ACIDENTE
DO DESTINO
Hélio Fernando Salema
Antônio Carlos liga para sua esposa Mirtes e avisa que
recebeu um convite para uma reunião numa chácara no interior. São colegas que
irão se reunir com as famílias.
Pede para ela arrumar as malas, pois partirão hoje à
noite e só voltarão no domingo no fim do dia. Passa informações sobre o lugar
em que ficarão hospedados temperatura, programação etc.
Na realidade ele lembrou que no sábado fará vinte anos que eles se conheceram numa festa numa pequena cidade. Conseguiu reservar hotel e pretendia fazer-lhe uma surpresa.
Quando chegou à casa Mirtes já estava pronta. Tomou banho e se arrumou. Colocou as malas no carro e saíram, pois, ele sabia que a estrada era perigosa, principalmente à noite. Só não imaginava que pegaria chuva forte.
A empolgação de Antônio Carlos era semelhante à daquele dia em que ele e mais três amigos foram a uma festa de São João numa pequena cidade. Todos foram entusiasmados pela perspectiva de conhecerem belas moças que diziam haver naquela festa tradicional.
Quando chegaram, a alegria dos quatros jovens era a de crianças ganhando doces de Cosme e Damião. Uma festa típica com barracas enfeitadas, fogueira, dança de quadrilhas, pau de sebo, pessoas vestidas à caráter e muita alegria.
Poucos minutos depois Antônio Carlos viu uma linda jovem
acompanhada de outras duas que se dirigiam a uma certa barraca de doces, cujo
nome era muito sugestivo “BARRACA DO AMOR”. Aquela que lhe chamou a atenção
também lhe dirigiu um olhar significativo. Experiente que era em conquistas,
logo se dirigiu àquela barraca.
Ao se aproximar viu que a sua jovem predileta se deliciava com uma cocada. Ele olhando os demais doces percebeu um dos seus favoritos, doce de leite com chocolate. Solicitou um à vendedora e foi prontamente atendido.
Ao ver que as outras moças se afastaram, aproximou-se e puxou
conversa:
— É o seu doce preferido?
Ela olhou nos olhos dele e disse, sorrindo:
— Sim.
Com este SIM iniciava uma relação que no dia seguinte completaria vinte anos. Antônio Carlos e Florinda continuaram conversando ali perto da barraca por muitos minutos. Até que foi anunciado que iria começar a apresentação da Quadrilha. Ela se entusiasmou e perguntou se não iria ver. Ele concordou, logicamente, e olhando para o balcão da barraca viu algo, pegou e entregou a Florinda:
— Dizem que é a MAÇÃ DO AMOR.
Ela sorrindo aceitou e foram para o local da quadrilha.
Ela depois de saborear alguns pedaços ofereceu a ele. Assim ambos apreciaram o
fruto.
Ficaram admirando a dança até que o locutor informou que
naquele momento iniciaria uma quadrilha para todos. Muitas pessoas correram
para dentro da quadra posicionando-se. Florinda pegou a mão de Antônio Carlos e
o puxou até junto aos demais. Dançaram e se divertiram como nunca.
Saíram da quadra caminhando alegremente, quando ele viu
uma pequena praça com um banco vazio, os demais ocupados por casais. Não teve
duvidas, foram rapidamente sentar e descansar.
Assim que readquiriram as forças, ele a abraçou e se
inclinou para beijá-la. Sutilmente desviou a boca, de modo que os lábios dele
tocaram só no rosto dela. Sem se dar por vencido manteve a posição e sussurrou:
— Gostaria de sentir o sabor da cocada.
No fundo do poço dos sentimentos mais profundos da atração
natural, ela sentiu florir a força sublime dos desejos. E só no pensamento: “também
gostaria de sentir o sabor do doce de leite”. Em seguida os lábios tornaram-se frutos
dos sabores e desejos.
Esse beijo foi lembrado e replicado inúmeras vezes com
outros sabores, mas com a mesma intensidade.
Assim, pela primeira vez, o casal usava o carro novo na
estrada. Aquele que Antônio Carlos vinha há muito tempo admirando. Que na
semana anterior, ao passar por uma concessionária viu chegando, e era
justamente da sua cor preferida, preto.
Logo no inicio da viagem, Antônio Carlos teve algumas
dificuldades com tudo de moderno que havia. As vezes se embaraçava com tantos
botões e informações apresentadas no painel.
Mirtes perguntou pelas outras famílias. Ele respondeu que
já estavam na estrada, saíram mais cedo.
No inicio da viagem tudo transcorria muito bem, como o “sonho”
de Antônio Carlos havia sido imaginado.
Repentinamente começou a chover. Cada minuto que passava
ficava ainda mais forte. Por estarem num carro novo e moderno, nada parecia preocupá-los,
tanto é que não perceberam a alteração da chuva, tornando-se um terrível
temporal.
Quando Mirtes avistou uma placa que indicava a próxima
cidade, lembrou a festa em eles se conheceram. Com um raio de luz lhe veio à
memória a data, justamente a do dia seguinte.
Comentou com o marido. Este apenas deu um sorriu
malicioso. Mas foi o suficiente para que ela percebesse a intenção dele.
Invadida por tanta emoção que não lhe cabia, e a medida
que olhava para ele, aumentava sua vontade de correr, pular, gritar e saudar a ocasião.
Sem pensar e nem imaginar o que estava fazendo, soltou-se
do cinto de segurança, atirou-se sobre ele e deferiu-lhe um forte abraço e
muitos beijos.
O carro que estava em alta velocidade não conseguiu fazer
a curva, desgovernou-se e bateu fortemente.
Mirtes foi atirada contra o vidro, sentiu a cabeça doer,
depois as pernas, e em seguida sentiu que ficaram presas. Olhou para o lado e
viu o marido preso no cinto de segurança, porém inerte.
O estrondo da batida dissipou-se. Sentiu um silêncio que
veio lentamente penetrando no seu corpo, tomando-o para si. Percebeu que seu
corpo assim ficava mais leve à medida que o silêncio ia aumentando até
tornar-se um SILÊNCIO ETERNO.
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