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segunda-feira, 20 de maio de 2024

PARAÍSO EXISTE? - Dinah Ribeiro de Amorim

 



PARAÍSO EXISTE?

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Heitor cresceu um bom rapaz. Boa formação, educado, estudante aplicado, formou-se em Economia. Apaixonou-se por Patrícia, a primeira namorada, com ela se casou e teve filhos.

Empregou-se num banco famoso da cidade, nele aprendendo os mecanismos e as altas transações comerciais feitas em sociedade. O espírito da ambição e da fortuna o acometeu, esquecendo-se da natureza e simplicidade que possuía.

Associou-se à companheiros iguais a ele e, mediante empréstimos de outros bancos, conseguiu fundar um banco próprio, que deu origem a inúmeros outros, espalhados pelo país, com seu nome. Acumulou imensa fortuna!

A vida social mudou conforme a nova personalidade. Trocou a antiga esposa que amava por uma mulher mais jovem, bonita e atraente, voava com jatinhos para vários países, possuía inúmeros carros, fazendas, iates, enfim, construiu um império. Tudo isso com o dinheiro que rolava entre bancos e empréstimos feitos, em confiança.

Como sempre acontece, não possuía amigos verdadeiros, mas interessados em subir às suas custas. Alguns até, no íntimo, verdadeiros inimigos, invejosos, loucos pela sua ruína.

Anos se passaram e, Heitor, apunhalado pelas costas, na gíria, entrou em falência. Sua fortuna sucumbiu. Não conseguia empréstimos, acabou a confiança do mercado. Ficou prestes a perder tudo que conseguiu obter. Devia tanto dinheiro que, mesmo vendendo todos os bens, não conseguiria pagar as dívidas.

Interessante que os homens que mais ajudou foram os que mais o traíram.

O advogado e único conselheiro particular, Dr. Horácio Pimenta, temendo pela saúde de Heitor, aconselha-o a tirar uns dias de férias, com a atual esposa, num hotel campestre, para pensar melhor na solução do problema e descansar. Quem sabe, como achou um modo de enriquecer, acharia um modo de sair da falência.

Inteligência nunca lhe faltou.

Heitor se dirige ao Resort Acalanto, lugar agradável, que transmite sossego e paz. Sente isso logo ao entrar.

Deposita seus pertences e o de Lucinda, a atual esposa, toma um banho relaxante, sente-se melhor e resolve andar um pouco, conhecer o lugar.

Lucinda fica para descansar.

Afasta-se do hotel e percorre um caminho, em direção a um monte, não muito alto, de um verde atraente, com flores coloridas e perfumadas. “Que lugar encantador”, pensa!

Para subir, depara-se com uma escadinha branca, sem corrimão, de difícil acesso. Curioso, teima em subir e visitar uma espécie de igrejinha ou templo, bem acima.

Quando está no último degrau, escorrega e cai, bate fortemente a cabeça. Desmaia.

É socorrido por um homem idoso, cabelos e barbas brancas, roupagem estranha, uma túnica grossa, parece um monge, que levanta sua cabeça e faz com que beba um líquido escuro, amargo, acordando-o logo.

Heitor tenta se levantar e titubeia um pouco, amparando-se no monge.

Agradece a ele e percebe que a cabeça sangra um pouco, o que preocupa o idoso, fazendo-o entrar no pequeno templo. Prepara-lhe um unguento de folhas que estanca o sangue. Aliviado, Heitor senta-se num banco e examina o local.

Percebe um pequeno altar com uma imagem simbólica, uma santa ou deusa, de vestimenta púrpura, mais parecendo uma indígena do que as imagens de santas que conhecia.

— Onde estou? O que é aqui? Pergunta ao idoso, ainda meio atordoado.

O senhor, coçando levemente a barba, de olhos escuros e vivos, olha-o curioso e pensativo, demora um pouco a responder.

— Aqui é a morada de uma protetora dos antigos indígenas que habitavam esse lugar, ainda cultuada e adorada por descendentes, que a visitam de tempos em tempos. Eu sou o guardião. Conheci sua história, apaixonei-me por ela e, angustiado com o mundo, resolvi mudar para cá.

Heitor, admirado e interessado, pergunta o nome dela. Quem sabe já ouviu alguma coisa.

— Ficou sendo a santa ou deusa Aruama, protegida das pessoas aflitas ou desenganadas pelo mundo. Dizem que quando se agrada de alguém que a invoca, faz brotar uma linda flor púrpura no caminho, sinal de que o pedido será atendido.

E o senhor continua...

— Perdi toda a minha família numa epidemia que teve, fui demitido do trabalho de muitos anos, era biólogo, um estudioso da natureza, principalmente das plantas. Descobri como curar vários tipos de doença. Roubaram meu trabalho. Amigos, muito poucos. Parentes, quase nenhum. Cansei-me da cidade grande, do barulho, da confusão diabólica que tem. Quando conheci esse lugar, encantei-me e resolvi ficar. Bastou a mudança de pensamento e recebi a flor púrpura no caminho. Aqui estou há quinze anos. Chamam-me, carinhosamente, de Pai Ari.

Heitor, sentindo-se solidário ao Pai Ari, identificando o seu problema pessoal com o dele, começa a se interessar pela história.

— E por que Aruama foi santificada? O que lhe aconteceu? Pergunta Heitor.

Pai Ari, coçando novamente a barba, responde:

— Ah! Isso é uma história delicada, difícil de acreditar. Falam que era uma indígena jovem, muito bonita, filha de um cacique, chefe de tribo. Apaixonou-se por um plantador branco, filho de camponeses do lugar. Família de europeus. Não se davam com índios. O rapaz também gostou dela. Mas não deu certo. Era prometida a um filho de outro cacique e, como não quis se casar, resolveram os dois amantes fugir para bem longe de tudo e todos. Como vingança, as tribos se uniram e mataram todos que encontravam pelo caminho. Brancos, índios, jovens, velhos, principalmente mulheres. Isso, até encontrarem os dois enamorados, que foram escalpelados e jogados no rio das Piranhas. Exaustos e satisfeitos, voltaram para suas tribos, mas tiveram que fugir, pois, enorme enchente que se deu no rio, alagando e afogando quase todos. Só alguns índios puderam voltar, quando a cheia do rio baixou, brotando em suas margens lindas flores de cor púrpura. Ah! Acharam também no seu leito a linda imagem da jovem sacrificada, que é essa que está aí, nesse altar. Verdade ou lenda, depende da fé de cada um. Faz parte do folclore indígena.

Heitor, distraído, acredita que aquele lugar é encantado mesmo, mas consulta o relógio e vê que é tarde, precisa voltar ao hotel. Sua mulher deve estar aflita.

Despede-se do Pai Ari, que não quer o deixar ir, mas vai descendo as escadas devagar, temendo nova queda e ainda meio tonto.

Chega rápido ao resort e tem uma surpresa! Não está naquele lugar. Seu nome nunca esteve na agenda! Pede a chave do quarto para verificar suas coisas e, outra surpresa! Nada seu se encontra ali.

Pergunta pela esposa e ninguém a conhece. Meio desesperado, procura o celular e liga ao Dr. Horácio, o advogado amigo.

Horácio atende o telefone e pergunta se ele está bem? Nunca indicou nenhum hotel a ele e, Lucinda, acaba de ligar de casa, perguntando por ele.

Heitor, na dúvida momentânea que o acomete, pensa que enlouqueceu.

Senta-se no hall de entrada e medita: “Será que errei de hotel? Tive uma pancada na cabeça. Mas lembro-me daqui. Até o gerente é o mesmo. Que confusão está havendo, meu Deus? ”

Nessa hora, Heitor lembra-se de Deus, o que nunca fez antes.

Vem à mente a traição! Até do amigo advogado e sua esposa. Querem confundi-lo. Talvez o internar como louco! Um modo de assumir seu lugar e ficar chefiando tudo.

Mais calmo, acostumado com essas reviravoltas que acontecem na vida e nos negócios, experiências, que talvez também tenha aprontado, resolve telefonar a Lucinda.

— Estou aqui em frente ao Resort Acalanto, onde combinamos, que horas você chega?

— Nossa, querido, responde ela. Não me lembro de ter combinado nada. Estou até preocupada com você. Que horas volta? Deve estar muito estressado, mesmo. Acabei de chegar da casa de uma amiga. Estávamos jogando.

Heitor fecha o celular e joga-o longe. O gerente, na recepção, pergunta-lhe se precisa de um médico?

Ele agradece e sai meio cambaleante, pensando no que fazer. A cabeça funciona, e bem. O primeiro pensamento que lhe ocorre é dirigir-se ao Pai Ari, antes que escureça.

Deixa o carro no estacionamento em que estava, isso não mudaram, e retorna ao templo de Aruama, à procura do Pai Ari. Nunca pensou que o passeio para relaxar fosse terminar assim. “Que situação difícil! ” Pensa.

Pai Ari o recebe sem espanto, como se já esperasse o retorno. Ao vê-lo tão angustiado, faz com que o acompanhe até o altar de Aruama, se ajoelha e recita uma prece, em voz baixa. Em seguida, leva-o até seu alojamento, um pequeno quarto nos fundos, e convida-o a deitar-se e tentar dormir um pouco.

Heitor quer desabafar logo tudo o que sente, mas Pai Ari recomenda-lhe silêncio, não está ainda em condições e obriga-o a tomar um chá calmante.

Heitor, cansado e sem ação, adormece logo e relaxa, relaxa e sonha...

Encontra-se sozinho, num terreno escuro, rodeado de sombras ou vultos que o impedem de caminhar. Assustado, procura com o olhar uma saída, uma claridade para fugir. Após um tempo tenebroso, avista ao longe um raio de luz, parece o nascer do Sol após a negritude de uma triste noite. Em desespero, vai em sua direção. Encontra-se agora num lugar tranquilo, de céu azul, com algumas nuvens brancas. Pessoas caminham, suavemente, enquanto outras, sentadas, conversam e sorriem. Para Heitor, saiu do inferno e alcançou o Paraiso. Sentiu um bem-estar e uma felicidade que nunca teve antes. Não queria acordar mais desse sonho!

Delicadamente, Pai Ari o chama, amanhece.

Heitor, ainda sonolento e, mais calmo, lembra-se do acontecimento anterior e, após ligeiro e simples café, sentam-se num banco e inicia a sua história. Conta os problemas que acontecem na profissão, na atual situação financeira e, as tristes surpresas do dia anterior. Confuso, inseguro, sem ação, está perdido no dilema da vida.  Não sabe o que fazer...

Pai Ari, ao escutá-lo, não se impressiona, acostumado a ouvir histórias semelhantes, há anos.

Sua primeira pergunta é como era a vida, no início da profissão, o que mais gostava?

Heitor não se lembra, só recorda que era um homem simples, comum, um economista de um banco, sem grandes aspirações. Não tinha também muitos problemas. Uma boa esposa, três filhos normais, que agora via ocasionalmente, não acompanhou muito o crescimento deles.

— Era mais feliz, nessa época? Como enriqueceu tanto, de repente? Pergunta o guardião.

Heitor pensa um pouco para responder e acha que foram oportunidades que viu e teve, lidando com dinheiro e negócios. A vontade de adquirir mais coisas, melhorar socialmente, de posição e vida. Reconhece que se tornou ambicioso e a vaidade o atraiu.

— E agora, meu amigo, o que pretende fazer? Desistir de tudo, vontade de voltar ao passado ou enfrentar o presente e lutar contra todos, arriscando-se a perder? Pergunta Pai Ari.

Heitor responde que essa é uma pergunta que não sabe responder, no momento. Talvez encontre uma saída, uma maneira de vencê-los. Pede-lhe para ficar por ali, uns dias, já que não sente vontade de voltar, por enquanto. Começa a sentir paz e calma, naquele lugar. Não sabe explicar como, após tantas confusões.

Pai Ari fica contente com isso, concorda que deve descansar. Necessita de auxílio numa horta e de alguém para conversar com ele.

Heitor pensa em ficar nesse lugar simples, sem o conforto que tem, uns três dias, mas acaba sendo uma semana ou mais. Ajuda o Pai Ari na plantação, acompanha-o no seu trabalho, plantar sementes, afofar a terra, recolher verduras. Isso o lembra de uma fazenda que possui e deixou o filho mais velho para cuidar, uma plantação de café. Nem sabe a quantas anda! Ele dorme bem, acorda satisfeito, mais desligado dos seus problemas de falência, sem grande preocupação com o futuro.

Pai Ari nota nele, aos poucos, uma transformação. Sumiu aquele homem transtornado e revoltado, volta a tranquilidade e o gosto pelo simples da vida, comer, dormir, lidar com a terra, fazer o próprio pão, retirar a água de uma cisterna, cuidar dos próprios alimentos, desligar-se das notícias e falsidades do mundo.

Pergunta-lhe do que mais sente saudade? “Lembro-me, às vezes, da minha vida anterior, minha primeira esposa, o nascimento dos meus filhos, os amigos que tinha”, Heitor responde.

E continua...

“Acho que chegou a hora de voltar, amigo. Dar um basta na vida atual, tentar saldar a minha grande dívida, ver se consigo conservar uma fazenda, voltar à minha cidade, quem sabe, ao Banco em que comecei, o diploma ainda conservo”.

Pai Ari sorri, satisfeito e pensa: “Aruama ainda age no mundo. É força do Bem! ”

Heitor despede-se do novo amigo, promete voltar para contar boas novidades e vai em busca do carro. Ao descer a escada, olha para cima e, além do Pai Ari, avista uma flor púrpura que desabrocha ao lado do último degrau. Emociona-se, sente uma lágrima que escorre, para sua surpresa.

O tempo passa, Heitor enfrenta grandes batalhas judiciais, coisas ruins o espera. Consegue vender seus bens, se desfazer de várias empresas e cargos, com tranquilidade e paz. Possui o auxílio de um médico, antigo amigo, para livrá-lo de acusações de loucura. Salva a fazenda de café, que doa aos filhos e, quando tudo se acalma, procura saber como está a antiga esposa. Encontra-a na cidadezinha em que a conheceu, mais velha e acometida de um câncer maligno, auxiliada por uma cuidadora. Os filhos, visitam-na ocasionalmente.

Compadecido, estabelece-se na cidade e procura ajudá-la, quer compensar o abandono que teve e o rompimento. Patrícia, o antigo amor, não acredita que ele está voltando para vê-la e ainda a ajudar. Fica mais feliz, apoiada pelo ex-marido. 

Um novo Heitor reaparece, após dois anos, para visitar Pai Ari, que o recebe carinhosamente, coçando a barba comprida e sorrindo feliz.

— E aí, amigo? Novidades boas? Demorou a voltar. Saudades nossas? Exclama.

— Sim, Pai Ari, não os esqueci e volto para agradecer o bem que fizeram à minha vida.

“É, Aruama, com sua história triste, ainda tem força para transformar vidas e distribuir flores! Deve estar em algum Paraíso mesmo! ” Reafirma seu guardião. “Virou um anjo a serviço de Deus! ”

 

 

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