Um Assassinato Alternativo
Rejane Martins
Rodolfo sempre ouviu seu pai dizer que 1977, foi um
ano glorioso, primeiro ele nasceu e segundo um atleta sem uma técnica apurada
foi o autor do gol que pôs fim a um jejum de 22 anos sem título. Corintiano
fanático desde cedo compactuou consigo mesmo que o homenagearia dando o nome de
Basílio ao primeiro filho. Esta certeza o acompanhou a vida toda, sendo muitas
vezes motivo de chacota de amigos e familiares. Ele não se importava estava
convicto e nada o abalaria.
Já na faculdade conhece Carla uma jovem que o
conquistou no primeiro olhar. Foi amor à primeira vista. Rodolfo não cansava de
proclamar aos quatro ventos de quanta sorte ele foi merecedor. Agora era só uma
questão de tempo para que o pacto firmado na infância tornasse realidade.
Tudo aconteceu conforme o previsto, formatura,
empregos, casamento, e a primeira gravidez. A expectativa era tamanha que ele
acordava durante a noite para alisar a barriga ainda chapada e conversar com
Basílio aquelas coisas de homens.
O primeiro e até então o mais doloroso golpe
ocorreu aos dois meses, um aborto espontâneo crava uma lança no peito de
Rodolfo. Apesar de todo esforço ele não consegue disfarçar sua decepção com o
ocorrido. Carla sente-se culpada e inicia um processo de baixa autoestima.
Acreditando ser a única que poderá consertar a
situação a esposa engravida mais uma, duas, três vezes e nenhuma delas
conseguem ultrapassar os três meses. Para os amigos o afastamento do casal se
dava a olhos vistos, pareciam zumbis locados em cantos diametralmente opostos na
casa. Não tinham o menor interesse em conversar, em se ajudar, ou ainda
solucionar o problema que os consumia.
Certa noite Rodolfo, irritado com a situação,
percebeu que Carla era o elo mais fraco. Culpava-se profundamente por ser incapaz
de gerar o filho tão esperado, que voluntariamente abria as portas para a
depressão debilitando a saúde. A solução apareceu como um passe de mágica,
alimentar a culpa e fazê-la lembrar-se sempre de sua incapacidade, com certeza
aceleraria todo o processo psicológico culminando num quadro irreversível de
apatia e degradação. Sem nenhuma suspeita pairando sobre ele, estaria livre e recomeçaria
do zero sua nova procura. Mas agora procuraria uma mulher “completa” que desse
a ele o esperado Basílio.
Carla foi definhando, se isolando da vida social,
permanecia dias inteiros na cama até que o derradeiro dia chegou. Nenhum amigo
à reconheceu naquele momento de despedida, era outra pessoa nem sombra da
mulher que fora no passado.
Logo Rodolfo saiu a caça de uma nova mãe para seu
filho, comportamento que incitou várias críticas. Encontrou Vanessa,
aparentemente uma boa mulher, mas não cometeria o mesmo erro duas vezes. Seguiu
o script à risca, incluiu-se na tarefa programada evitando que qualquer suspeita
fosse aventada. Proposta singela aceita, o casal realizou vários exames antes
do enlace.
Com os exames em mãos marcaram consulta em um
médico especialista bem longe do local onde moravam. Ansioso, tremendo e suando
frio Rodolfo entrega os envelopes e aguarda a leitura. Abre um largo sorriso
quando ouve que ela é perfeitamente capaz de gerar um filho. Sente de súbito
uma vontade de gritar como se estivesse na arquibancada do estádio no momento do
gol que deu o título ao Timão.
Desnecessariamente, o médico abriu o segundo
envelope, sua voz foi sumindo, seu rosto desfazendo-se na enorme mancha negra
que cegava Rodolfo. Era ele o portador de alterações cromossômicas que
inviabilizavam a vida do embrião, provocando abortos recorrentes. Saiu tão
apressadamente que esqueceu Vanessa no consultório, andou sem rumo. Sem se dar
conta, estava debruçado em um túmulo, ensaiava pedidos de desculpas que não se
verbalizavam em meio a tantas lágrimas.
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