Viagem
ao passado
Helio Salema
Recebi pelo celular a notícia de que a cidade dos meus
avós, e de meus pais, iria ressurgir com
o esvaziamento da lagoa. Era minha prima me convidando para irmos assistir.
Embora eu não tenha vivido naquela cidade, me emocionei
ao lembrar das histórias contadas pelos meus pais e alguns tios, todos já
falecidos. Não imaginava ver a casa, a loja nem o colégio. Mesmo assim fiquei empolgado.
Fiz uma lista do que precisava levar. Liguei para um
amigo que gostava de fotografar para lhe pedir sugestões. Expus com detalhes o
motivo, ele prontamente me ofereceu uma câmera muito boa que não usava há muito
tempo. Separei roupas, dinheiro para as despesas pois minha prima já havia reservado
hotel numa cidade próxima. Meu irmão disse que até gostaria, mas estava ocupadíssimo
na empresa e não poderia se ausentar. Pediu para tirar muitas fotos e enviar
para ele.
Viajamos no carro da prima Laura. Ela explicou que sua
mãe, tia Clara, devido à idade bastante avançada e muito doente, não foi
informada. Duas irmãs de Laura tomariam conta da mãe, enquanto estivesse
ausente. Durante a viagem conversamos muito. Como não tínhamos contatos
frequentes, foi muito bom ouvir os planos dela para depois de formada em
arquitetura. Fiquei sabendo que já trabalhava com arquitetos amigos. Falei do
meu trabalho no escritório de contabilidade. Também de minha intenção de fazer Direito,
depois de concluir o de Ciências Contábeis.
No hotel fomos muito bem recebidos, era administrado por uma
família, que nos receberam como se fôssemos parentes. Depois de descansar,
desci para o jantar. Uma comida simples mas muito boa. Ficamos por um bom tempo
conversando. Laura disse estar ansiosa, pois nunca tinha visto de perto as ruínas
de uma cidade inteira. Eu também estava ansioso pela oportunidade de uma
experiência nova. Já com a hora avançada fomos dormir.
No dia seguinte acordei cedo, como de costume. Desci, fiquei conversando com outros hóspedes
aguardando Laura. Assim que desceu, juntou-se ao grupo. Tomamos café todos
juntos. Pessoas agradáveis e divertidas. Foi uma boa conversa.
Saímos logo após o café, em poucos minutos chegamos ao
local. A lagoa já estava vazia. Caminhamos juntos em silêncio naquilo que
parecia ter sido uma rua.
Por todo lado o que se via eram pedras espalhadas pelo
chão, eu não percebi o menor sinal de que algum dia ali existiu uma cidade.
Eu não reconhecia nada daquilo que descreveram nas
histórias, mas senti uma tristeza enorme
por lembrar que ali nasceram e viveram pessoas importantes na minha vida. Tiveram que
abandonar tudo sabendo que nunca mais poderiam rever, mesmo estando vivas.
Minha prima Laura examinava longamente os vestígios de possíveis
prédios. Como eu não havia usado a câmera ainda, ela perguntou se eu não iria tirar fotos.
Respondi que não sentia vontade. Entreguei a ela que imediatamente começou a
fotografar tudo que via.
Eu continuava a pensar nas pessoas. Por mais interessante
que fosse a paisagem nos morros ao redor, nada me alegrava. Por que destruir
uma cidade, tirar o povo dali contra vontade?
Será que realmente não havia outra alternativa?
Fiz esta pergunta à prima.
- Provavelmente sim,
sempre há várias opções, mas não sabemos o real motivo da escolha.
Sentamos em um bloco de pedras e ficamos por muito tempo
em silêncio olhando algumas poucas
pessoas que caminhavam pelos escombros.
Falei que estava com fome, ela disse que estava quase na hora do almoço. Caminhamos
em silêncio até o carro.
O restaurante do hotel estava vazio. Almoçamos em
silêncio.
Fui para o quarto descansar. Dormi o suficiente para
recuperar as energias. Acordei com Laura me chamando para irmos embora e
chegarmos em casa antes de anoitecer.
Na volta para casa conversamos sobre a oportunidade que
tivemos de uma nova experiência. Tudo muito diferente e estranho. Certamente,
vamos levar muito tempo meditando sobre tudo que vimos e sentimos. Ela prometeu
imprimir as fotos, encaminhá-las para o seu tio.
Ao chegar em casa senti como se estivesse, nas últimas
horas, vivido em dois mundos.
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