A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quarta-feira, 29 de maio de 2024

UM VÁCUO NA IMAGINAÇÃO DAS COISAS - Leon Alfonsin Vagliengo

 



UM VÁCUO NA IMAGINAÇÃO DAS COISAS    

 

Ou, quanta coisa maluca passa na cabeça de quem se mete a escrever coisas.

 

 Leon Alfonsin Vagliengo

 

       Naquela noite de instrução literária, tentei, em vão, escrever coisas em que aparecesse a palavra “coisa”, porque era a tarefa a ser realizada em aula. Eu teria só coisa de vinte minutos, mas achei que a coisa seria moleza. Porém, não poderia ser qualquer coisa sobre uma coisa qualquer, porque era um exercício de escrita, a coisa toda tinha que ser bem pensada.

       Mas — que coisa! — Não me vinha à mente coisa alguma, o vazio predominava. Mesmo tentando alguma coisa forçada, nenhum sucesso, e o tempo ia passando.  A coisa estava ficando feia para mim.

Teria que inventar alguma coisa para cumprir a tarefa, mas... qual! Nada! Não aparecia nem uma coisiquinha nas minhas ideias que me permitisse agradar à professora e não terminar a aula em branco, o que seria uma coisa muito chata.

Pensei em usar derivativos da coisa, como o verbo coisar, mas o meu sentimento de censura me fez pensar que poderia dar uma conotação, assim... meio impudica. Não, não ficaria bem. Estimularia o surgimento de coisas impróprias nos pensamentos de quem lesse. Já imaginaram, por exemplo, dizer que alguém estava coisando no Ministério? Ninguém pensaria que se tratava apenas de uma ação burocrática a respeito da coisa pública.

Não, não seria adequado para a coisa que a professora pediu.

Aos poucos fui chegando à conclusão de que desta vez a coisa não seria mesmo tão fácil para mim, mas uma coisa eu botei na cabeça, desde jovem: faço questão de nunca desistir das coisas que me desafiam. Podem até dizer que eu sou um cara cheio das coisas, e que gente fina é outra coisa, mas eu não esmoreço facilmente.

A coisa toda ia seguindo assim, e o tempo passando, até que pensei numa coisa: se não consigo pensar em alguma coisa agora devido à ansiedade que essa coisa toda está me causando, devo relaxar um pouco para que alguma coisa boa possa aparecer.

É, eu já estava inquieto e nervoso, mesmo. Parecia até que ia ter uma coisa. E, de repente, experimentei uma forte sensação de estar sendo completamente diminuído pelo insucesso. Me senti um verdadeiro Coisinha.

Com o impacto desse brusco sentimento, abriu-se um parêntese emocional:

— Eu, um Coisinha? — Rosnei baixinho, sentindo-me coisificado e indignado com o meu próprio pensamento. Mas imediatamente reagi, ponderando que não é nada disso: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e é preciso colocar cada coisa no seu devido lugar.

Com esse pronto entendimento, seguiu-se um momento glorioso de recuperação do amor-próprio, em que me envaideci e até me emocionei, por achar que minha rápida reação tinha sido uma coisa linda; e para mim, naquele instante depressivo, a coisa mais linda do mundo.

Superado o parêntese, relaxei, respirei fundo, dei uma nova coisada nos pensamentos e me entusiasmei, pensando. Bom, agora a coisa vai!

Mas a coisa não foi.

Nem assim consegui elaborar coisa com coisa. Que nada! Mesmo estando relaxado, não saiu coisa nenhuma! Que coisa absurda!

Não posso desconsiderar que essa falta de assunto ocasional é uma coisa séria. Alguma coisa acontece ocasionalmente que me dá um vazio na mente, parece coisa do coisa-ruim. Uma coisa medonha, uma coisa de louco. Não é possível, não tem lógica. Acho até que aí tem coisa, mas não sei que coisa é essa.

Enfim, não consegui realizar a tarefa, não escrevi nada com a palavra “coisa”, e acabei chegando à conclusão de que forçar a barra para conseguir tal coisa, no fundo, caracteriza um doentio e esquisito coisicismo. Aí... chegou! Vamos deixar de coisa e reconhecer o insucesso.

Só me consola pensar que pequenos fracassos como esse são coisas da vida.

<<<<< O >>>>>

 

 

A lenda de Barba Negra - Alberto Landi

  A lenda de Barba Negra Alberto Landi   No auge dos tempos dourados da pirataria, havia um temido capitão que aterrorizava os mares do Cari...