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quarta-feira, 7 de maio de 2025

Cardápio do dia. - Hirtis Lazarin

 


Cardápio do dia.

Hirtis Lazarin

 

Ela vestia um terninho de linho na cor cinza-chumbo. Corte impecável!  Um colar e um anel de pérolas miudinhas eram o ornamento naquele visual tão discreto.

Lídia levantou-se bem cedo no horário de sempre e seu primeiro compromisso do dia era o banho. Um ritual que durava mais de uma hora. Nunca aceitou ser interrompida porque, naquele momento, nada era mais importante. Se o telefone tocasse, fingia não ouvir. 

Antes de deixar o banheiro, aproximou o rosto do espelho e arrancou alguns fios brancos que se destacavam nos cabelos castanho-escuros. Um sorrisinho amargo denunciou sua insatisfação.

Desceu vagarosamente os degraus da escada com os sapatos de salto alto nas mãos. Era um cuidado necessário, pois temia um desequilíbrio e uma queda.

A mesa do café estava arrumada e farta, do jeito que ela gostava. Naquele dia, em pé, tomou apenas uma xícara de café. Janice ficou esperando o “Bom Dia” habitual, mas não aconteceu.

A sala da casa respirava uma elegância discreta, um murmúrio da história. Cortinas pesadas filtravam a luz do sol dourado. Era verão. O ambiente acolhedor e intimista era herança de Dona Leontina, a dama filantrópica de São Lourenço, cidade ao sul de Minas.

Lídia sentou-se numa das poltronas de veludo e afastou as almofadas, arrumando espaço para sua bolsa. Na parede à sua frente, destaca-se uma pintura original de Anita Malfatti. O item mais colorido daquele ambiente sóbrio.

O gato siamês aproxima-se de seus pés e aguarda o cafuné de todos os dias, mas, infelizmente, o bichano não cabia naquele olhar vazio e distante.  Afasta-se em silêncio, ao entender que não era bem-vindo.

Quarenta minutos já se passaram e a moça continua no mesmo lugar. O único som que se ouvia era o estalar do plástico-bolha que suas mãos irrequietas manuseiam. 

A campainha toca. A jovem consulta o relógio. Eram dez horas e doze minutos. “São pontuais”.

Janice, de avental e touca branca, corre e abre a porta. Lá estavam dois homens altos e fortes, vestindo roupas iguais.  Ignoram a moça e entram. Na sua simplicidade, ela acredita que a farda dá a eles esse direito. 

— Bom dia, Dona Lídia.

— Bom dia, respondeu ela sem abaixar a cabeça.

— Preparada?

Lídia levantou-se fingindo estar calma, ajeitou a roupa e, sem perder a linha, acompanha-os.  Os três entram num carro grande e preto. 

Janice acompanha-os com os olhos até o carro dobrar a primeira esquina. 

Desconfiada, franze a testa e resmunga baixinho: “Não entendi nada e nem quero. Sabe, moça, sua obrigação é cuidar bem da casa e é melhor não ficar “caraminholando”.

Apanha o jornal do chão e entra. Fecha a porta e coloca o jornal sobre a mesa. Lê a manchete e se interessa pela notícia que fala sobre o INSS. Sabe que o INSS é aposentadoria.   Lê uma, duas vezes e não entende. A linguagem é muito complicada e desiste da leitura.  Lembra-se, então, das panelas abertas e vazias que a esperam sobre o fogão. Pega o plástico-bolha esquecido sobre o sofá e corre pra cozinha.

Cantarolando, abre a geladeira e retira um pernil congelado. “Salada, carne assada e uma farofa, simples, tudo gostoso e fácil de fazer”. 

 

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