A saga de Luiza
Hirtis
Lazarin
Já
faz mais de cinco anos que Luíza e Beto se casaram. Foi um romance rápido. Duas pessoas que se identificaram quanto aos
planos e objetivos para uma vida compartilhada.
Beto é homem de raciocínio rápido e
pensamento lógico, chegando ao cargo de diretor de multinacional francesa.
Luíza é cardiologista, mesmo
envolvida na parafernália de aparelhos biomédicos, guarda ainda um
"quezinho" de romantismo, sempre disposta a apimentar a relação. Rotina jamais.
Podemos afirmar que os dois dedicados
e esforçados atingiram juntos parte da meta pré-estabelecida. Fazem o que gostam de fazer e,
financeiramente, desfrutam de situação privilegiada.
Acabam de se mudar pra casa dos
sonhos, num condomínio amplo e arborizado.
Ideal pra criação dos filhos. À
entrada e à saída de cada rua, há uma árvore frutífera, cujo fruto dá nome à rua. É onde a passarada faz a festa e as crianças
se divertem.
Chegou, então, o momento pra se
pensar em filhos. Beto é apaixonado por crianças, se derrete todo
pelos sobrinhos e pinta o sete com eles.
Os meses passam... e nada de
gravidez. Luíza só tem trinta e quatro
anos, jovem e saudável. Repetiu os
exames médicos em laboratórios diferentes e todos comprovam uma mulher em pleno
vigor físico e fértil. Duas
inseminações artificiais e nada também.
A esperança vai se esvaindo e as
coisas naquele casarão vão se modificando.
Os diálogos se resumem a "sim" ou "não" por um bom
tempo.
Luíza sai cada vez mais cedo e volta
do trabalho cada vez mais tarde.
Beto dividiu-se em dois homens
completamente diferentes. No escritório,
vira e mexe, tem ataques de mau humor.
Grita com assessores, reprime a secretária por conta de uma vírgula mal colocada,
tranca-se na sala e não atende telefone.
Em casa, surpreende a esposa cada dia
mais. Ou chega altas horas da noite
alcoolizado ou traz maços de flores. Os
vasos da casa nunca mais sentiram solidão.
Outras vezes, sem avisar, passa no consultório para um jantar à luz de
velas e som de piano.
Luíza pensa logo em traição, mas um
detetive contratado prova que não.
Procura respostas por todos os cantos, mas elas não vêm.
Há alguns dias Luíza não se sente
bem. Começou com náuseas e falta de apetite.
Depois vômito e diarreia. O diagnóstico
é o de sempre, comum nos dias de hoje: virose.
Semanas passam, os sintomas vão se agravando e Luíza não sai mais da
cama. Exames e mais exames e os médicos
não chegam a um resultado. Ela perde
peso e os olhos profundos e vazios vagam num rosto amarelo-sofrimento.
Dona Maria, a governanta, sem querer,
viu Beto colocando um pó no chá da esposa. Estranhou e, sem ser notada, acompanhou-o
fazendo o mesmo todas as vezes em que servia-lhe algum alimento.
Vasculhou os armários todos da
cozinha até encontrar, bem escondidinho, um frasco contendo um pó
acinzentado. Separou uma porção bem
pequena e levou ao laboratório para análise.
O resultado foi arrasador: chumbinho para matar ratos. Beto estava assassinando Luíza aos pouquinhos.
A serviçal substituiu o veneno por um
pó neutro, semelhante na cor e na textura.
Ensaiou várias vezes para contar à patroa, mas na hora "H"
faltavam as palavras. Assim que percebeu
que Luíza aparentava uma pequenina melhora, criou coragem. Não só relatou os fatos, como mostrou as
provas do laboratório.
Que momento difícil para as
duas! Desespero e uma cachoeira de
lágrimas. Como acreditar que o homem da
sua vida a matava devagarinho? Por que
não pedir a separação? Por quê? Muitos porquês...
A fase da incredibilidade passou. Veio a certeza da veracidade e, o mais
difícil, a aceitação dos fatos. O
momento agora seria de fingimento. Só
fingir.... Fingir.... Até decidir o que fazer.
Nasce ali uma "FERA FERIDA".
Uma "FERA" com unhas e
dentes afiadíssimos capazes de estraçalhar um homem. "FERIDA", precisava se recuperar
emocional e fisicamente.
Cada dia um pouquinho melhor, até que
conseguiu lidar com o "notebook".
Transferiu dinheiro da sua aplicação e todo dinheiro de uma conta
conjunta para outra aberta fora do Brasil.
Era dinheiro que não acabava mais. Se quisesse, daria para viver de papo
pro ar pro resto da vida.
Naquela mesma noite, enquanto Beto,
embriagado, dormia profundamente, Luíza, pé ante pé, lotou o porta-malas do
carro com malas e mais malas de roupas, tirou-o da garagem, espalhou álcool ao
redor da casa toda. Um só fósforo
riscado. Labaredas, sem dó nem piedade,
invadiram todos os cômodos simultaneamente.
Ao amanhecer do dia, Luíza sobrevoava
o Atlântico em direção às Ilhas Malvinas.
Quando um ser humano é traído,
enganado, no mais profundo de sua alma, é extremamente difícil até para a
justiça condená-lo.
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