UM VÁCUO NA IMAGINAÇÃO DAS COISAS
Ou, quanta coisa maluca passa na cabeça de quem se mete a escrever
coisas.
Leon
Alfonsin Vagliengo
Naquela noite de instrução literária, tentei, em vão, escrever
coisas em que aparecesse a palavra “coisa”, porque era a tarefa a ser realizada
em aula. Eu teria só coisa de vinte minutos, mas achei que a coisa seria
moleza. Porém, não poderia ser qualquer coisa sobre uma coisa qualquer, porque
era um exercício de escrita, a coisa toda tinha que ser bem pensada.
Mas — que coisa! — Não me vinha à mente coisa alguma, o vazio
predominava. Mesmo tentando alguma coisa forçada, nenhum sucesso, e o tempo ia
passando. A coisa estava ficando feia
para mim.
Teria
que inventar alguma coisa para cumprir a tarefa, mas... qual! Nada! Não
aparecia nem uma coisiquinha nas minhas ideias que me permitisse agradar à
professora e não terminar a aula em branco, o que seria uma coisa muito chata.
Pensei
em usar derivativos da coisa, como o verbo coisar, mas o meu sentimento de
censura me fez pensar que poderia dar uma conotação, assim... meio impudica.
Não, não ficaria bem. Estimularia o surgimento de coisas impróprias nos
pensamentos de quem lesse. Já imaginaram, por exemplo, dizer que alguém estava
coisando no Ministério? Ninguém pensaria que se tratava apenas de uma ação
burocrática a respeito da coisa pública.
Não,
não seria adequado para a coisa que a professora pediu.
Aos
poucos fui chegando à conclusão de que desta vez a coisa não seria mesmo tão
fácil para mim, mas uma coisa eu botei na cabeça, desde jovem: faço questão de
nunca desistir das coisas que me desafiam. Podem até dizer que eu sou um cara
cheio das coisas, e que gente fina é outra coisa, mas eu não esmoreço
facilmente.
A
coisa toda ia seguindo assim, e o tempo passando, até que pensei numa coisa: se
não consigo pensar em alguma coisa agora devido à ansiedade que essa coisa toda
está me causando, devo relaxar um pouco para que alguma coisa boa possa
aparecer.
É,
eu já estava inquieto e nervoso, mesmo. Parecia até que ia ter uma coisa. E, de
repente, experimentei uma forte sensação de estar sendo completamente diminuído
pelo insucesso. Me senti um verdadeiro Coisinha.
Com
o impacto desse brusco sentimento, abriu-se um parêntese emocional:
—
Eu, um Coisinha? — Rosnei baixinho, sentindo-me coisificado e indignado com o
meu próprio pensamento. Mas imediatamente reagi, ponderando que não é nada
disso: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e é preciso colocar
cada coisa no seu devido lugar.
Com
esse pronto entendimento, seguiu-se um momento glorioso de recuperação do
amor-próprio, em que me envaideci e até me emocionei, por achar que minha
rápida reação tinha sido uma coisa linda; e para mim, naquele instante
depressivo, a coisa mais linda do mundo.
Superado
o parêntese, relaxei, respirei fundo, dei uma nova coisada nos pensamentos e me
entusiasmei, pensando. Bom, agora a coisa vai!
Mas
a coisa não foi.
Nem
assim consegui elaborar coisa com coisa. Que nada! Mesmo estando relaxado, não
saiu coisa nenhuma! Que coisa absurda!
Não
posso desconsiderar que essa falta de assunto ocasional é uma coisa séria.
Alguma coisa acontece ocasionalmente que me dá um vazio na mente, parece coisa
do coisa-ruim. Uma coisa medonha, uma coisa de louco. Não é possível, não tem
lógica. Acho até que aí tem coisa, mas não sei que coisa é essa.
Enfim,
não consegui realizar a tarefa, não escrevi nada com a palavra “coisa”, e
acabei chegando à conclusão de que forçar a barra para conseguir tal coisa, no
fundo, caracteriza um doentio e esquisito coisicismo. Aí... chegou! Vamos
deixar de coisa e reconhecer o insucesso.
Só
me consola pensar que pequenos fracassos como esse são coisas da vida.
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