AS ARANHAS
Claudionor Dias da Costa
Aquele final de semana
prolongado com o feriado de segunda feira não poderia ter sido mais marcante
nas nossas vidas, e ficou nos comentários da família por bons anos.
Tudo começou com o carro
velho do tio João, que provavelmente não tenha nunca transportado tanta gente e
bagagem, talvez por isso andava tão devagar. Ele havia se preocupado em
organizar a viagem, com cuidados extras limpando e polindo aquela Kombi de um
verde enigmático que eu não me aventuro a definir ou classificar cor tão
estranha.
Lá fomos nós, eu, meu irmão,
papai, mamãe, tio João e sua tropa. Nove aventureiros a caminho do interior de
São Paulo, no sítio dele, dispostos a aproveitar momentos gostosos junto à
natureza naquele recanto pela primeira vez. Ele havia comprado a propriedade há
pouco e seria a nossa estreia.
Após umas três horas de estrada,
passamos pela pequena cidade e uns cinco quilômetros por terra depois,
estávamos abrindo a velha porteira. Paramos em frente à casa, feita em madeira,
tendo somente uma base de apoio em pedra para sustentação. Era um sobrado alto,
com a parte superior parecendo um sótão em toda a extensão com um teto baixo,
com uma pequena janela e sem separação nenhuma em cima. Era um salão grande,
com o caimento do telhado nas laterais.
Mal descarregamos as malas
partimos ansiosos para conhecer tudo
aquilo.
Eu tinha quatorze anos,
meu irmão doze e nossos primos estavam próximos desta idade.
Eram três alqueires de terra,
para nós, parecia imenso. Corremos pelo gramado, fomos ao cercado ao fundo onde
os três cavalos nos olhavam curiosos, fomos conhecer a fonte de água que
brotava entre pedras e com as samambaias pendentes que tornavam o cenário
misterioso. Não acreditávamos que aquela água límpida viesse daquele buraco.
Não demorou muito mamãe nos
chamou, pois estávamos com fome e o almoço improvisado e preparado rápido não
poderia esfriar. Foi um espaguete saboroso temperado pelas histórias do sítio
que tio João passou a narrar. Falou como foi a compra, o entusiasmo que ficou e
por aí foi. Já havíamos nos regalado com a sobremesa de queijo com goiabada,
quanto surgiu à porta o “Seo Expedito”.
Era um vizinho, morador
próximo que seria também o cuidador do sítio do tio João. Mulato simpático, com
dentes ligeiramente para a frente que aumentavam mais ainda seu sorriso amistoso.
Foi convidado a se sentar à mesa com todos, para tomar o café cheiroso da tia
Emília. Não se fez de rogado. Desandou a contar “causos”.
A conversa foi longe. Certo
momento, Seo Expedito chamou a atenção com olhos esbugalhados, pedindo:
- Pessoal, vocês devem tomar cuidado com
os escorpiões e aranhas. Tem aparecido muito por essas bandas. Mesmo essa casa,
antes do Seo João comprar aparecia demais...E dentro de casa. O antigo
proprietário achava até dentro das botas de manhã, antes de “ponhá” nos pés.
Mas, sítio é “anssim” mesmo. ‘”Nóis” convive com essas coisas...
Virei para meu irmão e primos. Notei neles
olhares inquietos e lábios cerrados. Eu pelo que senti, deveria
estar igual. Tia Emília cuidadosa disfarçou, mudou de assunto e nos empurrou
para fora:
- Vão brincar, mas, não se machuquem.
Contudo, quando saímos pouco brincamos
e ficamos comentando tudo que o Seo Expedito falou. E assim a tarde foi embora
com aranhas que tomavam todos os nossos pensamentos.
À noite, após o jantar, entre lavar louça,
arrumações e acertos nas camas o pessoal passou a prestar atenção na tia que falou:
- Os casais ficam nos quartos, os três
menores nos sofás da sala e determinou que eu e o primo Pedrinho por sermos
maiores dormiríamos no sótão. Pedrinho
resmungou mencionando as aranhas e fuzilado pelo olhar carrancudo da tia
resolveu ir. Eu não abri a boca. Fiquei paralisado, pensando como seria lá em
cima. Teria aranhas?
Pedrinho olhou para mim, me empurrou
para ir na frente. Subimos a escada de madeira que rangia a cada pisada.
O salão
era imenso, com luz fraca amarelada e duas camas tendo a janela no meio, bem na
cumeeira do telhado.
Nos deitamos e ficamos olhando o teto
com as ripas irregulares e vãos entre elas. Virei para Pedrinho e levantei a
dúvida de se neles não poderiam ter aranhas. E pela extensão do salão, poderiam
ser muitas.
Meu primo respirava forte, denotando
o que sentia, não respondeu nada e cobriu a cabeça com as cobertas. Eu fiquei
preocupado e com estranha sensação, que aumentou quando escutei tio João
dizendo “Boa noite”no sopé da escada e apagando a luz.
Só restava a luz da lua que entrava
pela janela dando um ar sombreado pelo salão.
Virei
para os lados várias vezes, mas, conclui que era melhor ficar de frente, mesmo
que tentando fechar os olhos e não ficar atento ao teto e suas imperfeições.
E
assim a noite foi passando...
Num
momento esquisito entre a chegada do sono e a tentativa de manter-me acordado,
senti um contato no meu pescoço raspando de leve. Logo me veio à mente uma
aranha horrorosa pronta para me atacar caminhando sobre a minha pele. Dei um
berro: ARANHA !!! Desesperado saltei da cama. Pedrinho acordou apavorado
-
O que foi? O que foi?
-Uma
aranha está na minha cama! Gritei.
Tio
João subiu correndo com farolete à mão e procurou nos acalmar enquanto eu
explicava a horrível sensação da aranha no meu pescoço.
Começou
a inspecionar tudo em detalhes para achar a tal da aranha que nos apavorou,
enquanto a tia Emilia prestativa já estava com copos de água com açúcar para
nós.
Enquanto
respirávamos fundo, tio João muito sagaz, segurando a manta que me cobria, sorrindo disse:
- Vejam aqui, a terrível aranha que você
sentiu nada mais era do que estes fiapos da própria manta roçando no seu
pescoço.
Tia Emília desatou a rir. Eu e Pedrinho
fizemos cara de sonsos balançando a cabeça para o tio João querendo aceitar a
explicação. Depois desse susto, aceitamos a acomodação no andar debaixo,
apertados e ainda duvidando se não seria mesmo a aranha.
Os outros dias do final de semana já foram
mais calmos.
Ficou
a história da terrível aranha na família e as brincadeiras que aguentamos até
hoje.
Às
vezes, intrigado, me vem o pensamento de
se realmente os fiapos da manta foram os culpados.
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