CONTO
MEMORIALISTA - A BRUXA
Henrique Schnaider
Eu tive uma infância inesquecível, com muitas
peraltices, amor e carinho de meus pais, irmãos e amigos queridos. Formávamos a
turma da rua Ezequiel Freire. Com quem eu mais me afinava, era meu amigo Carlos
Azolini. No bairro onde nasci, as pessoas eram ou de descendência italiana como
o Carlinhos ou judeu como eu.
Nós dois aprontávamos muito. Sempre dando dor de
cabeça para nossos pais. Mas sempre sem maldade e sim ingenuidade. Acreditávamos
em histórias de fantasmas, da mula sem cabeça e do Saci Pererê, de uma perna só
fumando seu cachimbinho e que chegava num rodamoinho de vento.
Bastava a empregada da minha mãe, a Maria, sentar-se
com a gente e lá vinham as histórias assombradas. Nunca saberei se ela inventava
ou se também ouviu de pessoas mais velhas e passava para frente. Pois, quem conta um conto aumenta um ponto.
Certo dia a Maria veio cheia de conversa fiada,
pediu para a gente sentar-se ao redor. E nós com os olhinhos sem nem piscar,
olhando curiosos, esperando o que ela tinha para nos contar. Era sobre a vizinha,
a Cândida, que morava num barraco, na entrada da oficina mecânica do senhor
Felício. Deixou-nos cheios de pavor. Contando que ela na verdade, era uma
bruxa.
A noite ela se transformava e o seu rosto ficava
enrugado. Tinha uma verruga na ponta do enorme nariz, tombado feito um rabo. Na
boca havia um único dente. Uma risada horrorosa “hi hi hi hi”. Já estávamos tremendo
de medo, encolhidos. E aí disse a Maria:
— Ela tem um tacho enorme de água fervente dentro de
casa. Que está sempre no fogo e o cheiro que sai de dentro, é de carne humana. Contou
que sumiram várias crianças. Os boatos foram que tinham sido raptadas pela
bruxa, assadas e devoradas.
Criança é criança, crédulos e com muito medo, mas com
espírito de curiosidade e peraltice, nos levava a fazer molecagens. Um atiçando
o outro, lá íamos nós, bater na porta do barraco e pernas para que te quero.
Insatisfeitos atirávamos pedras na porta da bruxa. A
Cândida se encheu da gente, “bruxinhos”, que não dávamos sossego para a pobre
coitada e veio reclamar justamente com a Maria. Falou cobras e lagartos para
ela e ameaçou dar queixa na delegacia. Enquanto isso eu e o meu amigo, ficamos
quietinhos dentro de casa tremendo de medo.
Depois que a mulher foi embora. A danada da Maria
veio procurar a gente e pôs fogo no caldeirão. Disse que a bruxa estava fazendo
ameaças, dizendo que ia nos pegar num momento de distração. Nos levaria para
dentro do barraco e nos jogaria no tacho fervente.
É evidente que a Maria estava inventando todas
aquelas histórias, pois na verdade queria se divertir as nossas custas.
Que saudades daquele tempo de inocência e peraltices.
E da Maria que enchia nossa vida de histórias assombrosas e de amor e carinho. Nós
adorávamos a malandra da empregada.
Como diz o velho ditado espanhol “Yo no creo en las
brujas, pero que las hay, hay”. Quanto a nossa bruxa vizinha, nunca se provou
nada contra ela, e realmente era apenas pura fama e maledicência.
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