1º
colocado
CONCURSO DE NATAL ICAL 2020
Presente humano
Ana Catarina Sant’Anna Maués
Músicas, enfeites, animação, comércio com altos índices de vendas, hum! Este ano o Natal promete ser dos melhores, dizia Bruna na mesa do almoço. Rodrigo, no entanto, estava ali apenas fisicamente, pois os pensamentos o levavam para bem longe. Bruna insistiu:
— Querido, estou falando com você?
— Oh! Sim benzinho, me desculpe, estou longe.
— Você fará aquilo este ano novamente? Perguntou
ela.
— Sim! Você entende né, é muito importante para mim
e para eles também.
— Entender eu entendo, mas acho esquisito dar este
tipo de presente para as pessoas.
Mais tarde
Rodrigo, em frente ao espelho, arrumava a barba postiça, já todo vestido de
vermelho, calçou as botas e veio para a sala onde esposa e um casal de amigos o
aguardavam para a ceia.
— Ora, ora, tá bonito hein! Brincam sorridentes
quando o veem.
Ele,
eloquente, respondeu:
— Vou dar uma voltinha e já venho. Não comecem a
ceia sem mim.
O casal
convidado estranhou, mas Bruna veio em socorro:
— Como um bom papai Noel ele vai entregar alguns
presentes, mas não se preocupem, ele volta logo.
Rodrigo
bateu a porta do carro e dirigindo foi observando as ruas fervilhando de
pessoas com pacotes que se denunciavam serem presentes. As luzes coloridas cintilando
em árvores e bonecos na frente das casas davam o tom festivo à noite especial,
mas ele procurava por algo bem diferente do que via. Nesta busca ele foi se
afastando da agitação e chegando à periferia da cidade, encontrou o que procurava.
De longe avistou um jovem sentado sozinho no banco de uma praça. Aproximou-se e
ofereceu um lanche que tirou do saco que carregava nas costas. Rodrigo tinha um
dom especial, um carisma cativante e conseguiu tirar daquele rapaz o porquê de
estar na véspera do Natal sem família, sem amigos. Com mais um pouco de
conversa ele convenceu o jovem a entrar no seu carro e seguir até a próxima
pessoa que desta vez não estava só. Ele viu uma moça carregando uma criança com
apenas alguns meses de vida. Com o mesmo gesto e simpatia ofereceu o lanche e a
prosa veio em seguida, e pouco tempo depois ela e o bebê também entraram no
carro.
Ele olhou
o relógio e calculou que havia tempo para mais uma pessoa, e neste momento viu
um idoso deitado sob a marquise de um velho depósito abandonado. Parou o carro,
ofereceu o lanche e recolheu mais um para o automóvel. Já contavam três os
escolhidos desta noite. O carro avançou pelas ruas deixando para trás a vida
que levavam.
Rodrigo
parou na frente de uma casa bem modesta, bateu, e uma moça abriu a porta, de
pronto estranhou a figura de um Noel na sua frente, mas ele com dom celestial
conseguiu que ela o escutasse. Depois de algum tempo foi até o carro e trouxe o
jovem, aquele primeiro com quem teve contato.
Ali, na
porta mesmo ocorreu um compromisso da parte do rapaz e um sentimento de
acolhimento da parte da moça. O jovem havia se envolvido com assalto a mão
armada, foi preso, e quando terminou de cumprir a pena não teve coragem de
voltar para casa, mesmo com profundo arrependimento no peito pelo mal, e grande vergonha que fez passar sua irmã,
afinal eram só os dois, um contava com o outro e ele falhou feio,
decepcionando-a quando entrou para o mundo do crime, porém um pedido de perdão
sincero e a palavra de que seria um homem honrado, desta noite em diante,
bastaram para que a irmã o acolhesse com ternura.
Ao retornar
ao carro contou aos outros, o quanto estava feliz com o resultado da entrega
deste seu primeiro presente.
O próximo
seria a jovem mãe com seu bebê de cinco meses. Desta vez o bairro era nobre e
uma mansão podia ser vista no final da rua. Margarida era o nome da moça.
Rodrigo sozinho, atravessou o jardim, mas antes de tocar na campainha colheu
uma flor. Quem atendeu foi um casal elegantemente vestido. Ele entregou a flor
dizendo apenas, que uma outra flor de nome Margarida havia mandado entregar. Em
segundos a senhora chorou copiosamente, e o senhor prendeu o choro, então
Rodrigo aproveitou para dizer que apesar de tudo que a fez sair de casa, das
más companhias, das drogas e tudo o mais, ela agora amadureceu e pedia perdão,
pois tinha uma criança para cuidar, o netinho deles. Dizendo isto foi até o
carro e trouxe Margarida e a criança. Ao vê-los os pais os abraçaram e um pacto
de amor se estabeleceu.
Voltando
ao veículo, após a entrega de seu segundo presente, notou que o senhorzinho não
estava mais lá. Olhou em volta e o viu longe, caminhando na avenida. Correu e o
alcançou. Num breve diálogo ele expôs o receio, disse que no caso dele não
teria chance alguma, que a família não o queria de volta, que o álcool fez
destruir tudo que de bom havia nele, que os filhos o expulsaram de casa com
razão, pois até pequenos furtos ele já andava fazendo para gastar com bebida,
que era incontrolável o seu vício, mas Rodrigo sempre determinado, não desistia
fácil, por isso articulou uma, duas, três vezes sobre a possibilidade dele
estar errado, até que o convenceu de tentar, afinal o “não” ele já tinha.
Chegaram,
e uma bonita festa acontecia dentro da casa, já na parte rural da cidade.
Rodrigo bateu palmas o mais forte que pode, a música estava alta e ninguém
escutou. Resolveu então entrar de mãos dadas com o senhorzinho que se chamava
Emanuel, e mudo esperou que os notassem. Não demorou e alguém desligou o som.
Todos voltaram-se e perplexos ficaram, até que uma criança, o netinho do recém
chegado veio e abraçando-o disse:
— Vovô, quanta saudade!
Depois
disso não houve mais o que dizer ou o que explicar. A família toda reunida
festejou a chegada de Emanuel que se comprometeu a ficar longe do álcool, e os
dois filhos mais velhos acertaram de providenciar um tratamento para o pai.
Saindo
dali, Rodrigo estava pleno de alegria, como uma taça transbordava felicidade.
Ao chegar em casa com sorriso de orelha a orelha percebeu as luzes apagadas e
estranhou a casa toda no escuro. Abriu a porta chamando pela esposa e neste
momento com gritos de vivas as luzes acenderam e apareceram, não apenas Bruna,
que planejou a surpresa, mas também o casal de amigos e muitos dos que, nos
outros Natais, ele deu como presente, e vieram abraçá-lo em mais um ano de
gratidão, pois estavam perdidos e foram encontrados.
Que história inspirada, Ana Catarina! Muito oportuna para o Espírito de Natal. Parabéns!
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