VERDADE OU DELÍRIO?
Cida
Micossi
Lá
no alto da serra, onde o ar é fresco e a terra foi fértil, ali, tudo se
plantava e tudo se colhia. Eram tempos de crescimento do país, tempos do ouro
verde. Hoje, infelizmente, a cana de açúcar tomou conta. O solo, explorado ao
extremo, quase nada produz. Resultado do progresso, que utiliza o combustível
tão caro nos dias de hoje e que proporciona lucros exorbitantes aos
investidores.
A
cada vez que visito aquela cidade, sou impelida a ir até a estrada de terra, a
estrada velha, como dizem. Circundadas por essa estrada de chão batido, rochas
enormes: o extremo da Serra de Borborema. No alto, uma fazenda em pleno
progresso, à época. Abaixo, a mata virgem abraça ainda hoje o sopé da serra.
Ali
viveram os escravos, tão sofridos, tão injustiçados. Explorados ao extremo,
apenas com direito a alimentação e moradia rústica. Quantos acontecimentos esta
terra presenciou: com os olhos, com os ouvidos ou com o coração, este o que
mais sofria. Escravos eram castigados, torturados e seus gritos ecoavam na
imensidão...
Abolida
a escravidão, vieram os imigrantes, seus descendentes e outras gerações. Ali
viveram experiências diversas, algumas reais, outras talvez imaginadas. Em
noites de lua cheia, quando o luar clareava a mata toda, uma dessas imigrantes,
mocinha toda cheia de bondade e amor, ouvia gemidos, gritos de horror, o
estalar do chicote e o barulho das correntes. Quanta judiação! Quanto
sofrimento!
Hoje,
quem passa ao redor da montanha, alçando o olhar bem acurado, consegue
identificar, entre as ranhuras das rochas, os rostos tatuados pelos gritos de
alguns desses seres escravizados, mostrando que o tempo pode passar, mas as
marcas ali ficarão para sempre, testemunhas dos horrores a que foram submetidos.
A
mocinha de outrora ouvia, e a sonhadora de hoje vê entre as pedras. Será
verdade? Será ilusão?
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