COISAS DE CARNAVAL!
Dinah
Ribeiro de Amorim
Salão
cheio, muita conversa, muito tititi... confusão. “Parece que deixam os arranjos
para a última hora”, exclama Conceição, a dona, aflita. São cabelos com
caracóis, apliques, sem contar unhas, cílios postiços, maquilagens e colocação
das fantasias. Prontos para o desfile.
Nervosismo
e animação correm soltos, falam ao mesmo tempo. Nada mexe tanto como o Carnaval.
Meses preparando roupas, corpos em regime, ginásticas, claras-batidas, só para
a apoteose de uma noite ou brincadeiras de três dias.
A
cliente mais assídua é Irene, grande carnavalesca. Todo ano é destaque na
escola. Quer ficar deslumbrante! Mulher bonita, morena – jambo, olhos verdes,
revela a ascendência mista. De corpo escultural, samba como ninguém. Rodinhas
nos pés
Irene
e Valério conheceram-se numa noite de Carnaval. Ambos empolgados pelas escolas,
defendiam com garra suas exibições.
Apaixonaram-se,
sambaram muito, casaram-se. O amor ao Carnaval e às escolas, continuou. Chegavam
os ensaios, esqueciam-se de tudo: trabalho, filhos, família, cada um pensando
em defender a sua. Até serem marido e mulher, deixam de lado.
Com o
tempo, Valério muda, o interesse diminui. As preocupações com trabalho,
dinheiro, sustento da família, aumento de posição, deixam-no sério, altivo, não
se agrada mais com bailes carnavalescos. Acha perda de tempo e dinheiro, grande
desgaste e pouco retorno. Começa a sentir vergonha de aparecer em público e
exibir a mulher. Que diriam os amigos!
Irene,
ao contrário, com o aumento de responsabilidades, aguarda ansiosamente a
chegada do Carnaval, para viver uma ilusão, um momento mágico, mesmo por pouco
tempo. Começa a achar que Valério já não é o mesmo.
Iniciam-se
as brigas do casal. Valério a proíbe de se desnudar no meio do povo e Irene o acusa
de ciumento, agora é madrinha de bateria, lugar de honra na escola.
Contraria
o marido, que a olha de modo estranho e vai aos ensaios. Prepara linda fantasia
cravejada de lantejoulas e cristais, gasta uma fortuna. Plumas de pavão,
verdadeiras, enfeitam sua cabeleira e descem até as costas.
Ajudada
por Inês, a vizinha, que ama Carnaval, recebe alguns retoques. Inês não pode
sair em escolas de samba. Cuida da mãe doente, mas ajuda Irene. Valério desiste
de brigar, mas, no íntimo, condena a mulher, repudia cada brilho da roupa e
movimento de dança.
Chega
a hora do desfile e Irene, emocionada e nervosa, escuta aplausos e vê olhares
de admiração. Entrega-se totalmente ao momento de glória, único, para muitos,
durante o ano. Nem repara que, enquanto desfila, graciosa e com muito samba no
pé, a acompanha um passista, desconhecido, fantasiado de Pierrô, mascarado e
irreconhecível.
Chamam
atenção, e ela acha ótimo ter alguém ao lado. Seria sua Colombina.
Suados
e cansados, trocam olhares e sorrisos. Após o desfile, procuram lugar para
beber e descansar.
Irene,
ignora o acompanhante que lhe traz lembranças, aceita seus galanteios,
entontecida pelo cansaço, emoção e bebida.
Ele se
oferece para levá-la em casa. Escolhe um caminho afastado, meio vazio, longe do
batuque das baterias. Irene deixa-se conduzir, certa de que seu par estava
apenas sendo gentil.
Qual
não foi a surpresa quando o Pierrô, segurando-a bruscamente pelo braço, tira a
máscara e ela reconhece Valério. Este, carrancudo e magoado, ciumento da esposa
que facilmente o trairia, aperta-lhe forte o pescoço e tira-lhe o ar. Irene
desmaia.
Inês,
a auxiliar de sempre, estando à janela, avista Valério quando sai fantasiado,
logo após a amiga. Desconfiada, sabendo que ambos estavam brigados, chama um
policial e vão atrás do Pierrô. Acompanham seus passos. Chegam a tempo de pegar
Valério, mas não de salvar Irene das mãos que a sufocaram.
Em plena
folia, misturado entre passantes bêbados e risonhos, jaz o corpo de Irene, uma
eterna amante do Carnaval que, de tanto amar, acabou dando a vida.
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