A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

AINDA HÁ TEMPO PARA AMAR - CONTO COLETIVO 2011

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

BIBLIOTECA - LIVROS EM PDF

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

 



O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA

Pedro Henrique

 

     Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afeto e passado. Tantos elementos e, ainda assim, os mais torturantes insistem em emergir.

     Reflito, talvez seja um fato inerente a esse ecossistema. Assim como existe a verdade, também há a mentira. É inevitável.

     Começamos pensando no vento. Exatamente, o vento; esse elemento que, aos olhos de muitos, é tão banal. A princípio, ele é brando e gentil. Refresca com sutileza a alma daqueles que, pelo sol escaldante do cotidiano, são castigados. 

     Depois, ele aumenta seu impacto, fecundando-se mais forte até chegar em seu estágio de maior prestígio.

     O vento, então, anseia todo o espaço, e penetra cada milímetro que pode até adentrar uma rua um tanto deserta, com uma vegetação calorosa que lhe permite saltos espontâneos e vibrantes.

     Nessa mesma rua, lá… longe, vê-se uma casa: pequena, simples, e sem uma gota minúscula sequer de paz.

     Curioso, o vento se aproxima sorrateiro, chega de fininho, bem na ponta dos pés, atraído pela janela.

     Ele observa calmo e sereno a movimentação. Depois de alguns segundos, o pânico cessa.

     Primeiro, há medo, logo em seguida, subjugação, depois lágrimas. O vento, portanto, decide entrar e fazer daquele ambiente seu mais novo lar. Nunca, até então, havia encontrado uma residência assim: nebulosa.

     Descobriu a origem da lágrima. Seu nome era Vicentina, a menina nascida marcada.

     O vento tinha pena dela, como eu tenho. Coitada, soubera desde muito nova como carregar seu manto de horror e aceitou que era assim mesmo.

     Quando bebê, nascera bela e edênica. Era daqueles cujos indivíduos se entusiasmavam de olhar, com isso, não bastando aos olhos, queriam pegar, apertar, beijar e fazer caretas e vozes pueris.

     Cresceu, como toda criança, com devaneios intocáveis e indeléveis.

     Ela tinha a Via Láctea em suas ínfimas mãos. Queria ser tudo e mais um pouco se assim pudesse ser.

     Também era inteligentíssima. O vento muito gostou disso. No entanto, a lágrima, a bendita lágrima, o perseguia.

     “O porquê daquela garota pulcra, que tinha o QI de poucos, chorar tanto?”

     “Quais segredos, se perguntava o vento, residem debaixo daquele teto?” “Como é possível?” “Eu escutei aquele choro, sei que ele vem das entranhas, da alma, daquele lugar escondido e inabitável que há em cada um de nós.” “O que será que aconteceu?”.

     E querendo saber mais, o vento seguiu. Porque a vida exige de nós o prosseguimento independente “de”.

     Com o tempo, vislumbrou nossa querida Vicentina florescendo para o mundo.

     A menina ganhou forma rápido e os gaviões, famintos por carne, não demoraram a atacar.

     O vento afirmava que ela, minha bela e doce lírio-do-vale, era muito simplória. Isso porque, caiu na cova do masculino, como mosca que se agarra à teia e dela jamais consegue se soltar. Enfim.

     Cabe ao gentil leitor saber, no entanto, que ele lhe prometera beijos, casa, vestido de noiva, viagens… Tudo aquilo que uma garota mais pode desejar no mundo.

     Entretanto, no final das contas, o que realmente lhe dera foi um lindo presente que carecia de duzentos e setenta dias para vir ao mundo.

     Portanto, o vento soube, soube, pois ouviu “vagabunda”, “Eu sabia que você só ia me trazer desgosto”, “Eu não vou criar”, “Ah, é? Foi mulher pra fazer, agora vai ser mulher pra cuidar”, “Não me chame mais de mãe, eu morri pra você”, “Puta”.

     E assim a lembrança de outrora voltou calma e segura, anunciando que aquela lágrima tinha por nome “família”.

     O vento pode chamar de inocência, eu, porém, digo ser afronta.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.

Cleuza entre o topo e o fundo. - Alberto Landi

    Cleuza entre o topo e o fundo. Alberto Landi   Diziam na cidadezinha onde vivia que Cleuza nasceu para brilhar, mas a verdade é qu...