeia de pescadores, a pequena lancha com a qual
rumaria no sentido norte por cerca de onze milhas, até a pequena ilha turística
onde encontraria a Agente, no ponto por ela indicado, exatamente ao meio-dia.
Margeando a
orla a uma milha da costa, ainda muito desabitada e de vegetação nativa, para
evitar os rochedos que afloram no mar da região, Gilberto navegou por um bom
tempo até localizar a ilha de seu destino, ao longo de cujas praias pôde
visualizar, mesmo de longe, as belas casas e o prédio do resort daquele luxuoso
condomínio onde ela estava hospedada. Aproximando-se, procurou um pouco mais,
encontrando finalmente a pequena baía onde deveria atracar.
Adentrou a
baía e dirigiu a pequena lancha cuidadosamente, bem devagar, até localizar o
píer nove, conforme as instruções. Atracou a lancha sem dificuldade. Eram onze
e meia da manhã, meia hora antes do horário combinado.
Subiu ao píer
e o percorreu até próximo da mansão à qual era ligado, que ficava no limite do
luxuoso condomínio. Percebia-se que não era ocupada já havia alguns anos.
Gilberto reconheceu que o local escolhido por Shila não poderia ser melhor do
que aquele para um encontro secreto, sem testemunhas. As plantas e o mato dos jardins abandonados
haviam crescido muito, constituindo uma pequena selva fechada, proteção
perfeita contra olhares externos; flores cor-de-tijolo e vermelhas das
primaveras assomavam ao mato mais denso, embelezando o ambiente que ainda
permanecia bastante agradável apesar do abandono. Voltando ao píer, sentou-se
num velho banco de madeira para aguardar a chegada da sua colega.
A privacidade
proporcionada pelo local e a expectativa do iminente encontro com a bela Shila povoaram
de ideias a imaginação de Gilberto, que tinha permanentemente presentes em sua
cabeça aquela provocante figura feminina e os olhares cruzados com ela, desde o
dia em que a viu no Departamento. Enquanto esperava, só de pensar no encontro
iminente, tanto a sua mente como o seu corpo reagiram, fazendo o seu coração
bater mais forte, além de provocar outras respostas físicas menos nobres.
Precisamente
no horário combinado, Shila chegou: linda, maravilhosa mesmo, para o
encantamento de Gilberto. Trajes esportivos de muito bom gosto realçavam suas
formas, e na privacidade daquele ambiente natural ela lhe pareceu ainda mais
bela e sedutora do que quando a conhecera no Departamento. Por alguns segundos
os dois se observaram de cima a baixo, sem disfarçar os olhares. A seguir, aparentemente
satisfeita com o que viu e com um sorriso que pareceu malicioso, Shila ordenou:
— Pegue o
malote e me siga.
Gilberto
voltou à lancha, pegou o malote, subiu novamente ao pier e seguiu a espiã, que
se dirigiu diretamente à casa desabitada, onde entraram, e esclareceu:
— Eu me
hospedo no Resort para os contatos e ações, mas estou sediada aqui para os
trabalhos de planejamento e guarda do material. Deixe o malote ao lado da mesa.
Shila havia
providenciado a limpeza da grande sala, que estava impecável, e ainda aproveitara
os móveis deixados em perfeito estado pelos antigos proprietários, redistribuindo-os
como lhe convinha. Encostada à parede entre as janelas que davam para o jardim,
uma grande mesa com duas cadeiras acomodava apenas um notebook, um bloco de
anotações e alguns materiais de escritório. Ao lado dela, no chão, o malote que
Gilberto iria levar no retorno, já lacrado. Nenhuma arma à vista. Em frente à
mesa, do outro lado da sala, um grande e confortável sofá se sobressaía no exame
do local e na imaginação atrevida de Gilberto. Nesse momento, os seus
pensamentos foram interrompidos pela fala de Shila.
— Fui eu que disse
ao Coronel para que mandasse você. Preparei uma refeição leve para nós, você
vai embora mais tarde. Você é novo no Departamento, quero conhecê-lo melhor. Feche
a porta e as cortinas para que não sejamos vistos.
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Após a refeição,
a conversa foi deliciosa para ambos. Afinal, uma espiã também é humana, também
gosta de conversas e outras coisas... Por isso, só se deram conta do tempo
quando ouviram o som de um trovão ao longe. Eram quase dezessete horas. Abrindo
as cortinas, viram pela janela que a tarde caía rapidamente e pesadas nuvens antecipavam
o escurecer da noite que se aproximava.
Um pouco
alarmado, Gilberto arrumou-se apressadamente. Tinha que voltar! Pegou o malote
e seguiu com Shila até o píer nove, onde despediu-se dela com um longo e
caloroso beijo; soltou as amarras e subiu na lancha, amarrou bem o malote para que
ficasse seguro durante a travessia, tomou o timão, puxou o manche e zarpou em
retorno ao continente. Ainda atordoado e exultante com a experiência por que
tinha passado, nem pensou em vestir o colete salva-vidas.
No retorno
teria novamente que rumar paralelamente à costa desabitada pelas onze milhas,
até ver as luzes de Trindade, quando faria uma guinada de noventa graus e
seguiria diretamente até a margem do lugarejo. Considerando a dificuldade de
visão que o tempo oferecia, lembrou-se de guardar a distância aproximada de uma
milha da costa durante a primeira parte do percurso, para evitar um acidente
com aqueles pequenos rochedos.
Pouco depois
que saiu as primeiras gotas de chuva molharam o seu rosto. Logo, já era um
temporal. A noite também desceu de vez e a escuridão predominou. Com a mão
sobre a testa para proteger os olhos da chuva, bem ao longe Gilberto já via as
luzes de Trindade. Essas luzes seriam o seu guia naquele breu. Enquanto a
lancha avançava, as ondas, cada vez maiores, desequilibravam a pequena
embarcação, dificultando a navegação. De repente, uma vaga gigante atingiu a
lancha lateralmente com forte impacto e Gilberto foi jogado ao mar.
Rapidamente a
correnteza o arrastou para longe da embarcação e ele se viu perdido na
escuridão. Tentou voltar para ela, que já se afastava, viu que seria
impossível. Consciente da situação, o pavor o dominou. Ao nível da água, não
conseguia nem ver as luzes do lugarejo distante para se orientar. Estava muito
longe da costa e, mesmo sendo um bom nadador, encontrava imensa dificuldade
para manter-se à tona, pois as vagas sombrias se sucediam impiedosamente sem
que conseguisse vê-las a tempo de defender-se, devido à escuridão.
Várias vezes
submergiu e ficou sem poder respirar. Voltava à tona com forte puxada de ar
para encher os pulmões. A tempestade, inclemente, açoitava a sua cabeça; as
vagas enormes se sucediam com violência, elevando o seu corpo por alguns
metros, para depois soltá-lo no vazio, caindo novamente na água; o esforço que
fazia era descomunal, o cansaço o estava vencendo. Já sem forças, mais uma
vaga; engoliu água, engasgou-se; outra veio, tentou manter-se à tona, foi em
vão, submergiu. Faltou-lhe o ar, foi-se a consciência...
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Naquele trecho
deserto da praia, um pouco ao norte da aldeia dos pescadores, várias gaivotas
alimentavam-se dos pequenos peixes e mariscos que haviam sido arrastados pela
maré e encalhado na areia ainda encharcada. Algumas deslizavam no ar, em voos
suaves e graciosos. A forte tempestade da noite anterior deixara as suas marcas
no cenário. Por toda a praia viam-se ramos de árvores trazidos pelas águas, de
algum lugar distante. O vento diminuíra de intensidade e o mar já havia
serenado um pouco e recuado, alargando-se bastante a faixa de beira-mar, mas
ainda grandes ondas se formavam e quebravam ruidosamente, invadindo a praia,
num movimento nervoso de vai e volta. Já passava do meio-dia e o sol forte
dominava o cenário, provocando um calor abafado.
O corpo inerte
de um homem jazia, solitário, estendido na areia...
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