A
Vidente
Helio Salema
Dona Ceulimar, cartomante
famosa por seus atendimentos quase
diários, muito mais de pessoas de outras cidades e estados, do que de moradores
da sua cidade. Nos seus sessenta e alguns anos, se dizia viúva de um coronel. Morava só, no pequeno bairro, Encontro das
Ilusões. Numa modesta, mas confortável casa, cercada de algumas mansões. Tendo
durante o dia a companhia da dona Clara, responsável pelos cuidados com a casa,
compras e produzir as refeições. Enquanto a patroa ficava na sala de
atendimentos quase o dia todo. Nunca respondia
às perguntas indiscretas sobre sua patroa, feitas pelas fofoqueiras de carteirinha.
Algumas pessoas diziam que embora tivesse uma vida
modesta, a vidente, como era conhecida, possuía conta bancária entre as mais altas
da cidade. Certamente engordadas pelos visitantes que chegavam em carros luxuosos.
Minha vizinha dizia que as cartas, às vezes, revelavam
coisas que a própria cliente não gostaria que fossem ditas. Também que era
muito difícil conseguir marcar uma consulta, pois a agenda sempre estava
completa por vários meses. Tinha conhecimento de pessoas que conseguiram
resolver problemas dificílimos com ajuda de Dona Ceulimar. Ela mesma costumava
citar alguns acontecimentos ocorridos em sua família.
A clientela era bem diversificada, pessoas idosas, aposentados
e profissionais de várias áreas. Também jovens inseguros, quanto a carreira
profissional ou problemas sentimentais, eram assíduas frequentadoras daquela
casa.
Numa manhã de inverno rigoroso, quando Dona Clara chegava
para abrir o portão da casa, surpreendeu-se com um rapaz assustado, que saía apressado,
tentando esconder o rosto.
Não teve dúvidas, era Ricardo, conhecido filho de família
simples, que não estudava, nem trabalhava. Mas era bastante famoso pela sua
vida de conquistador. Nunca tinha namorado moças da sua geração, preferindo mulheres
mais velhas e separadas, geralmente de patrimônio cobiçado. Vestia-se muito bem,
frequentava lugares caros, onde era bem recebido pela sua simpatia no trato com
todos.
A empregada entrou e logo percebeu algo diferente. O
jornal na varanda, a patroa não havia levantado, pois sempre quando chegava,
ela já estava toda arrumada tomando seu café, que ela mesma fazia questão de preparar.
Depois de quase uma hora apareceu, cumprimentou a
empregada de maneira seca, como se fosse uma estranha. Pegou o jornal e voltou
para o quarto.
Recebeu seus clientes na sala de trabalhos como de
costume, fez as refeições normalmente.
Mas com semblante preocupado durante todo o dia.
Conversou com a empregada apenas o estritamente necessário.
Na hora de ir embora, dona Clara saiu sem despedir da
patroa, pois ainda havia clientes aguardando para serem atendidos. O que
acontecia frequentemente. Desta vez com uma preocupação. Como será o dia
seguinte? E os demais?
Nada de novo. Tudo demonstrava que o dia anterior foi
apagado do calendário e também da memória. Experiência de muitos anos e sabendo
muito bem, que “Nada melhor do que um dia depois do outro”.
Assim, os dias transcorrem sem novidades, na casa de
refúgio dos necessitados. Exceto na cabeça de dona Clara, que não se conteve e
trocou informações com a filha adolescente, Carolina. A menina e as amigas conheciam
Ricardo muito bem. Embora não tendo os conhecimentos de Dona Ceulimar, ambas
faziam previsões e viam nuvens negras sobre a casa da vidente.
Porém a tempestade caiu no principal clube da cidade,
onde Ricardo conversava, animadamente, com uma senhora recém-chegada. Quando
Luciana chegou e logo que viu, percebeu onde seu namorado pretendia chegar.
Aproximou, deu lhe um longo beijo na boca e olhando para a senhora,
ironicamente disse:
— Seja bem-vinda, minha senhora.
A elegante e educada senhora levantou-se e saiu,
silenciosamente.
Ricardo e Luciana iniciaram uma grande discussão que
chamou a atenção dos presentes. Acusações de todos os tipos, principalmente, de
traições.
— Você é mulherengo e safado. Traidor sem escrúpulos.
— Então por que você não fala da sua traição? No mês
passado quando foi fazer o curso no hotel fazenda! Com um cara que você
conheceu no mesmo dia, só depois descobriu que era casado?
— Mentiroso?
— É verdade. Mesmo assim foi procurá-lo.
Ela, chorando e desesperada, saí às pressas. Ricardo
continuou esbravejando em voz alta, com palavras impróprias para o local. Imediatamente,
percebendo o vexame que causara, e que certamente, não encontraria ninguém que apoiasse
sua desastrosa conduta, sai também sem olhar para os lados.
Luciana vai, diretamente à casa da vidente. Aos gritos e
sem se importar com as pessoas presentes. Ceulimar aparece assustada e fica ainda mais,
quando é chamada de charlatona. Luciana aos berros:
— Você contou para o Ricardo, o que eu lhe disse na
consulta. Bem que me disseram que vocês são amantes. Que você conta para ele o
que as pessoas dizem para você.
Dona Ceulimar começa a passar mal, é socorrida e em
seguida levada para o hospital.
A casa fica vazia, de gente, de fé e de esperança. Dona
Clara depois de se acalmar resolve fechar a casa, sentar no sofá da sala e
aguardar por notícias. Lembrando do dia em que viu Ricardo saindo apressado e
de tudo que sua filha lhe contou sobre ele.
Horas depois estacionou um carro em frente. Abre a porta
e vê Dona Ceulimar e Ricardo entrando pelo portão. Ao entrar na casa a patroa
diz:
— Estou bem. Já é tarde, pode ir, muito obrigado por ter
ficado aqui até esta hora.
A empregada pega suas coisas, se despede dos dois, e sai
preocupada e pensativa.
No dia seguinte ao entrar se espanta com o que vê. Tudo
revirado. Casa vazia. Sobre a mesa uma carta.
“Bom dia minha amiga. Estou me mudando. Como você, há
muitos anos, vem cuidando de mim e da minha casa, deixo para você,
merecidamente, tudo que aqui está. O aluguel está pago até o fim do mês. Você
tem todo esse tempo para esvaziar a casa. Tenha um bom proveito. Que Deus te
proteja. Abraços “
Com as pernas bambas se deixa cair no sofá. Lê e relê
várias vezes para ter certeza de que tudo aquilo era verdade. Percebeu que
tinha cerca de vinte dias para resolver o problema. Verificou a casa toda para
ver se estava tudo em ordem. Trancou e foi para casa dar a novidade para a
filha.
Com ajuda de parentes e amigos conseguiu levar o que lhe interessava.
O restante foi vendido por bom um dinheiro.
Vários anos se passaram até que um dia sua filha foi
passar o fim-de-semana numa pequena cidade do interior, para conhecer a família
do noivo. Depois de algumas horas na casa, Carolina aceitando o convite da
futura cunhada, saiu para conhecer a pequena, bonita e pacata cidade. A praça
muito bem cuidada, jardins floridos e muito limpa, logo a surpreendeu. Porém
algo lhe prendeu toda a atenção. Sentado num dos bancos um homem, pacientemente,
dava a uma senhora numa cadeira de rodas, algo para ela comer. Cada colherada,
parecia que ela engolia com dificuldades.
Carolina disse que estava admirada de ver aquele filho
cuidando tão bem da mãe. Subitamente, outra surpresa. Ouviu a outra explicar
que não era filho. Eles chegaram há pouco tempo. Logo ficamos sabendo que ela
não era mãe do Ricardo.
Carolina se assustou. Ao se aproximar, disfarçadamente,
reconheceu e não teve dúvidas.
Ali estavam em plena harmonia, pessoas que um dia se
prejudicaram.
Oi Hélio muito boa a sua história e sua evolução . Interessantes as tramas que prendem nossa leitura. Parabens
ResponderExcluirO comentário foi meu Henrique
ResponderExcluirOi, Salema. A Vidente tem uma ótima trama, envolvendo vários personagens, cada qual desempenhando um papel importante para o desenvolvimento da história. Gostei, Parabéns.
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