O PASSADO VOLTA DE REPENTE!
Dinah Ribeiro de Amorim
Margarida caminha, vagarosamente, pelas campinas verdejantes.
Consegue chegar ao vale. Senta-se com esforço e estica o corpo, relaxando-se ao
sol. Borboletas coloridas esvoaçam à sua frente, com tonalidades especiais. O
perfume de flores paira no ar.
Fecha os olhos e pensa, conseguiu chegar ao final.
Anos de turbulência e esforço, vontades sufocadas,
sentimentos de fracassos e esperanças, mas, objetivos alcançados, comprou a
moradia na aldeia campestre.
Velha, cansada, de movimentos fracos e lentos,
menor disposição que antes, mas ainda feliz. É sua, agora, a casa sonhada. O
passado é vencido pelo presente.
Dona por direito, nela nasceu; foi expulsa logo
cedo, em companhia da mãe, aos cinco anos.
Guardou a lembrança saudosa daquele local, daquelas
paisagens verdes, dos folguedos e sonhos de criança, na esperança de um dia
voltar.
Voltou, afinal.
O tempo presente é a realização do sonho, a
concretização final da atribulação, do trabalho feito.
Pena que sua mãe não o alcançou. Não viveu a tempo.
Pensa na mãe e a vontade aperta, sente saudade,
lembra o passado.
A moça bonita, cabelos louros ao vento, puxando-a
pela mão, a mala grande na outra, andando apressada em direção ao trem. Iam
para a capital, em busca de trabalho.
O patrão, seu pai, o dono da casa e dono delas,
também, mandou-as embora. Não era casado e considerava a mãe uma simples amante
ou governante da casa. Foram dispensadas a pedido de um amor atual, moça que
considerou noiva, com quem pretendia casar.
Margarida, em menina, não entendeu a situação, no
momento, só percebeu, triste, que estavam deixando a casa, o único lugar que
conhecia, o homem que chamava de pai, em busca do estranho, do desconhecido,
que lhe causava medo e decepção.
Um futuro incerto as aguardava e passaram mesmo por
muitas incertezas.
A mãe, moça e bonita, mas sem instrução, só
conseguiu trabalhos à custa da aparência física, numa época em que a mulher só
era considerada do lar ou fora dele, empregada de algum estranho.
O difícil era manter a filha junto a ela e a menina
viu-se colocada num internato de freiras para órfãos ou indigentes, mas com
estudo. Foi difícil separar-se da mãe e sentiu-se magoada, com isso, por muitos
anos. Não entendia o porquê?
Recebia suas visitas semanais, que rareavam, às
vezes, quando ela conhecia alguém mais especial, e viajava por uns tempos.
Os anos se passaram e Margarida, mocinha, saiu do
orfanato, com emprego fixo de babá, numa casa de família. Os primeiros anos de
escola, completou. Lembra com saudade de algumas irmãs que a ajudaram e foram
carinhosas com ela. Davam-lhe bons conselhos.
Maias tarde, ela e a mãe conseguiram morar juntas.
Como babá, juntou um pouco de dinheiro e, auxiliada
pela mãe, que resolveu empenhar-se em costurar, frequentou uma escola à noite,
para completar os estudos.
Com o tempo, seus sentimentos íntimos, suas
revoltas, transformam-se em sonhos e ambições.
Vontade de viver melhor, dar à mãe uma vida boa, já
se queixava das vistas, vieram à sua cabeça e começa a pensar grande, auxiliada
por leituras e exemplos aprendidos.
Vem a vontade de cursar uma faculdade, prestando
vestibular para jornalismo.
Torna-se brilhante jornalista, empregada numa
revista de grande popularidade local, a revista CLÁUDIA.
Seu nome começa a aparecer e é convidada para
grandes entrevistas e realizações sociais.
Seus artigos, relacionados à vivência infantil e
familiar, são muito apreciados e começam a ser procurados para dar cursos sobre
isso.
A vida de Margarida se transforma novamente. Passa
a ser uma pessoa conhecida, de grande popularidade, inteligente e bondosa,
professora de ensinamentos. Uma filósofa, praticamente.
Com isso, adquire uma razoável situação econômica,
podendo realizar, em grande parte uma modificação para melhor em suas vidas.
Após alguns anos, a mãe, cansada e mais velha,
adoece, recebendo de Margarida muita atenção. Sua visão também fica
comprometida, tendo o auxílio de uma enfermeira, uma bengala para caminhar em
casa e um cão guia para ir às consultas médicas. Auxílios às pessoas com
dificuldades visuais.
Preocupada com a mãe, sua única família e a pessoa
que mais amava, Margarida dedicou-se totalmente a ela. Esqueceu-se de sua
profissão e sonhos.
Queria realizar os sonhos de sua mãe e
perguntava-lhe sempre o que tinha vontade.
Espantou-se um dia, um pouco antes dela falecer,
quando lhe respondeu querer voltar a ver a casa onde moraram, no campo.
Sua mãe ainda sentia saudades de seu pai, e tinha o
mesmo sonho que ela, ter a casa em que nasceu.
Começou a preocupar-se com isso, querer sondar a
situação, não do pai, mas da casa.
Colocou corretoras locais para averiguarem quem
ainda era o dono da mansão campestre? Curiosa, soube que estava à venda, sem
nenhum interessado e a moradora local, uma viúva, em situação difícil.
Volta para dar a notícia à mãe e encontra-a, no
hospital, levada às pressas. Problema de coração.
A mãe de Margarida falece, não recebendo a notícia
sobre a casa.
Muito triste, a filha, em consideração à mãe,
esquece o assunto, passando alguns anos dedicada ao seu trabalho. As lembranças
permanecem escondidas em seu coração amargurado, só deixando aflorar os
sentimentos presentes.
Leva alguns anos na profissão que escolheu e
sente-se bem com isso, aliviando a dor do falecimento da mãe e tentando
alegra-se com o presente atual que a vida lhe oferecia!
Um dia, lendo um jornal mais antigo, vê um anúncio
que lhe chama a atenção: leilão municipal no interior! Aos interessados,
segue-se a data e mais informações.
Descobre que a sua primeira casa, seu sonho antigo
e de sua mãe, faz parte desse leilão.
Sonda melhor a respeito e vai assisti-lo no dia
certo.
Tem, na noite anterior, um sonho com a mãe,
sentindo-se feliz.
Antes do leilão, vai até a casa para verificar seu
estado. O terreno, ainda bom, chama-lhe a atenção, mas a casa, em si, necessita
de reforma.
Conversa com moradores locais e fica sabendo que o
antigo dono faleceu cedo, deixando a esposa como herdeira. Não tinham filhos.
A esposa viúva, sem tino algum sobre negócios no
campo, plantação e criação, levou tudo à falência, falecendo também pobre e
desgostosa.
Conclusão: propriedade do município, estando à
venda.
Consegue ganhar a causa. Compra novamente sua casa
de nascimento. Volta a ser a proprietária, embora adulta e já com idade
avançada.
Inicia uma reforma, reconstrói o que era viável e
lhe traria retorno financeiro e volta, feliz, em sua primeira moradia.
Seu passado torna-se, novamente, o presente e o
futuro em sua vida.
Apreciamos uma Margarida feliz!
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