DESPEDIDA
HIRTIS LAZARIN
Eram apenas nove horas da noite e
Marcos já dormia um sono profundo. Cobri
seu corpo nu, afaguei seus cabelos negros e
fartos que cobriam-lhe os olhos.
Quando o conheci, eu tinha concluído
meu curso de jornalismo. Pretendia
viajar o mundo, mochila nas costas, queria chegar até os monges tibetanos,
antes de entrar no mercado de trabalho.
Ele já tinha 32 anos e eu apenas
22. Era forte, másculo, experiente e
seguro. Sabia muito bem o que
queria. Carregava-me no colo e eu me
sentia a criança mais protegida do universo.
Foi uma paixão alucinante, invadiu-me
através de todos os meus poros, entrou-me na corrente sanguínea e fixou morada
no meu coração. Contrariava todos os
meus planos.
Hoje, dois anos após nosso casamento,
um vazio começou a me incomodar. Não se
preenchia com o amor de Marcos, com a casa dos meus sonhos, nem com a segurança
financeira que ele me proporcionava.
A minha razão vinha brigando com meu
coração. Uma luta que começou desigual,
teve reviravolta. O coração se rendeu,
jogou a toalha no ringue. Nossos
objetivos de vida tomavam rumos diferentes.
Ele sonhando com filhos e eu sonhando em viver livre como o vento,
dançar, saborear a vida, banho de sol e de lua, conhecer o certo e o errado,
juntos e misturados. Carregar o meu
violão, rimar meus versos, cantar com emoção.
Sair sem ter hora pra voltar, dormir no chão, pisar na grama sem reclamar.
Beijei-o com delicadeza e muito
carinho. Guardei todos os porta-retratos
espalhados pela casa. Acariciei nosso
vira-lata que me olhava com tristeza.
Sem bater a porta, saí. A ponta
da minha blusa serviu- me de lenço.
Entrei no carro e parti, levando
apenas uma mochila de roupas.
Despedida assim evita o choro e as
lágrimas, lágrimas trazem lamento, lamento traz dor da perda e perda traz
sofrimento.
É triste? Eu sei.
Dá vontade de chorar? Eu sei.
Mas, toda despedida exige
um recomeçar. Dentro de cada recomeçar
mora um encanto.
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