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quarta-feira, 5 de março de 2025

ADELAIDE DITTMERS - SUTILEZAS DA VIDA

 

 


SUTILEZAS DA VIDA

Adelaide Dittmers

 

Na sala de reuniões, os líderes da empresa estavam sentados em volta de uma comprida mesa.  As conversas sérias ou corriqueiras corriam de um lado para outro.

Um homem de uns quarenta anos entrou e dirigiu-se para a cabeceira da mesa. As vozes foram se apagando.

Respeitado e temido pelos seus subordinados, muito inteligente, intransigente e imprevisível em suas ações e avaliações, atordoava todos com suas decisões categóricas, em que sua vontade tinha que prevalecer acima de todas as sugestões contrárias.  Não era estimado, apenas tolerado por todos, no entanto, sob seu taco, a empresa prosperara, tornando-se uma das mais bem sucedidas em seu ramo de negócios.

Sentou-se e as ideias, sugestões e planos foram debatidos, alguns aceitos, outros não.

O vice-presidente colocou algumas objeções nas decisões do impetuoso chefe e uma discussão acalorada esquentou o ambiente. Há algum tempo, todos notavam uma forte divergência entre eles.

Jorge, o segundo homem da empresa, era um homem calmo e ponderado, mas firme em expor e defender suas ideias, opondo-se muitas vezes às decisões do chefe supremo.

Depois de muitas discussões e acordos, a reunião foi encerrada e, como sempre, muitas questões não foram resolvidas.

Alberto foi para seu escritório.  Estava irado com o enfrentamento de Jorge.  Recostou-se na cadeira, girando-a de um lado para outro, como se sua autoridade estivesse balançando dentro dele, entre o poder que tinha em mãos e uma insegurança escondida bem no íntimo de seu ser. Tinha que deter Jorge.  Ele não podia desestabilizá-lo, era o cérebro da empresa.

Ligou o computador.  Uma infinidade de e-mails saltou à sua vista.  Começou a lê-los e anotar o que achava importante.

De repente, o celular tocou e ele sorriu. A voz macia e o olhar açucarado atenderam à ligação. Era sua namorada atual.  Bonito e com uma presença marcante, conquistava as mulheres, colocando-as num altar, para depois, quando se cansava, dispensá-las como fossem objetos descartáveis.

 

- 2 –

 

Jorge chegou ao seu escritório exausto pela discussão com Alberto. Como um homem podia ser tão egocêntrico? A empresa estava funcionando bem.  Tinha que se reconhecer que Alberto era um excelente administrador, mas não fazia tudo sozinho.  Várias vezes já tinha se apoderado de ideias que não vieram dele e, aos olhos da matriz americana, ele era o único responsável e o fio condutor do crescimento dos negócios.

Dias depois, Jorge foi surpreendido por uma videochamada, em que um dos diretores americanos o cobrava por uma atitude, que não tomara. Percebeu imediatamente que estava pisando em um campo minado.  Ao desligar, seu sangue fervia. Respirou fundo para se acalmar e jurou a si que iria retaliar essa rasteira.

A extrema discrição de como Alberto levava a vida particular, como tivesse erguido um alto muro, que o separava da convivência com as pessoas próximas, sempre o deixou curioso.  Quem era aquele homem, afinal?

Com muita astúcia, aproximou-se da secretária de Alberto e, conversando com ela, soube que ele era muito discreto e fechado.  Trocava de namorada constantemente e a única pessoa a quem parecia ter afeto era sua mãe, a quem visitava ocasionalmente, mas não tinha conhecimento de onde morava, nem mesmo qual era seu nome.

Jorge mastigou essas informações por dias e resolveu contratar um detetive para segui-lo.  Quinze dias depois, o homem lhe trouxe uma informação, que o surpreendeu.  Viu o grande homem entrar em um prostíbulo de luxo. O espanto estampou-se no rosto dele. O mau cheiro da descoberta franziu seu nariz.  Alberto, o arrogante todo-poderoso, frequentava prostíbulos. Tinha que investigar isso.

À noite, após ter tido uma feia discussão com a esposa, que não o queria metido nessas coisas, saiu e foi ao lugar.

Admirou-se com o requinte do ambiente. A fumaça e o cheiro de cigarros espalhavam-se pelo ar.  Poucas luminárias deixavam o lugar envolvido em mistério e expectativa.

Uma recepcionista o atendeu, o levou até uma mesa e lhe ofereceu uma bebida, que ele prontamente aceitou para aliviar a tensão que aquela tão inusitada situação estava lhe causando.

O drinque foi lhe trazido por uma bonita jovem, que se sentou ao seu lado com um olhar provocativo.  Jorge tentou se manter natural e sorriu para ela. Fingindo interesse, disse que quem recomendou o lugar foi um amigo, Alberto, e perguntou se ela o conhecia.

— Alberto? Há muitos Albertos, que aparecem por aqui.

— Dias Leme, completou.

— Ah! Albertinho.  Todas aqui o acham um gato, mas não podemos nos aproximar dele.

— Verdade? Exclamou com cuidado, esperando o que viria.

— Morgana não nos perdoaria!

— Ela é assim tão ciumenta!

 A moça caiu numa gargalhada.

— Muito!  É a mãe dele e a mandachuva de tudo isso aqui.  Jorge jogou o peito para trás, como se tivesse levado um soco. Ficou calado por uns instantes. O grande homem era filho de uma cafetina e com certeza ex-prostituta.  Emborcou a bebida de uma só vez. Disfarçando, sorriu para ela.

Tirou o celular do bolso e fez uma careta:

— Meu Deus! Meu filho acidentou-se.  Tenho que ir.  Disse, fingindo estar muito assustado.

E com um olhar sedutor, completou:

 — Volto outro dia.

O ar fresco da noite foi absorvido não só pelo seu corpo, mas por sua alma.  Tinha um trunfo para encurralar o arrogante chefão.  

 

- 3 –

 

Entrou no escritório de Alberto com passos firmes.  Cumprimentou-o sério e o outro mal levantou a cabeça para responder.

Estava ali para defender um grande projeto, que a equipe elaborou com muito esmero e competência, e que ele fora o responsável em dirigir.

Sentou-se e foi direto ao assunto, colocando os papéis que continham, passo a passo, a organização do trabalho.

Alberto pegou-os, folheou e os leu rapidamente.

— Vejo que seguiram minhas orientações.  Está ótimo esse projeto.

Jorge levantou as sobrancelhas.  Ele não havia colaborado em nenhuma parte daquele trabalho.  Disfarçou um sorriso irônico.  Como sempre, queria ser o responsável por tudo o que era positivo na empresa.  Pousou um olhar firme e diante dele estava um homem ainda jovem, querendo defender sua posição. 

De repente, um sentimento contraditório tomou conta dele. O passado o tornara assim. A altivez, a intolerância, eram filhas da vergonha, que cultivava dentro de si por ser filho de uma prostituta, com certeza criado em um prostíbulo. Como teria sido sua vida de criança e adolescente? Mesmo que sua mãe tivesse tentado separá-lo de seu trabalho, ele devia ter se sentido só e à margem do caminho de outros jovens.

O desejo de revanche se desvaneceu naquele momento. A piedade transbordava de seu rosto.

— Você é um grande executivo, Alberto.  Merece a posição que ocupa.  Posso imaginar como se esforçou para chegar onde está.

Alberto olhou desconcertado e surpreso para ele.   Sempre se concentrou em fazer um bom trabalho, não se importando com a opinião dos que estavam ao seu redor. Gostar ou não dele não era importante.  Naquele momento, porém, as palavras de Jorge tocaram no fundo, de sua alma.  Ele se sentiu aceito.  Não precisava lutar o tempo todo para ser visto e considerado. Tinha que se libertar de suas profundas inseguranças.

Estendeu a mão para Jorge sorrindo e, pela primeira vez, disse:

— Muito obrigado!

 

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