UMA
ESCUTA QUE FAZ MAL!
Dinah
Ribeiro de Amorim
Sempre me mandam dormir muito cedo. “Crianças
têm que dormir cedo para crescerem fortes”- afirma mamãe. Custo muito a pegar
no sono, lembrando todas as brincadeiras que fiz durante o dia. Já é um hábito
de todas as noites. Rolo mil vezes na cama, desarrumo lençóis, até que, finalmente, adormeço, sem
perceber. Meus pais demoram a se deitar e ficam conversando até tarde. Às
vezes, os escuto e sinto, com isso, uma espécie de proteção, de sossego.
Numa dessas noites, ouvi-os discutindo, não
era bem uma conversa normal e, prestei mais atenção. Papai dizia que ia embora,
mudar de casa, havia conhecido outra mulher que seria agora sua nova esposa!
Escutei as lágrimas de mamãe, e o que fariam comigo! Como explicar que não
teria mais o pai em casa! Abaixando sua voz, papai respondeu que iria me avisar
que faria uma longa viagem, voltando para me buscar assim que pudesse.
Poderiam, por minha causa, chegar num acordo
amigável e, como agora existia “a guarda compartilhada”... Não sei bem se foi
isso que ouvi! Será que seria dividido ao meio, pensei amedrontado, ficaria
tempos com um e com outro. Seriam duas casas! Sempre gostei muito da minha! E
da companhia dos dois! Que conversa estranha estava ouvindo desta vez. Estranha
e triste, juntando minhas lágrimas às de mamãe.
A única coisa que me veio à cabeça, no meio
de tanta complicação que não conseguia entender, foram as palavras de minha
avó: “Nunca ouça conversa dos outros! Podem fazer muito mal!”. De verdade,
fiquei muito mal nessa noite e lembrei que, nos últimos dias, papai estava
chegando muito tarde e, distraído, mal respondia ao que eu falava! Coitada da
mamãe, que seria de nós dois, agora.
Não peguei no sono como de costume e amanheci
abatido e cabisbaixo, sem coragem de olhar para os dois. Eles, ao contrario,
mostravam-se animados e mais alegres, meio exagerados, enchendo-me de atenção e carinhos. Deve ser
remorso, pensei. São meus pais e agora querem desistir disso! Quando crescer,
se tiver filhos, espero nunca fazer o mesmo!
Passei vários dias esperando a hora em que me
contariam tudo, meu pai arrumando suas malas e dizendo adeus! Dormia, agora, no
sofá da sala e, mamãe, sozinha no quarto, chorava até amanhecer. Finalmente,
meio gaguejando, chamaram-me para conversar e avisar que papai viajaria a serviço,
demorando muito, mas voltaria para me buscar e passar uns dias com ele. Nem
perceberam que eu ouvira tudo. Pensei em ligar para vovó e perguntar sobre essa
tal “guarda compartilhada”, mas nem precisei. Ela chegou no dia seguinte para
ficar comigo. Mamãe estava arrumando um emprego. Mais essa agora, ausência do
pai e de mamãe o dia inteiro. Ainda bem que tinha vovó, sempre me senti seguro
ao seu lado.
O tempo foi passando, eu me acostumando, a
tristeza diminuindo, mamãe contando novidades do seu novo emprego, papai
aparecendo e me convidando para conhecer sua nova casa, o que não achei tão
ruim assim, embora não fosse minha mãe, e, vovó, procurando preencher minhas
dificuldades com suas histórias, comidas gostosas e brincadeiras divertidas!
Percebi que ainda gostavam de mim, apesar das grandes mudanças.
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