A PORTA
Helio Fernando Salema
Sexta-feira no início da noite, CRIS recebeu um
telefonema de Sandra, que estava desesperada. Sua voz era trêmula, como o
barulho das folhas das palmeiras em tempestade, e em alguns momentos
interrompida por choro, como uma criança que não consegue separar o momento de
falar e o de chorar.
Quase não conseguia explicar o que acontecera. Momentos
de silêncio deixavam dúvidas e preocupações, várias vezes CRIS tinha que
perguntar se ela estava se sentindo bem.
Quando finalmente, começou se acalmar, foi lentamente
explicando o acontecido, a todo instante repetia palavras de ofensas:
— “Aquele verme
sem escrúpulos”, depois de 5 anos, resolveu terminar sem dar a menor satisfação,
miserável…. Ele me paga…. Miserável.
Todo este desabafo
sua amiga de infância ouviu atentamente. E a cada instante mais preocupada ficava.
Não tinha a menor ideia de como socorrê-la.
Usando palavras de estímulo, lembrando a ela, que outrora
já havia passado por maus momentos e teve forças para superar, certamente agora
não seria diferente.
Depois de longos minutos, em que relatou tudo que lhe
passava pela cabeça sem rumo, e ouvindo as palavras confortantes, aos poucos Sandra
se deu conta de que o relacionamento chegara ao fim, mas na sua vida ainda havia
muito chão para caminhar e água dos rios para ver passar.
Subitamente lhe
surgiu uma ideia. Sair para uma balada para tentar se animar.
Mas, ao mesmo
tempo, não se sentia forte o suficiente para ir sozinha. Apelou para a amiga
acompanhá-la. O que, a princípio, esta não via o convite como algo bom para
ambas.
O noivo da CRIS estava num congresso em outra cidade, só
retornaria na próxima semana. Também porque não costumava sair à noite sem a
presença do noivo. Nem frequentar baladas. Geralmente iam ao teatro, cinema e
jantares com amigos. Tentou contatar com ele, mas em vão.
Não tendo outra alternativa, e diante da situação aflita da
amiga, pensou na possibilidade de atendê-la. Mas colocou algumas restrições,
como a escolha do local e não aceitar companhia de qualquer cavalheiro.
Assim, ao chegarem ao local da balada, escolhida por
Sandra, CRIS percebeu que era um lugar que sua amiga conhecia muito bem.
Completamente avesso
aos lugares preferidos por CRIS, que pensou até em desistir. Seria sair sem avisar
a amiga ou inventar uma boa desculpa. Mas como ter certeza de que ela não
ficaria aborrecida, sentindo-se abandonada? Ao perceber a mudança positiva de
ânimo da amiga, preferiu aguardar.
Mas, finalmente, por mais que tentasse permanecer ali, não
se sentia bem. Vendo que a amiga já arrumara um jovem para se distrair, decidiu
ir ao toalhete e depois avisaria que estava saindo.
A casa estava lotada. Com muito custo, conseguiu seguir a
indicação do letreiro. Ao abrir a porta, viu que era um corredor com várias
outras portas, sem nenhuma indicação. Assustada ficou parada.
Poucos segundos depois,
duas moças entraram pelo mesmo corredor, então decidiu segui-las. No toalhete
ficou mais tranquila, principalmente por estar longe do barulho do salão, havia
iluminação e perfumes que preenchiam o ar.
Pensou em ficar ali por um longo tempo ao invés de ir
embora deixando sua amiga assim tão cedo. Comparando sua situação ali no
toalhete, que não era nada agradável, era, porém, menos ruim do que a da amiga horas
antes.
Até que entrou um grupo fazendo algazarra, não teve
escolha, saiu. No corredor com tantas portas, com muita pressa e preocupada em
encontrar a amiga na escuridão do salão. CRIS abriu a primeira porta que viu.
Ficou assustada ao
ver que era uma sala, onde um casal, sem roupas, fazia amor tão caloroso que
não perceberam sua presença. Muito assustada, não acreditava ser real o que estava
vendo, parecia cena de um filme.
Quando o casal percebeu que estava sendo observado, houve
um espanto, provocado pelo homem que reconheceu a CRIS, sua noiva.
Ela manteve a porta aberta ao máximo e imediatamente
começou a gritar:
— Socorro…. Socorro!
Rapidamente apareceu um segurança, ela foi apontando para
a sala:
— Foi dali…. Foi ela…. Um estupro …Estupro!
Vários outros seguranças foram entrando, seguidos por
curiosos, ela aproveitou a multidão que lotava o local, logrou sair de mansinho,
sem ser notada.
Com muito custo encontrou Sandra no salão e lhe disse que
ia embora. Sandra a acompanhou. Na calçada encontraram um táxi, e foram para o
apartamento de Sandra.
Lá chegando, depois de alguns minutos confortavelmente
acomodadas, a sós e menos assustadas, CRIS pelo que viu, e Sandra pelo que não
viu, mas sem entender o alvoroço da amiga para sair da balada tão depressa e nervosa.
Ficaram por algum tempo em silêncio total.
Sandra aguardou até que tudo se acalmasse para perguntar
o que aconteceu.
Após contar tudo com muita calma, como quem resignada,
aceitava, o que sabiamente não tinha poderes para modificar. Ficou em silêncio,
como se esperando uma resposta de Sandra.
Esta, mal acreditando no que acabara de ouvir e lembrando
do sacrifício que a amiga fez para ajudá-la e também, pelo fato de que fora ela,
quem sugeriu a balada, disse a CRIS que podia ficar ali aquela noite.
Foi uma noite difícil para ambas, que não conseguiram
dormir tranquilamente. As lembranças atordoaram suas cabeças, ainda com dificuldades
para se concentrarem em situações menos desagradáveis.
Na manhã seguinte, depois de um bom café e um momento de
serenidade, Sandra deduz que seu problema já não era tão desastroso, como um
terremoto, diante da situação de sua amiga.
Assim se sentiu em condições de ajudar. Iniciaram então a
análise das possibilidades. Planos não faltaram. De comum acordo ficou decido
que CRIS ficaria morando ali com Sandra.
Enquanto isso no apartamento de CRIS o telefone tocou e
tocou por muitos dias.