A GRANDE JORNADA.
Capítulo I
AO ENCONTRO
DO DESCONHECIDO
O céu tingia-se de diversas cores, que se
refletiam nas águas azuis e serenas de Paraty. O astro-rei surgia com toda a
sua majestade no horizonte, iluminando o belo e recortado litoral, onde pequenas
ilhas salpicavam de verde o mar límpido, que levantava brancas espumas, quando
batia nas pedras ou languidamente beijava as areias brancas das praias.
Três homens conversavam animados em uma marina,
onde estava ancorado um veleiro de uns 35 pés (10,67 metros), imponente, com suas velas
brancas, que balançavam ao sabor do vento, parecendo impaciente de singrar as
águas profundas e inquietas do oceano.
Os homens saltaram para o barco. Havia
expectativa e êxtase na expressão de cada um deles, a tensão e o entusiasmo
misturavam-se no íntimo deles, pois iam realizar o grande sonho de suas vidas: contornar o mundo pelos mares infindos e muitas vezes perigosos do planeta.
O planejamento da viagem durou quase dois anos,
em que estudaram os ventos, as correntes marítimas e todos os revezes, que
poderiam acontecer durante essa grande aventura.
Determinaram que iriam até o sul da África para
passar pelo Cabo da Boa Esperança e alcançar o Oceano Índico.
Pedro tinha o título de Capitão-Amador, um mestre
velejador tarimbado, que navegara pelo litoral brasileiro e em outros mares com
um grupo até os Estados Unidos. Júlio, oceanógrafo, que há muito tempo queria
enfrentar de perto os humores do mar, e Geraldo, um executivo bem-sucedido, cansado
da exigência de suas funções, que sempre almejara a liberdade e os perigos de
uma grande aventura.
Sábado foi o dia escolhido para a partida, apesar
de que na quinta-feira à noite tudo já estivesse pronto e conferido para longa
viagem. O barco totalmente revisado e com a documentação em ordem, os
mantimentos, o suprimento de água potável, o combustível para o motor a ser
usado nas calmarias, o rádio, enfim tudo adequadamente providenciado. Ansiosos,
Júlio e Geraldo queriam zarpar na sexta-feira, mas Pedro não concordou:
“sexta-feira, não. Todo marujo sabe que
sair do porto numa sexta-feira dá azar”.
Ao embarcarem, Geraldo e Júlio estranharam aquela
ferradura enferrujada pendurada no convés, que contrastava com a modernidade do
veleiro. Ao lado dela, uma cachorrinha vira-lata os recebeu, abanando o rabo
com alegria.
— Essa é a
Tica, disse Pedro. Vai com a gente para dar sorte; a viagem é longa, vamos
precisar. E passem a mão na ferradura
sempre que entrarem na embarcação para espantar o azar.
Geraldo e Júlio não eram supersticiosos, mas
obedeceram ao Mestre, divertidos com as inesperadas novidades. A cachorrinha seria, sem dúvida, uma alegre
companhia, independentemente de trazer a sorte esperada. Afinal, essas crendices de Pedro não atrapalhariam
em nada. Quem sabe, não teriam algum
fundamento? Quem sabe?
O vistoso e imponente barco começou a navegar
mansamente, comandado pelas mãos hábeis do capitão, auxiliado pelos dois
amigos. Na marina, um grupo de pessoas formado por curiosos e familiares dos
intrépidos navegantes acenavam emocionados, alguns com lágrimas nos olhos, ao
acompanhar o suave balanço do barco rumo às surpresas inimagináveis do mundo
marítimo. O coração descompassado pelo
temor do que lhes podia acontecer.
A família de Geraldo era a mais preocupada, pois
ele nunca se aventurou numa embarcação e, pela pressão, que sofrera nos últimos
tempos, sua saúde ficara abalada.
No píer, os sussurros das orações simples,
Pai-Nosso e Ave-Maria, até súplicas e promessas a serem cumpridas quando da
volta dos novos marujos. Esses atos de
fé e esperança dominavam a mente e o coração daqueles que vislumbravam o
afastamento do magnífico barco.
Pedro ao timão, vento a favor, sol ameno, o
veleiro avançava com suave balanço no mar sereno, para o langor de seus
ocupantes, distanciando-se da costa. A
pequena igreja da borda de Paraty foi ficando menor, até que já não podiam
vê-la.
E assim foram eles à procura de grandes emoções e
em busca do desconhecido.
Tica explorava os cantos do barco, cheirando aqui
e ali. Às vezes apoiava-se na amurada e olhava para longe, como a admirar a
paisagem. Também se mostrava excitada com a nova situação.
Devidamente protegidos pelos cuidados reais e
esotéricos do Mestre Pedro, os três amigos apreciavam aquele momento,
sentindo-se confiantes para a grande aventura que se iniciava.
— Que vida boa! — Disse Geraldo, entusiasmado. —
Não vou enjoar nunca.
Pedro sorriu com uma expressão zombeteira. Mal sabia Geraldo, que muitas vezes os mais
experientes marinheiros punham para fora o que já não tinham mais no estômago,
quando uma tempestade atingia a embarcação.
Navegando pelo cenário cinematográfico do
litoral, recortado por pequenas enseadas de águas preguiçosas, que disfarçavam o
mar revolto de águas mais profundas, os três aventureiros inspiravam com prazer
o ar salgado e morno do mar.
Gaivotas voavam em bando, mergulhando para pegar
peixes. Golfinhos passaram por eles,
conversando alegremente entre si.
— A natureza é soberba! Sempre adorei o mar! Exclamou Júlio.
— Mas estejam preparados porque muitas vezes ele
nos desafia. E é para isso que estamos
fazendo essa viagem, para testarmos nossa coragem, inteligência e persistência,
não é mesmo, companheiros?
— E descobrir novas experiências, conhecer
lugares distantes e outros povos.
Sobretudo, aprender a lidar com o desconhecido e o inesperado. Se formos
bem-sucedidos, voltaremos outros homens.
Disse Geraldo, emocionado.
Geraldo era empresário, dono de importantes
empresas de variados ramos no Brasil e fora do país. Seus negócios oscilam nas
bolsas de valores do mundo, conforme a maré. Desde os quinze anos
habitou escritórios e indústrias. Antes, acompanhava o velho pai e avô, mas
agora, já não os tem e a administração de todo negócio está em suas mãos. Não
teve filhos e, portanto, não tem um substituto para arrebanhar a labuta. O
estresse começou a provocar-lhe sintomas de desgaste emocional, o que
preocupava a esposa. Precavido, sempre fez astronômicos seguros de vida,
pensando no futuro da mulher. Uma viagem de aventura o ajudaria a liberar a
energia boa, e por essa razão estava na embarcação. Mas, desta vez, com a
viagem de meses que faria com os amigos, Geraldo fez mais do que “seguro de
vida”, montou um canal de patrocínio entre grandes empresários, a cada etapa da
viagem, um valor significativo entraria na conta dos três companheiros. Os
vídeos da viagem seriam postados no canal “A GRANDE JORNADA”, e os valores em
pix abasteceriam a conta bancária. Os investidores de cada etapa, estampariam
uma lista valiosa de empresas e pessoas que acreditavam no sucesso daquela
aventura, ou que acompanhavam a adrenalina da tripulação. Isso era mais um
estímulo para a viagem, uma válvula de ânimo que os impulsionaria mais
confiantes. O vídeo do veleiro zarpando teve um alcance estupendo, tendo sido compartilhado
milhares de vezes, o que provocou novos investidores a entrarem no rol.
Julio sempre trabalhou com pesquisa marítima, já
participou de mergulhos profundos em mares diversos, é um professor renomado
com inúmeras literaturas publicadas. É convidado para programas de entrevistas,
projetos e pesquisas, seu nome é sempre lembrado quando o assunto é
oceanografia. Mas, ele jamais realizou uma viagem desse tipo, onde experimentaria
o oceano e suas adversidades em um veleiro. Por ser ele um profissional tão
conhecido e referenciado, os vídeos postados no canal “A grande jornada”,
ganharam o mundo da ciência e curiosidade.
Pedro é um experiente navegador, um
Capitão-Amador que singrou diversos mares, mais do que um aventureiro, é um
arrojado desbravador, um homem audacioso, corajoso, muito cauteloso, apesar de
tudo. Pedro sempre teve veleiro, este levava a estampa de uma “FERRADURA” no
casco, um veleiro que já enfrentou tempestades e se saiu muito bem dos
ambientes hostis. O navegador sempre inspirou outros colegas que ouviam suas
histórias de sobrevivência de viagens como essa. Religioso, místico, crente de
simpatias e rezas, observador dos mares e dos homens.
Capítulo II
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