O VELEIRO
Hirtis Lazarin
O ancoradouro escondia-se na
neblina do amanhecer, quando o veleiro baixou as velas e zarpou às quatro horas
da manhã. Sua primeira viagem; uma semana com roteiro bem planejado.
Éramos três rapazes eufóricos e
cheios de planos, carregando na bagagem conhecimentos sobre a magia, os
segredos do mar e expectativas fantasiadas de corais, peixinhos listrados e
criaturas abissais.
Fazia dois dias que estávamos
em alto mar. A brisa noturna que embalava as velas alvíssimas, o cheiro
adocicado da água salgada, o movimento ritmado das ondas acalentando o
veleiro... Era a perfeição! A lua clareava o convés e as estrelas
eram tantas que, na disputa por espaço, poderiam até despencar lá de cima.
Nós três bebericávamos jogando
conversa fora até o sono chegar. Eu, na verdade, não pretendia dormir tão
cedo. Aquele momento da mais absoluta serenidade aquietava minha alma,
refinava meus sentimentos e purificava meu jeito de ver a vida. Do meu jeito
fiz uma oração de agradecimento.
Sem que déssemos conta, o veleiro embrulhou-se
num denso nevoeiro. Não se enxergava um passo à frente. Apenas
nossos gritos de alerta. Uma ventania furiosa virava e revirava
tudo. Objetos soltos voavam sem direção e misturavam-se num
emaranhado de destroços. Tudo ia sendo engolido por ondas gigantes.
Era uma montanha de espuma. Nós, agarrados aos mastros, éramos desafiados
e nada podíamos fazer. Uma batalha injusta e desigual.
Eu odeio ventania. Senti enjoo,
náuseas e vomitei de pavor.
Nuvens negras e emboladas
desmancharam-se em granizo; verdadeiras bolas de pingue-pongue que esburacavam
as velas como se de papel fossem.
Não sei quanto tempo
passou. Acordei zonzo com o rosto sangrando; preso a um pedaço de
madeira, eu boiava em alto mar.
Zeca, Leo onde estão
vocês? Não me abandonem... Minha vida só tem sentido junto de vocês...
Leo me respondeu. Estava preso a uma boia. De onde apareceu essa
boia? Oi Zeca, você tá me ouvindo? Por mais que eu gritasse, Zeca não deu
sinal de vida. Ele e o veleiro jazem na profundeza das águas.
Eu choro sem parar, grito mil palavrões, desabafo até me sentir exausto e sem
forças. Isso não podia acontecer...Você não merecia isso. Sempre
foi o mais entusiasmado, o mais dedicado e o mais apaixonado pelo mundo
marítimo.
Neste momento, nada me resta
senão consolar-me com versos em que o poeta dizia: "Navegar é preciso.
Viver não é preciso."
Olho pro céu e as estrelas todas
estavam lá. E a lua também. Testemunhas caladas.
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