Cardápio
do dia.
Hirtis
Lazarin
Ela vestia um terninho de linho na cor cinza-chumbo. Corte impecável! Um colar e um anel de pérolas miudinhas eram o ornamento naquele visual tão discreto.
Lídia levantou-se bem cedo no horário de sempre e seu primeiro compromisso do dia era o banho. Um ritual que durava mais de uma hora. Nunca aceitou ser interrompida porque, naquele momento, nada era mais importante. Se o telefone tocasse, fingia não ouvir.
Antes de deixar o banheiro, aproximou o rosto do espelho e arrancou alguns fios brancos que se destacavam nos cabelos castanho-escuros. Um sorrisinho amargo denunciou sua insatisfação.
Desceu vagarosamente os degraus da escada com os sapatos de salto alto nas mãos. Era um cuidado necessário, pois temia um desequilíbrio e uma queda.
A
mesa do café estava arrumada e farta, do jeito que ela gostava. Naquele dia, em
pé, tomou apenas uma xícara de café. Janice ficou esperando o “Bom Dia”
habitual, mas não aconteceu.
A sala da casa respirava uma elegância discreta, um
murmúrio da história. Cortinas pesadas filtravam a luz do sol dourado. Era
verão. O ambiente acolhedor e intimista era herança de Dona Leontina, a dama
filantrópica de São Lourenço, cidade ao sul de Minas.
Lídia sentou-se numa das poltronas de veludo e
afastou as almofadas, arrumando espaço para sua bolsa. Na parede à sua frente,
destaca-se uma pintura original de Anita Malfatti. O item mais colorido daquele
ambiente sóbrio.
O gato siamês aproxima-se de seus pés e aguarda o
cafuné de todos os dias, mas, infelizmente, o bichano não cabia naquele
olhar vazio e distante. Afasta-se em silêncio, ao entender que não era
bem-vindo.
Quarenta minutos já se passaram e a moça continua
no mesmo lugar. O único som que se ouvia era o estalar do plástico-bolha que
suas mãos irrequietas manuseiam.
A campainha toca. A jovem consulta o relógio. Eram
dez horas e doze minutos. “São pontuais”.
Janice, de avental e touca branca, corre e abre a
porta. Lá estavam dois homens altos e fortes, vestindo roupas iguais.
Ignoram a moça e entram. Na sua simplicidade, ela acredita que a farda dá
a eles esse direito.
— Bom dia, Dona Lídia.
— Bom dia, respondeu ela sem abaixar a cabeça.
— Preparada?
Lídia levantou-se fingindo estar calma, ajeitou a
roupa e, sem perder a linha, acompanha-os. Os três entram num carro
grande e preto.
Janice acompanha-os com os olhos até o carro dobrar
a primeira esquina.
Desconfiada, franze a testa e resmunga baixinho:
“Não entendi nada e nem quero. Sabe, moça, sua obrigação é cuidar bem da casa e
é melhor não ficar “caraminholando”.
Apanha o jornal do chão e entra. Fecha a porta e
coloca o jornal sobre a mesa. Lê a manchete e se interessa pela notícia que
fala sobre o INSS. Sabe que o INSS é aposentadoria. Lê uma, duas
vezes e não entende. A linguagem é muito complicada e desiste da
leitura. Lembra-se, então, das panelas abertas e vazias que a esperam
sobre o fogão. Pega o plástico-bolha esquecido sobre o sofá e corre pra
cozinha.
Cantarolando, abre a geladeira e retira um pernil
congelado. “Salada, carne assada e uma farofa, simples, tudo gostoso e fácil de
fazer”.
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