SEGREDOS
TÊM PERNA CURTA
Hirtis Lazarin
Renata era a irmã mais nova de mamãe. Dez anos
de diferença. Foi sem querer, sem planejamento dos meus avós.
Apressadinha, nasceu antes do tempo. Uma luta
até deixar o hospital. Vingou forte e saudável.
Cresceu mimada e cheia de caprichos, como se a vida
fosse extraída de romances hollywoodianos.
Desesperou-se quando soube que o príncipe
desencantou e que no mundo há meia dúzia de castelos para turistas. E que
os homens não são heróis e nem usam capa e espada.
Sou uma adolescente observadora, curiosa e
persistente. Uma detetive improvisada.
Alguma coisa no comportamento da Renata me
incomodava.
Um quê estranho no olhar, um desconforto quando
papai e mamãe se acarinhavam. Sua risada não era autêntica.
Não era um riso aberto, escancarado. Era amargo e amarelo.
Escondia uma insatisfação constante. Suas palavras, muitas vezes, soavam
falsas.
Não queria saber de namorado e todos os rapazes
eram cheios de defeitos.
Muito estranho. Uma jovem de dezoito anos, com
todos os hormônios em ebulição, não sentir atração pelo sexo oposto.
Faltava-lhe autenticidade.
Muitas vezes, trancava-se no quarto horas a
fio. Meu ouvido coladinho à porta ouvia soluços, palavrões, pensamentos
entrecortados pensados em voz alta e até murros em móveis.
Que segredos seriam esses?
Minha curiosidade só crescia... Eu precisava
explorar aquele universo enigmático.
Finalmente meu dia chegou. Era um feriado
prolongado. Renata viajou com amigos e eu invadi o quarto secreto.
Pé ante pé...
Fucei todos os cantos, levantei lençóis, colchas e
cobertores, abri armários e revistei roupa por roupa, remexi gavetas com
cuidado pra não alterar a ordem dos objetos, virei malas e bolsas ao
avesso, até caixinhas de bijuterias não escaparam. E eu não encontrava
nada.
Desconsolada, já desistindo,
não sei por quê, pensei no casaco pesado próprio pra neve. Eu
já havia examinado todos seus bolsos. Seria uma intuição?
Retirei-o bruscamente do armário e não é
que o bolso grande guardava uma caixinha... Uma
caixinha decorada com coraçõezinhos pink, envolta e presa por fita de
cetim.
Acomodei-me na cama, respirei fundo pra controlar a
ansiedade e acalmar meu coração disparado pra quebrar.
Ou ali estavam guardados os segredos de
tia Renata ou, então, seria o fim de uma busca malsucedida.
Abri com cuidado. Dentro, uma
simples caderneta. Folheando rápido, sem atentar ao conteúdo, havia
muitas anotações e algumas fotos em tamanho reduzido.
Comecei a ler. Já na primeira página, quase
enfartei. Continuei com a leitura. A cada página, uma decepção maior que a
anterior.
Sentia raiva, muita raiva. Renata era
louca ou estava ficando?
Chorei, gritei, esperneei, soltei todos os palavrões
que mantive aprisionados.
Ao término, meu primeiro impulso era
pra rasgar a caderneta em mil pedacinhos e queimar.
"Não posso. São minhas provas".
As dúvidas eram tantas! Mostrar à
mamãe? Guardar segredo? Falar com a Renata? Eu não estava em
condições de decidir...
Sabem as fotos? As fotos eram do Vitor. E até
um acróstico ela fez para o Vitor!
"Vivo perdida em você
"Vivo perdida em você
Isso
me enlouquece, me tortura
Tanta dor, sofrimento, por quê?
O
seu corpo, a sua boca, uma pintura
Rendo-me, entrego-me
Sou toda sua."
Eu estava arrasada, indignada.
Vitor é o meu pai.
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