INSÔNIA
Hirtis
Lazarin
Denise
acorda chorando outra vez. Sono
conturbado. O travesseiro e o edredom
jogados ao chão. Acende a luz fraca do
abajur. Olha para o relógio que marca
dez os minutos da terceira hora. Já
virou rotina acordar àquela hora. O
lugar dele na cama está vazio. Um nó
aperta-lhe a garganta. E dói. Como dói... Uma reviravolta na vida quando
achava que tudo estava tão perfeito!
A
madrugada está fria. Ela veste o roupão
vermelho. Descalça, desce as escadas. Já na cozinha, abre metade da janela. Observa a chuva fina. Fecha os olhos e respira fundo. O “vitrô” embaça. Ouve o tilintar suave das gotas de chuva que
batem na cobertura da garagem.
Lembra-se
da guerra de travesseiros, do edredom estampado com coraçõezinhos brancos que
ele achava tão infantil...
Lembra-se
dele dormindo, olhos apertados, sobrancelhas grossas e lábios carnudos querendo
ser beijados.
Lembra-lhe
o corpo aquecido e suado. Denise respira
vagarosamente tentando encontrar seu cheiro.
Não
consegue entender o que aconteceu. Sem
desentendimentos, sem brigas...Tudo estava tão perfeito.
Uma
buzina incessante na rua, liberta-a daquele torpor tão sofrido.
Caminha
até o fogão, aquece uma caneca de leite.
Volta à mesa da sala iluminada por lustres pendentes. Fotos esparramadas, outras amassadas e muitas
rasgadas nas horas de angústia e desespero.
Lembra-se de cada momento vivido intensamente e eternizado no papel. Hoje, tão longínquos, tão frios quanto a
máquina que os registrou.
O
cheiro do leite queimado escorrendo pelas bordas da caneca acorda Denise. Larga-a vazia na pia e resmunga. Antes de apagar a luz, olha pra cadeira vazia
à sua frente.
A
saudade é tanta que sente chover dentro de si e a chuva transborda pelos
olhos. A saudade é tanta que a revira
por dentro e tira tudo do lugar. Não há cheiro, nem olhares afetuosos, nem
voz. Um vazio só.
Sente
náuseas. Limpa a boca e o molhado do
rosto na manga do roupão.
Os
pés descalços sentem o gelado do piso de cerâmica. Tão gelado quanto aquele espaço feito a dois
para dois. Denise volta à cama, beija a foto dele na tela do celular, reza
baixinho mesmo sem ter fé. Fecha os
olhos e, como já era esperado, não dorme.
O
dia já amanhece. A moça toma alguns
medicamentos e apaga.
O
sol se põe. Sonâmbula, deixa a
cama. Veste a camisola branca, a mesma
usada na última noite que passaram juntos.
Vai até a praia. A lua é cheia e lumeia seu caminhar solitário. As ondas mansas chegam frias aos seus pés. O corpo teso segue em frente como uma esfinge
morena tendo as estrelas por testemunhas.
Seus
pensamentos estão do outro lado do oceano.
Venâncio voou pra lá com a intenção de não mais voltar. Não lhe deu chance, mesmo sabendo que levaria
junto o coração de Denise.
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