A
Mentira
Helio Salema
Um adolescente que tinha o hábito de mentir, só percebia, quando seus amigos o olhavam de maneira estranha após relatar uma história.
Quando se aproximava dos amigos, todos ficavam curiosos para saber qual era a do dia. Geralmente era algo relacionado a sua própria vida ou algum fato que ele afirmava ter acontecido.
Um dia logo que chegou, contou o que havia feito na noite anterior, antes que dissesse outra coisa, todos olharam para o rosto dele e começaram a dar risadas. Alguém logo gritou:
- Olha o nariz dele!
Risadas e mais risadas se sucederam. Como um raio em tempestade foi direto para casa.
Ao olhar no espelho percebeu que seu nariz estava muito pequeno. Uma nuvem triste assolava seus pensamentos. Toda hora olhava no espelho. Ao falar com sua mãe evitava olhá-la de frente. Quando ela saía para trabalhar foi um alívio. Evitava os lugares onde os amigos pudessem vê-lo.
Resolveu então caminhar em direção a mata, lugar que
gostava de ir, principalmente, na parte da manhã. Mas há muito tempo que não
fazia este passeio. Desta vez, no entanto, parecia que os animais olhavam para
ele assustados. Logo veio a lembrança das risadas dos amigos.
As horas foram passando. Ele pensou em colher frutas para saciar a fome, principalmente goiaba e amora, pois as conhecia e sabia onde encontrá-las. Desta vez, porém não encontrou uma sequer.
Continuou a procurar.
Ficou surpreso quando viu ao longe uma casinha, nunca a
tinha visto antes. Curioso que era, foi naquela direção. Quando chegou perto
percebeu que a porta estava aberta. De dentro exalava um cheiro agradável.
Olhou para os lados e não viu ninguém. Ao chegar mais perto da porta viu que
era uma cozinha. Em cima do fogão havia vasilhas. Com medo afastou-se e pensou
ir embora, mas o instinto de sobrevivência animal segurou suas pernas.
Lentamente foi entrando, ao se aproximar do fogão viu que numa das vasilhas
havia algo que parecia carne. Ao pegá-la veio a surpresa. Não só era carne como
também era ela a dona daquele cheiro maravilhoso. Como um animal faminto começou
a devorá-la. Tão rápido que seu estômago começou a doer. Parou por instantes, em seguida foi
mastigando bem lentamente. Olhou muito atento nas outras vasilhas na esperança
de haver mais alimentos.
De súbito lembrou
que não estava em sua casa. Com o delito concretizado, como um rato que acabou
de comer o queijo e foge para não ser pego, pensou logo em sair daquele local alheio.
Ao virar-se em direção a porta deparou-se com uma pessoa
que estava, silenciosamente, sentada entre a porta aberta e a parede. Como um
animal acuado quis correr, viu, no entanto, que daquele rosto, nunca antes
visto, expressava um sorriso. Uma voz suave como a de uma mãe que acalenta seu
bebê, ouviu.
- Estava saborosa! Não estava?
Balançou a cabeça três vezes confirmando.
- Aquele pedaço sobrou do meu almoço, eu sentia que
alguém chegaria necessitando,
Seja bem-vindo.
Você estava faminto?
Agora sem a presença do medo respondeu.
Sim.
Perdeu-se na mata?
- Eu estava caminhando, fiquei com fome, procurei frutas, mas não encontrei.
Nesse instante ao lembrar do nariz levou as mãos sobre o
rosto, de maneira tão brusca que seus olhos revelaram o susto que lhe dominava.
Mais uma vez aquela voz doce como uma amora bem madura.
- Por que você cobriu o rosto?
Depois de um instante refletindo, e diante de uma figura
tão meiga e serena, respondeu.
- Meu nariz está muito pequeno.
- Sim. Eu reparei. Mas à medida que você respondia minha
pergunta notei que seu nariz aumentava. Acho que está quase normal. Olha
naquele espelho que está naquela parede.
Para sua surpresa, realmente, havia aumentado um pouco,
mas não o suficiente. Seu rosto alternava alegria e frustração pois ainda não
estava totalmente recuperado.
- Quando começou?
- Acho que foi ontem. Meus amigos riram de mim.
- Você não percebeu antes?
- Antes de sair de casa olhei no espelho e estava tudo
normal.
O velho então disse.
- Com seus amigos diminuiu, aqui aumentou. O que
aconteceu lá?
Por um momento pensou em inventar algo, mas como um
milagre, sentiu que poderia assim diminuí-lo novamente. Olhou para o velho que
o observava tranquilamente, e como se sentisse diante de uma criatura Divina.
- Foi depois que eu disse uma coisa que não era verdade.
- Parece que agora seu nariz voltou ao normal.
Instintivamente, virou-se e olhou atento no espelho. Que
alívio!
Com os olhos cheios de lágrimas voltou-se para o velho.
- Como isso aconteceu? O senhor me ajudou, muito obrigado.
- Meu filho! A mentira é uma ferida que corrói a alma de
quem a contempla, só a verdade pode engrandecer a alma.
Aliviado com aquelas palavras, lembrou que sua mãe,
certamente, o aguardava.
- Eu tenho que ir, minha mãe deve estar me esperando.
- Volte quando quiser voltar, Deus te acompanhe.
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