CONHEÇA UM POUCO DESSA GRANDE MULHER:
HISTÓRIAS DO
NORDESTE!
Dinah Ribeiro de Amorim
Lá pela baixa da égua,
sertão nordestino, Estado da Paraíba, vivia uma família com onze filhos.
Dedicavam-se à pouca lavoura e alguma criação.
Eram eles, pai José, mãe
Filomena, Zé Tibúrcio, Zé Coió, Maria Filó, Marialva, Maria Inês, Zé Maria, Zé
Germano, Zé Tonho, Zé Pedro, Ermenegilda e Zé Baleia. Todos registrados na
cidade próxima, mas, quase sempre, tendo os nomes esquecidos pelos próprios
pais. Eram tão numerosos e muito próximos em idade, que preferiam chamá-los de
enxeridos, buliçosos, borocochô e raparigas, chumbadas, zuretadas, fuleiras, conforme
a qualidade de cada um, no momento.
Voinha e voinho, de
carapinha branca, também viviam com eles, já segurando uns bons anos, na
corcova.
Todos no mesmo trabalho,
tentavam produzir a terra, antecipando a época da seca, quando invadia o
sertão. Secava a água do riacho, as verduras não nasciam, árvores sem fruta,
com os galhos desfolhados. Só o Sol quente, invadia a região. Tinham que ter
previsão, preparar comida, reservar água, fazer viver os bichos, até a nova
estação, trabalho duro e cansativo, ou deixar aquela vida, abandonar o sertão.
Logo que amanhecia, saiam
todos na lida, só ficando Zé Tibúrcio encostado, chumbado, queixando-se de
amarelão. Doença que nunca sarava e deixa José ispritado.
Os irmãos debocham dele,
o pai dá-lhe cocorotes, leva mesmo um carão, mas ele com uma gaguita, manda-os
aperrear e dorme borocochô.
As irmãs não entendem
como esse irmão enxerido mente assim ao pai. É mesmo um cabra fuleiro, ondonde
foi mesmo que a mãe o achou?
O mais velho de todos e o
mais preguiçoso, todo dia doente, deitado na rede ou no chão. Dá vontade neles
de enxotar esse irmão, que vive às custas deles e não trabalha, não.
Zé Tibúrcio,
entristecido, diante da sua situação, não gosta daquela vida, quer fugir do
sertão. Começa a imaginar, preparar a cabeça, a fazer um plano certeiro que o
livre, então.
Sabe que o voinho não é
pobre, e vai, buliçoso, examinar seu chão.
Acha um pequeno cofre,
escondido no armário, dentro de um gavetão. Cauteloso, descobre logo, uma
solução. O voinho era rico, esconde muito dinheiro, Deus sabe como, naquela
família sofrida, de grande filiação.
Apanha logo boa parte e
sem ninguém perceber, enfia tudo nos bolsos e escapa do sertão.
Encontra pelo caminho, um
idoso simpático, sentado à beira da estrada, com grande chapelão.
Sorrindo, o velho
pergunta para onde Zé Tibúrcio vai indo, naquela região ensolarada, que ninguém
aguentava.
O cabra responde logo que
queria abandonar a região. Conhecer outras paragens, fazer novos amigos, outro
tipo de trabalho, detestava a família numerosa, não sentia carinho não.
O idoso, pensativo, que
diz chamar-se João, coça a barba, alisa os poucos cabelos, olha bem o Zé
Tibúrcio, e começa a prosear, a sua história narrar, que irá servir de lição.
Fugiu da casa dos pais,
muito jovem, sonhando melhorar o futuro, também detestava aquela vida, a luta
do nordestino, desejando melhor cultura.
Essa história de lutar
com a terra, vencer a natureza inóspita, aquela seca danada, não queria na sua
história.
Deixou os pais sozinhos,
com alguns irmãos pequenos, também era o mais velho, dependiam dele para
continuar o enredo.
Tudo que encontrou na
cidade grande, foi uma grande tristeza e aventuras decepcionantes. Não
conseguiu fortuna, não teve a vida brilhante, que imaginava, sozinho, junto a
alguns imigrantes.
Após muitos anos, longe
da sua casa, resolve voltar, com saudades, procura a família deixada. Os pais
morreram logo, cansados com tanto trabalho, os irmãos até que tentaram, fazer
progredir a terra, mas também não conseguiram, devido a grande fastio. Atacados
também por doença, sem tratamento ficaram, logo morrendo também, deixando
aquela terra e indo para o além.
O velho João engasga, ao
contar sua história, e limpa com um
lenço sujo, a lágrima que escorre agora.
Zé Tibúrcio se emociona,
nunca ouviu nada tão triste, e estremece também o coração, com medo de deixar a
família em triste situação, após a sua traição.
— Volta meu filho, volta,
ajuda a viver no sertão, não termina como eu, sozinho, arrependido, infeliz,
com saudades da terra, então. Família é importante, faz parte da geração, a
nossa terra também, somos dela criação.
Zé Tibúrcio fica
indeciso, não sabe se volta ou não, mas diante daquele caso, contado pelo João,
começa a titubear, sentado também no chão.
Pensa um pouco, examina o
velho, arrepende-se do que fez, a fuga e o roubo, dinheiro que o voinho,
guardava de coração.
Acaba voltando então,
começa a se interessar, pela história do sertão, daquela vida simples e
trabalhosa, recomeçar sua história. Pedir perdão aos pais, aos irmãos que o
judiavam, auxiliar no trabalho, continuar o destino daquela gente vitoriosa.
Fugir é a saída para pessoas decaídas!
É recebido alegre,
perdoam a sua ação, recebe a bênção do pai, o carinho de sua mãe, e voinho esquece logo o roubo, pretende deixar p’ra
ele, todo o dinheiro roubado, é o neto mais velho, deve ter um regalo!
Essa história me foi
contada pelo povo de João Pessoa, quando lá estive, que acredita que o idoso
João, que apareceu a Zé Tibúrcio, foi o anjo Gabriel, no dia de São João!
Fim!
Ariano Vilar Suassuna foi um
intelectual, escritor, filósofo, dramaturgo, professor, romancista, artista
plástico, ensaísta, poeta, político e advogado brasileiro.
Nascimento:
16 de junho de 1927, João Pessoa, Paraíba
Falecimento:
23 de julho de 2014, Recife, Pernambuco
Características da obra de Ariano Suassuna
·
regionalismo
·
valorização
da cultura nordestina
·
linguagem
coloquial
·
caráter
nacionalista
·
crítica
sociopolítica
·
ironia
·
aspectos
cômicos e trágico
Vamos ler algumas frases de Ariano
Suassuna:
1-
Os doidos perderam tudo, menos a razão. Têm uma (razão) particular.
2-
Os mentirosos são parecidos com os escritores que, inconformados com a
realidade, inventam outras.
3-
Não troco o meu ‘oxente’ pelo ‘ok’ de ninguém!
4-
Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra
mim é missão, vocação e festa.
5-
Tudo que é bom de passar é ruim de contar. E tudo que é ruim de passar é bom de
contar.
6- Eu divido a
humanidade em duas metades: de um lado os que gostam de mim e concordam comigo.
Do outro, os equivocados.
7- Por enquanto, só existem dois tipos de Governo: o
dos opressores do Povo e o dos exploradores do Povo.
SOBRE O CONTO: AMOR — DE
CLARICE LISPECTOR!
Dinah Ribeiro de Amorim.
Clarice Lispector analisa
seu personagem Ana como uma psicóloga, visando expor mais os sentimentos diante
das cenas banais de acontecimentos cotidianos.
Retrata Ana como uma
simples e completa dona de casa, muito preocupada em ser perfeita como esposa e
mãe, até determinados momentos do dia, procurando, em presença familiar, estar
satisfeita com tudo que faz. Mas, quando fica só, e filhos vão para a escola e
marido ao trabalho, se perde, temendo a hora solitária ao ficar em casa, super
organizada e limpa, temendo o momento de solidão. Em suma, realiza suas
obrigações com prazer exagerado, sem sentir a felicidade que tudo isso deveria
lhe proporcionar. Não consegue ficar sozinha e inventa sempre algo para fazer
na rua, como uma válvula de escape. Não é completamente feliz, embora sem
problemas matrimoniais.
Quando jovem, sentia
necessidade de fincar raízes num apoio e isso a maternidade e o casamento lhe
trouxeram. Tornou-se tão perfeita que até desenvolve técnicas artísticas com
relação ao cumprimento de suas obrigações na casa. Veio, por sorte, nascer mulher
e isso o faz com perfeição.
Seu único medo era não
ser necessária, as horas em que não dependiam dela, ficar sozinha. Sentia-se
feliz ao lado deles, necessitando dela.
Toma um bonde para
realizar as compras do dia, não sente ternura nem devoção, mas uma necessidade
da família. Seus cunhados iriam jantar em sua casa.
O bonde balança nos
trilhos e ela derruba as compras no chão, principalmente os ovos, que se
espalham e mancham sua sacola de tricô. Sente-se incapaz de se mover e dá um
grito ao ver tanta sujeira, em público. O bonde, dando uma parada, faz Ana
percorrer com os olhos, os transeuntes, parando, chocada, com uma cena que a
choca e a modifica totalmente. Um homem cego, na calçada, que masca chicles…
Esse homem cego, mascando chicles, ora sorrindo, ora não, impressiona tanto
pela sua capacidade de existir, num mundo que sempre achou perfeito, que
modifica totalmente sua maneira de pensar e vai persegui-la pela tarde toda,
talvez pela sua interpretação atual de vida.
O bonde segue seu
caminho, ela se defende da sujeira que fez com os ovos, mas não consegue se
esquecer do cego na calçada, que lhe fica no pensamento. Sente-o como se não
sofresse ou um certo arrependimento por nunca sofrer por um cego.
Como podia existir alguém
deficiente tendo ela a sua vida tão perfeita?
Desperta no coração a
bondade que, para ela, transforma-se também num inferno. Sentir piedade de um
ser não perfeito e forte como ela. Teria que virar-se uma benfeitora, beijar as
pessoas doentes nesse mundo. Teria que transformar suas ambições na vida.
Vai pensando em mudanças
de que não se sente capaz, quando percebe que passou do ponto de partida. Desce
perto do Jardim Botânico, prestes a fechar, já é o escuro aparecendo.
Entrou em crise,
verificando com amor as plantas existentes naquele parque tão próximo. Nunca
reparara nas flores, bichinhos, através da quase escuridão. Sentiu-se perdida,
como se algum lobisomem aparecesse e a possuísse.
Nunca dera atenção a esse
lado da vida, era o céu e, ao mesmo tempo, o inferno, com as coisas que
poderiam fazer o mal.
E a figura do cego que
masca chicles ainda não lhe sai da cabeça.
Aos trancos e barrancos,
consegue chegar em casa, um prédio, apartamento no nono andar, esperando as
crianças da escola e preparando o jantar.
Ajudada pela criada, na
cozinha, enquanto bate com força os bifes. Talvez consiga descontar com alívio
a pressão dos seus pensamentos.
O filho, quando chega,
corre a abraçá-la, mas foge para o quarto, ao vê-la tão transtornada. Nunca a
vira assim.
Durante o jantar, tudo
corre normalmente, ela não demonstra as dúvidas que teve durante aquela tarde.
Uma mulher que fazia tudo
por obrigação, sua vida era completa e forte, talvez não tão feliz como
julgava, quando vê outro lado da vida.
Seu problema foi ter
avistado o cego que mascava chicles e que nem pensava, talvez, que existisse. A
vida, sem sua vontade, mostra o outro lado da existência.
Finalmente, nos braços do
marido carinhoso, esquece momentaneamente os arrependimentos e conflitos que
teve.
E a vida volta ao normal
de sempre! Será?
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