A
REVIRAVOLTA!
Dinah
R. Amorim
Dimitri vivia como
pescador na ilha grega de Patmos, perto do mar Egeu. Era um homem forte,
corajoso, dedicado à pesca, que amava e, à família, que, segundo os costumes da
região, protegia e cuidava.
Casou-se cedo com
Érida, mulher bonita que logo o atraiu, assim que a conheceu. Era ótimo
dançarino, herdara do pai segundo ritmos hassápikos e rebétikos, antigos nomes
gregos, precursores do famoso blue. Érida encantou-se com seus passos de dança.
Na verdade, foi também uma paixão à primeira vista.
Habitavam um
vilarejo alegre, colorido, lindas paisagens, sendo sua casa um centro de
conversação, festas regionais e danças. Possuíam muitos amigos, além das
crianças que vinham brincar com as suas: Ian e Élida.
Ganhava algum
dinheiro com a pesca, garantindo sustento e conservação do que tinham. Não era
ambicioso e iam vivendo como todos os pescadores, confiantes em Deus, nos
amigos, na família e na saúde que possuía, madrugando e voltando ao anoitecer,
todos os dias.
Porém,
nova direção governamental em seu país modificou a vida tranquila dos
pescadores. Começaram a cobrar impostos altos sobre cada quilo de peixe pescado,
e eram obrigados, agora, a fornecer uma boa parte da pesca diária ao
frigorífico da região.
Todos os
pescadores, revoltados com a situação, resolveram formar um sindicato para discutirem
suas situações. Acabaram-se a alegria e as festas, tão comuns em suas origens.
Dimitri foi encarregado
de organizar e distribuir panfletos com exigências e reclamações. Érida,
preocupada com segurança, aconselhou-o a desistir, mudar de profissão, de
região, temendo alguma represália da polícia ou inimigos gananciosos que logo
surgiram. Ulisses, dono do frigorífico, era um deles.
Dimitri pensou e
chegou à conclusão que mudar para outra região não resolveria. Seu país estava
passando por dificuldades e a falta de emprego era geral. As queixas do povo, os
hábitos, tudo sofrera mudança. Achou melhor continuar a luta com os pescadores,
quem sabe alterariam alguma coisa.
De personalidade
forte, chamou a atenção, liderando algumas manifestações e caindo no desagrado
de autoridades. Érida e seus filhos começaram a temer por sua vida.
Pessoas dominantes,
no ramo da pesca, que estavam lucrando com a situação, passaram mesmo a
persegui-lo, tendo escapado de ataques clandestinos, várias vezes. Passou a
esconder-se e realizar reuniões secretas.
Sendo chamado às
pressas por um colega, saiu numa noite escura,
sob ameaça de chuva forte, sorrateiramente, até a casa do amigo. Ficou ausente
quase toda a noite. Nesse ínterim, sua
casa sofreu o ataque de um carro que passou rápido, atingindo-a com possante
metralhadora. Buracos de tiros nas paredes, portas e estilhaços de vidros.
Vizinhos apavorados, correram! O objetivo principal era amedrontá-lo, mas, sua
mulher e filhos ficaram feridos, não dando tempo de socorrê-los. Morreram rapidamente.
Quando Dimitri chegou já haviam sido levados pela ambulância ao hospital e, em
seguida, ao necrotério. Mal conseguiu vê-los.
Entrou em profunda depressão e culpa, passando longo
tempo apático, sem nenhum interesse. Não queria mais ser pescador, lutar,
trabalhar em outro lugar, não queria mais nada! Sua vida se fora também com
eles.
Depois de algum
tempo, resolveu sumir do país, e vir procurar algum serviço no Brasil. Ouvira
que era um país muito grande e cheio de variedades quanto a trabalho. Aqui
chegando, estabeleceu-se à beira da praia, como pescador, novamente. Alegria
nunca mais sentiu! Saudade da Grécia que tanto amou, também não mais. Vivia
fazendo obrigações.
Ficou meses nessa
vida, reacostumando-se a pescar, quando rompeu uma barragem perto e água tóxica
de usina contamina o mar, oxidando e enchendo de barro suas águas. Peixes
mortos, pescadores desorientados, sem poder pescar nem utilizar a água. Teriam
que sair dali e reivindicar seus direitos ao governo. Outra vez a história se
repete na vida de Dimitri, em outro país.
Cansado e
envelhecido pelo sofrimento, entregou-se à bebida e à dança, batalhando por
alguns trocados nos botecos e casas noturnas à beira mar.
Após alguns anos, a
alegria, meio forçada, vai retornando nele, ao sabor da saudosa música
sentimental e dos passos diferentes, agradáveis aos brasileiros, aprendidos com seu velho pai.
Numa noite
aprazível, nostálgico, pensando novamente em seu lindo país, a Grécia, na
família que tivera e perdera, saiu a passeio pela praia.
Escuta, ao longe,
uma música grega, sua preferida, sem localizar direito de onde vinha. Vai
seguindo o som atraente e para numa casa noturna, também à beira mar, com uma
dançarina semelhante à sua Érida. Não acredita e chega mais perto. Era ela! A
única mulher que amou na vida. Ela, ao vê-lo, branca como um papel, ameaça
fugir.
Dimitri, com pernas
trêmulas, agarra-a e exige a verdade. Ela não morrera e, fugira com Ulisses,
seu maior inimigo, para o Brasil, deixando os filhos entregues à doação. Na
realidade, fora uma armação a morte de sua família, para tirá-lo do caminho, já
que se transformara em amante do outro, mais rico e poderoso na cidade.
O pobre homem perdeu
a cabeça e, atordoado, fez menção de enforcá-la, o que não conseguiu, separado
pelos seguranças do lugar.
Cambaleante, sem
direção, confuso, vai entrando no mar e, sem notar, vai ao fundo, afogando-se,
tendo como testemunha uma lua decrescente e triste, pouco iluminando a noite
que, de repente, escondera-se das estrelas.