PARAÍSO EXISTE?
Dinah
Ribeiro de Amorim
Heitor
cresceu um bom rapaz. Boa formação, educado, estudante aplicado, formou-se em
Economia. Apaixonou-se por Patrícia, a primeira namorada, com ela se casou e
teve filhos.
Empregou-se
num banco famoso da cidade, nele aprendendo os mecanismos e as altas transações
comerciais feitas em sociedade. O espírito da ambição e da fortuna o acometeu,
esquecendo-se da natureza e simplicidade que possuía.
Associou-se
à companheiros iguais a ele e, mediante empréstimos de outros bancos, conseguiu
fundar um banco próprio, que deu origem a inúmeros outros, espalhados pelo
país, com seu nome. Acumulou imensa fortuna!
A
vida social mudou conforme a nova personalidade. Trocou a antiga esposa que
amava por uma mulher mais jovem, bonita e atraente, voava com jatinhos para
vários países, possuía inúmeros carros, fazendas, iates, enfim, construiu um
império. Tudo isso com o dinheiro que rolava entre bancos e empréstimos feitos,
em confiança.
Como
sempre acontece, não possuía amigos verdadeiros, mas interessados em subir às
suas custas. Alguns até, no íntimo, verdadeiros inimigos, invejosos, loucos
pela sua ruína.
Anos
se passaram e, Heitor, apunhalado pelas costas, na gíria, entrou em falência.
Sua fortuna sucumbiu. Não conseguia empréstimos, acabou a confiança do mercado.
Ficou prestes a perder tudo que conseguiu obter. Devia tanto dinheiro que,
mesmo vendendo todos os bens, não conseguiria pagar as dívidas.
Interessante
que os homens que mais ajudou foram os que mais o traíram.
O
advogado e único conselheiro particular, Dr. Horácio Pimenta, temendo pela
saúde de Heitor, aconselha-o a tirar uns dias de férias, com a atual esposa,
num hotel campestre, para pensar melhor na solução do problema e descansar.
Quem sabe, como achou um modo de enriquecer, acharia um modo de sair da falência.
Inteligência
nunca lhe faltou.
Heitor
se dirige ao Resort Acalanto, lugar agradável, que transmite sossego e paz.
Sente isso logo ao entrar.
Deposita
seus pertences e o de Lucinda, a atual esposa, toma um banho relaxante,
sente-se melhor e resolve andar um pouco, conhecer o lugar.
Lucinda
fica para descansar.
Afasta-se
do hotel e percorre um caminho, em direção a um monte, não muito alto, de um
verde atraente, com flores coloridas e perfumadas. “Que lugar encantador”,
pensa!
Para
subir, depara-se com uma escadinha branca, sem corrimão, de difícil acesso.
Curioso, teima em subir e visitar uma espécie de igrejinha ou templo, bem
acima.
Quando
está no último degrau, escorrega e cai, bate fortemente a cabeça. Desmaia.
É
socorrido por um homem idoso, cabelos e barbas brancas, roupagem estranha, uma
túnica grossa, parece um monge, que levanta sua cabeça e faz com que beba um
líquido escuro, amargo, acordando-o logo.
Heitor
tenta se levantar e titubeia um pouco, amparando-se no monge.
Agradece
a ele e percebe que a cabeça sangra um pouco, o que preocupa o idoso, fazendo-o
entrar no pequeno templo. Prepara-lhe um unguento de folhas que estanca o
sangue. Aliviado, Heitor senta-se num banco e examina o local.
Percebe
um pequeno altar com uma imagem simbólica, uma santa ou deusa, de vestimenta
púrpura, mais parecendo uma indígena do que as imagens de santas que conhecia.
—
Onde estou? O que é aqui? Pergunta ao idoso, ainda meio atordoado.
O
senhor, coçando levemente a barba, de olhos escuros e vivos, olha-o curioso e
pensativo, demora um pouco a responder.
—
Aqui é a morada de uma protetora dos antigos indígenas que habitavam esse
lugar, ainda cultuada e adorada por descendentes, que a visitam de tempos em
tempos. Eu sou o guardião. Conheci sua história, apaixonei-me por ela e,
angustiado com o mundo, resolvi mudar para cá.
Heitor,
admirado e interessado, pergunta o nome dela. Quem sabe já ouviu alguma coisa.
—
Ficou sendo a santa ou deusa Aruama, protegida das pessoas aflitas ou
desenganadas pelo mundo. Dizem que quando se agrada de alguém que a invoca, faz
brotar uma linda flor púrpura no caminho, sinal de que o pedido será atendido.
E o
senhor continua...
—
Perdi toda a minha família numa epidemia que teve, fui demitido do trabalho de
muitos anos, era biólogo, um estudioso da natureza, principalmente das plantas.
Descobri como curar vários tipos de doença. Roubaram meu trabalho. Amigos,
muito poucos. Parentes, quase nenhum. Cansei-me da cidade grande, do barulho,
da confusão diabólica que tem. Quando conheci esse lugar, encantei-me e resolvi
ficar. Bastou a mudança de pensamento e recebi a flor púrpura no caminho. Aqui
estou há quinze anos. Chamam-me, carinhosamente, de Pai Ari.
Heitor,
sentindo-se solidário ao Pai Ari, identificando o seu problema pessoal com o
dele, começa a se interessar pela história.
— E
por que Aruama foi santificada? O que lhe aconteceu? Pergunta Heitor.
Pai
Ari, coçando novamente a barba, responde:
—
Ah! Isso é uma história delicada, difícil de acreditar. Falam que era uma indígena
jovem, muito bonita, filha de um cacique, chefe de tribo. Apaixonou-se por um
plantador branco, filho de camponeses do lugar. Família de europeus. Não se
davam com índios. O rapaz também gostou dela. Mas não deu certo. Era prometida
a um filho de outro cacique e, como não quis se casar, resolveram os dois
amantes fugir para bem longe de tudo e todos. Como vingança, as tribos se
uniram e mataram todos que encontravam pelo caminho. Brancos, índios, jovens,
velhos, principalmente mulheres. Isso, até encontrarem os dois enamorados, que
foram escalpelados e jogados no rio das Piranhas. Exaustos e satisfeitos,
voltaram para suas tribos, mas tiveram que fugir, pois, enorme enchente que se
deu no rio, alagando e afogando quase todos. Só alguns índios puderam voltar,
quando a cheia do rio baixou, brotando em suas margens lindas flores de cor
púrpura. Ah! Acharam também no seu leito a linda imagem da jovem sacrificada,
que é essa que está aí, nesse altar. Verdade ou lenda, depende da fé de cada
um. Faz parte do folclore indígena.
Heitor,
distraído, acredita que aquele lugar é encantado mesmo, mas consulta o relógio
e vê que é tarde, precisa voltar ao hotel. Sua mulher deve estar aflita.
Despede-se
do Pai Ari, que não quer o deixar ir, mas vai descendo as escadas devagar,
temendo nova queda e ainda meio tonto.
Chega
rápido ao resort e tem uma surpresa! Não está naquele lugar. Seu nome nunca
esteve na agenda! Pede a chave do quarto para verificar suas coisas e, outra
surpresa! Nada seu se encontra ali.
Pergunta
pela esposa e ninguém a conhece. Meio desesperado, procura o celular e liga ao
Dr. Horácio, o advogado amigo.
Horácio
atende o telefone e pergunta se ele está bem? Nunca indicou nenhum hotel a ele
e, Lucinda, acaba de ligar de casa, perguntando por ele.
Heitor,
na dúvida momentânea que o acomete, pensa que enlouqueceu.
Senta-se
no hall de entrada e medita: “Será que errei de hotel? Tive uma pancada na
cabeça. Mas lembro-me daqui. Até o gerente é o mesmo. Que confusão está
havendo, meu Deus? ”
Nessa
hora, Heitor lembra-se de Deus, o que nunca fez antes.
Vem
à mente a traição! Até do amigo advogado e sua esposa. Querem confundi-lo.
Talvez o internar como louco! Um modo de assumir seu lugar e ficar chefiando
tudo.
Mais
calmo, acostumado com essas reviravoltas que acontecem na vida e nos negócios,
experiências, que talvez também tenha aprontado, resolve telefonar a Lucinda.
—
Estou aqui em frente ao Resort Acalanto, onde combinamos, que horas você chega?
—
Nossa, querido, responde ela. Não me lembro de ter combinado nada. Estou até
preocupada com você. Que horas volta? Deve estar muito estressado, mesmo.
Acabei de chegar da casa de uma amiga. Estávamos jogando.
Heitor
fecha o celular e joga-o longe. O gerente, na recepção, pergunta-lhe se precisa
de um médico?
Ele
agradece e sai meio cambaleante, pensando no que fazer. A cabeça funciona, e
bem. O primeiro pensamento que lhe ocorre é dirigir-se ao Pai Ari, antes que
escureça.
Deixa
o carro no estacionamento em que estava, isso não mudaram, e retorna ao templo
de Aruama, à procura do Pai Ari. Nunca pensou que o passeio para relaxar fosse
terminar assim. “Que situação difícil! ” Pensa.
Pai
Ari o recebe sem espanto, como se já esperasse o retorno. Ao vê-lo tão
angustiado, faz com que o acompanhe até o altar de Aruama, se ajoelha e recita
uma prece, em voz baixa. Em seguida, leva-o até seu alojamento, um pequeno
quarto nos fundos, e convida-o a deitar-se e tentar dormir um pouco.
Heitor
quer desabafar logo tudo o que sente, mas Pai Ari recomenda-lhe silêncio, não
está ainda em condições e obriga-o a tomar um chá calmante.
Heitor,
cansado e sem ação, adormece logo e relaxa, relaxa e sonha...
Encontra-se
sozinho, num terreno escuro, rodeado de sombras ou vultos que o impedem de
caminhar. Assustado, procura com o olhar uma saída, uma claridade para fugir.
Após um tempo tenebroso, avista ao longe um raio de luz, parece o nascer do Sol
após a negritude de uma triste noite. Em desespero, vai em sua direção.
Encontra-se agora num lugar tranquilo, de céu azul, com algumas nuvens brancas.
Pessoas caminham, suavemente, enquanto outras, sentadas, conversam e sorriem.
Para Heitor, saiu do inferno e alcançou o Paraiso. Sentiu um bem-estar e uma
felicidade que nunca teve antes. Não queria acordar mais desse sonho!
Delicadamente,
Pai Ari o chama, amanhece.
Heitor,
ainda sonolento e, mais calmo, lembra-se do acontecimento anterior e, após
ligeiro e simples café, sentam-se num banco e inicia a sua história. Conta os
problemas que acontecem na profissão, na atual situação financeira e, as tristes
surpresas do dia anterior. Confuso, inseguro, sem ação, está perdido no dilema
da vida. Não sabe o que fazer...
Pai
Ari, ao escutá-lo, não se impressiona, acostumado a ouvir histórias
semelhantes, há anos.
Sua
primeira pergunta é como era a vida, no início da profissão, o que mais
gostava?
Heitor
não se lembra, só recorda que era um homem simples, comum, um economista de um
banco, sem grandes aspirações. Não tinha também muitos problemas. Uma boa
esposa, três filhos normais, que agora via ocasionalmente, não acompanhou muito
o crescimento deles.
—
Era mais feliz, nessa época? Como enriqueceu tanto, de repente? Pergunta o
guardião.
Heitor
pensa um pouco para responder e acha que foram oportunidades que viu e teve,
lidando com dinheiro e negócios. A vontade de adquirir mais coisas, melhorar
socialmente, de posição e vida. Reconhece que se tornou ambicioso e a vaidade o
atraiu.
— E
agora, meu amigo, o que pretende fazer? Desistir de tudo, vontade de voltar ao passado
ou enfrentar o presente e lutar contra todos, arriscando-se a perder? Pergunta
Pai Ari.
Heitor
responde que essa é uma pergunta que não sabe responder, no momento. Talvez
encontre uma saída, uma maneira de vencê-los. Pede-lhe para ficar por ali, uns
dias, já que não sente vontade de voltar, por enquanto. Começa a sentir paz e
calma, naquele lugar. Não sabe explicar como, após tantas confusões.
Pai
Ari fica contente com isso, concorda que deve descansar. Necessita de auxílio
numa horta e de alguém para conversar com ele.
Heitor
pensa em ficar nesse lugar simples, sem o conforto que tem, uns três dias, mas
acaba sendo uma semana ou mais. Ajuda o Pai Ari na plantação, acompanha-o no
seu trabalho, plantar sementes, afofar a terra, recolher verduras. Isso o
lembra de uma fazenda que possui e deixou o filho mais velho para cuidar, uma
plantação de café. Nem sabe a quantas anda! Ele dorme bem, acorda satisfeito,
mais desligado dos seus problemas de falência, sem grande preocupação com o
futuro.
Pai
Ari nota nele, aos poucos, uma transformação. Sumiu aquele homem transtornado e
revoltado, volta a tranquilidade e o gosto pelo simples da vida, comer, dormir,
lidar com a terra, fazer o próprio pão, retirar a água de uma cisterna, cuidar
dos próprios alimentos, desligar-se das notícias e falsidades do mundo.
Pergunta-lhe
do que mais sente saudade? “Lembro-me, às vezes, da minha vida anterior, minha
primeira esposa, o nascimento dos meus filhos, os amigos que tinha”, Heitor
responde.
E
continua...
“Acho
que chegou a hora de voltar, amigo. Dar um basta na vida atual, tentar saldar a
minha grande dívida, ver se consigo conservar uma fazenda, voltar à minha
cidade, quem sabe, ao Banco em que comecei, o diploma ainda conservo”.
Pai
Ari sorri, satisfeito e pensa: “Aruama ainda age no mundo. É força do Bem! ”
Heitor
despede-se do novo amigo, promete voltar para contar boas novidades e vai em
busca do carro. Ao descer a escada, olha para cima e, além do Pai Ari, avista
uma flor púrpura que desabrocha ao lado do último degrau. Emociona-se, sente
uma lágrima que escorre, para sua surpresa.
O
tempo passa, Heitor enfrenta grandes batalhas judiciais, coisas ruins o espera.
Consegue vender seus bens, se desfazer de várias empresas e cargos, com
tranquilidade e paz. Possui o auxílio de um médico, antigo amigo, para livrá-lo
de acusações de loucura. Salva a fazenda de café, que doa aos filhos e, quando
tudo se acalma, procura saber como está a antiga esposa. Encontra-a na
cidadezinha em que a conheceu, mais velha e acometida de um câncer maligno,
auxiliada por uma cuidadora. Os filhos, visitam-na ocasionalmente.
Compadecido,
estabelece-se na cidade e procura ajudá-la, quer compensar o abandono que teve
e o rompimento. Patrícia, o antigo amor, não acredita que ele está voltando
para vê-la e ainda a ajudar. Fica mais feliz, apoiada pelo ex-marido.
Um
novo Heitor reaparece, após dois anos, para visitar Pai Ari, que o recebe
carinhosamente, coçando a barba comprida e sorrindo feliz.
— E
aí, amigo? Novidades boas? Demorou a voltar. Saudades nossas? Exclama.
—
Sim, Pai Ari, não os esqueci e volto para agradecer o bem que fizeram à minha
vida.
“É,
Aruama, com sua história triste, ainda tem força para transformar vidas e
distribuir flores! Deve estar em algum Paraíso mesmo! ” Reafirma seu guardião.
“Virou um anjo a serviço de Deus! ”