A JANELA ABERTA
Leon Vagliengo
Uma historinha sobre circunstâncias
da bravura doméstica. ___________________________________________
Tarde
da noite, hora de dormir, Maria foi fechar a janela do quarto. De repente, deu
um grito selvagem de pavor, saltou para trás e pediu socorro, com a voz trêmula,
alterada:
—
João, me ajuda aqui! Uma barata enorme! Entrou voando pela janela, foi para
trás do armário! AAAI, MEU DEUS!
João
estava saindo do banho. Ouvindo o apelo de sua esposa, secou apenas os pés, prendeu
rapidamente uma toalha na cintura, calçou as havaianas e correu, com o corpo ainda
molhado, para acudi-la. Sabia como ela tinha medo de baratas, um medo absurdo,
incontrolável, verdadeiro pânico, coisa de mulheres.
Nem pensou, mas
sentiu; seria um bom momento para demonstrar a ela o seu destemor e valentia ao
resolver essas situações caseiras, fortalecendo assim, de maneira subliminar, o
respeito e a admiração que ela lhe dedicava, apenas matando uma barata.
Chegando
ao quarto encontrou Maria espremida num canto, em seu rosto a expressão do medo;
dirigiu-se corajosamente ao pesado armário, conseguindo, com muito esforço,
arrastá-lo um pouco, até poder espiar no vão formado entre ele e a parede,
pensando com seus botões “eita armário pesado, sô! Quase passei vergonha”.
Iluminou
o local com uma lanterna, com muito cuidado para não ser surpreendido por uma
possível investida da barata voadora que procurava; inconscientemente, temia que
a atrevida avançasse sobre ele e o assustasse, comprometendo o seu ato de
bravura; assim, examinou aquele espaço cautelosamente, nada encontrando.
Depois, mais confiante, conseguiu puxar o armário um pouco mais, examinou
melhor todo o espaço, centímetro a centímetro; verificou também embaixo e no
outro lado do móvel, também nada encontrando.
Finalmente, com
muito orgulho pronunciou o seu veredicto:
—Aqui ela não está.
Venha ver.
— EU
NÃO! — Bradou Maria, sem superar o medo, como seria de se esperar.
Mesmo
porque o problema não estava resolvido. Onde estaria a temível barata voadora?
João, então, afastou-se um pouco para melhorar a perspectiva e poder prescrutar
mais completamente todo o cenário, tentando entender o caminho que poderia ter
sido percorrido pelo repugnante inseto.
Sua
força e valentia já haviam sido demonstradas para Maria ao deslocar o pesado
armário e assumir o risco de enfrentar o perigoso animal. Mas uma barata de
paradeiro incerto e não sabido, esgueirando-se pelos cantos mais escondidos, é
sempre uma ameaça muito grande. Poderia aparecer de repente no chão, subir-lhe
pelas pernas por baixo da toalha sabe-se lá até onde, enfim, provocar nele alguma
atitude menos viril, algum gritinho comprometedor irrefreável, daqueles em que
a voz até sai fininha.
Esse pensamento passou pela cabeça de João, que
logo o afastou. Resoluto, agora já dominava a situação e era chegado o momento em
que poderia mostrar para Maria a sua inteligência, se conseguisse desvendar o mistério
da barata desaparecida. “Onde se enfiou essa miserável? ”, pensou. Observando
detalhadamente todo o cenário por alguns longos minutos, finalmente, com muita perspicácia,
decifrou o enigma. Aliás, não apenas o decifrou como, também, caiu na risada.
— Do que você está
rindo? – Perguntou ela, surpresa, ao que lhe respondeu João, detalhadamente:
— Veja, meu bem. A
janela aberta deixa passar uma brisa, fazendo balançar um pouco o lustre,
projetando-se assim uma sombra, uma pequena sombra em movimento, em direção ao
armário. Engana, sim, parece mesmo uma barata — completou, mostrando-se
compreensivo com o medo de sua mulher.
Maria, então, ficou
um pouco mais tranquila. Só um pouco. E curiosa. De longe, ainda temerosa,
observou aquela pequena sombra que se movia tal qual uma barata voadora. Então,
depois de confirmar a brilhante descoberta de seu marido, agora sim, aliviada,
abraçou João, numa romântica atitude de agradecimento.
— Como eu sou
medrosa, meu bem. Ainda bem que tenho você aqui para me proteger.
Com esse gesto de
Maria, abriu-se o espaço para um compreensivo João, em tom superior e professoral,
mais uma vez demonstrar carinhosamente a sua sabedoria, explicando algumas
coisas para ela, feliz e envaidecido com a sua própria performance:
— Isso que acaba de
acontecer com você, meu amor, chama-se pareidolia. Pode acontecer com qualquer
um. E acontece quando uma pessoa vê alguma coisa que parece outra, mas não é,
mas porque parece, a interpreta como se fosse. Ficou claro? Portanto, não se
amofine. Neste caso, envolvendo a imagem de uma barata, você não está sozinha.
É natural para qualquer mulher cometer esse equívoco, pois as mulheres mantêm
em seu subconsciente um medo atávico, doentio e permanente desse inseto, que
aflora incontrolavelmente nesses momentos. Foi o que aconteceu com você: viu a
sombra em movimento, e já foi achando que era mesmo uma barata. É muito
divertida, e até graciosa, a maneira como se manifesta a fragilidade feminina
nessas situações. É por isso que é importante que as mulheres sempre tenham por
perto um homem que as socorra nessas horas...
A toalha que o
cobria soltou-se e caiu ao chão com o salto repentino de João para trás, uma
das havaianas voou longe, ao mesmo tempo em que seu grito alto, agudo, fininho
e desonroso, nada viril, interrompeu a sua pregação de herói, quando a barata
de verdade, finalmente, resolveu voar do lustre onde se alojara, diretamente
para a sua careca. Num reflexo desesperado João se abaixou, procurando proteção,
e assim ficou: mãos nas orelhas, encolhido, de cócoras, pelado, um pé descalço,
imobilizado pelo pavor.
Ao ver a cena Maria
fugiu incontinenti, manifestando toda a sua fragilidade feminina ao correr
desesperada para fora do quarto, confirmando aquela maneira divertida e
graciosa que seu marido lhe dissera. Mas recobrou-se num instante e, num
repente, extraiu de seu âmago toda a coragem necessária para voltar ao quarto,
armada de um poderoso aerossol de inseticida que pegou de passagem no armário
do banheiro, com o qual encharcou a cabeça de João, que ainda permanecia com as
mãos nas orelhas, agachado, pelado, um pé descalço, com a barata na careca.
A enorme barata
reagiu no mesmo instante, e ainda voou um pouco, até cair ao chão,
debatendo-se. Maria deu-lhe mais uma longa, nervosa e vingativa borrifada de
aerossol, e ela finalmente se rendeu, estirada com as pernas para o ar.
Superado com sucesso aquele momento de ação e bravura, Maria respirou fundo,
encheu-se de mais valentia e correu para fechar a janela, que ainda estava
aberta.
Finalmente
sentia-se segura.
Mais calma, olhou
para o marido e, mesmo com muita vontade de rir, sabiamente Maria se conteve;
ajudou João a levantar-se, encontrar e calçar a havaiana, cobrir o corpo
novamente com a toalha, e procurou restabelecer a sua combalida dignidade,
dizendo, bem séria, com muito cuidado para não parecer irônica:
— Nossa, João! Que
bicho enorme! Até você se assustou! Mas manteve corajosamente a barata na
cabeça, quietinho, para eu poder acertá-la com o aerossol! Isso é o que eu
chamo de sangue frio! Ainda bem que você estava aqui para me proteger. Agora vá
tomar outro banho e lavar essa cabeça ensopada de mata-baratas; depois a gente vai
para a cama e comemora o sucesso dessa caçada. Com um bom sono, claro, porque
já é tarde.
A tentativa foi
boa, mas as palavras enaltecedoras de Maria não tiveram nenhum efeito para elevar
o moral de João. Jururu e calado, ele limitou-se a obedecer. Tomou um novo
banho e foi mesmo para a cama, sempre bem quietinho, juntar-se a Maria, para
dormir.
Atualmente, a casa
de João e Maria é dedetizada a cada seis meses e há telas contra insetos em
todas as janelas.
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