INEVITÁVEL
Hirtis
Lazarin
A
luz na sala grande e bem mobiliada era pouca. Apenas alguns raios de sol forte se
infiltraram num espaço oferecido pelas cortinas mal fechadas.
Ao
lado da mesa de jantar e diante de tapeçarias penduradas na parede, uma
poltrona solo de veludo cor de vinho. Ali sentada, uma mulher até bonita de se
olhar. Muitos fios brancos misturados no
emaranhado crespo dos cabelos castanho-escuros.
Os
olhos já foram brilhantes e sagazes.
Hoje, um cinza desbotado carrega-lhe o olhar pensativo e perdido.
O
vestido de mangas compridas num azul opaco não tem qualquer ornamento. Apenas um cinto com folhas miúdas lavradas em
prata. Nenhuma joia vistosa; só um
brinco de pérolas, as mais pequenas que já vi.
Um
silêncio que fere a alma é quebrado pelo tique taque monótono do carrilhão de
família. O balançar repetitivo da perna
esquerda revela que a mulher está inquieta e muito apreensiva. Um gato deitado aos seus pés descalços tenta
acariciá-la, mas é repelido.
A
campainha toca duas vezes e a criada aparece esbaforida secando as mãos no
uniforme branco. Olha indagativa para a
senhora que permanece imóvel. Apenas o
balançar da cabeça autoriza a abertura
da porta.
Dois
policiais federais se apresentam e a Dra. Joaquina levanta-se; ajeita a gola do vestido e calça os sapatos
pretos de salto baixo; Confere as horas
e caminha pausadamente em direção aos dois homens. Não mostra o turbilhão de sentimentos que a
corroem.
Sem
uma única palavra e sem olhar para trás, acomoda-se no banco traseiro da
viatura onde a aguardava outro policial.
O mais forte deles deu partida e tão logo o carro deslanchou, ligou a
sirene. Não era necessário anunciar o
espetáculo, mas...
A criada ficou parada à porta sem nada
entender. Agachou-se e apanhou o jornal
do dia que não fora ainda recolhido. Sentiu
o papel quente queimar suas mãos.
Na
primeira página, as letras da manchete eram tão GRANDES que chamaram-lhe a
atenção: “JUÍZA É JULGADA E CONDENADA
POR VENDA DE SENTENÇAS”.
Nunca
antes lera um jornal e não entendeu o recado.
Deu de ombros e fechou a porta.
Tinha
muito serviço pela frente.
Oi Hirtis sua história tem a sua marca . É um prazer ler e ver a sua arte de escrever
ResponderExcluirHirtis além de concordar com os comentários, da Ana, fiquei impressionado com o desenrolar da história. Parabéns
ResponderExcluirHelio
Oi, Hirtis. Eu vi assim: Descrição primorosa retratando detalhadamente o ambiente e a personagem principal, esta no aspecto e nos sentimentos; depois, rápida evolução do conto, revelando quase ao mesmo tempo o conflito, o clímax e o desfecho, de forma muito "saborosa". E um final que "virou a página", mostrando que a vida iria continuar sem dar importância para o drama da Juíza. Parabéns.
ResponderExcluir