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quarta-feira, 5 de março de 2025

SIRIGAITA - PEDRO HENRIQUE

 






SIRIGAITA

PEDRO HENRIQUE

 

Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea.

Gênesis 2:18

 

     Almas do subsolo da humanidade, oremos pelo amor de cada dia que nos é dado por compaixão e misericórdia.

     Ó, lobas que correm na alcateia em busca do acalento universal, louvem o momento do preparo. Eu já estive aí, sei o que é ser uma rosa murcha, sem vida, impotente. No entanto, meu marido, meu amado marido, deu-me vida.

     Ele é um homem admirável, respeitado, fiel e servo de Deus. Pensem em um homem de oração e, ainda assim, não chegarão nem perto.

     E é por isso que eu o amo tanto. Porém, tenho um trabalho enorme para estar ao seu lado. Vocês acreditam que um bando de sirigaitas fica em cima dele? Será que elas acham mesmo que podem me substituir? Eu rio dessas sem rumo que andam por aí.

     Antes de vir parar aqui, no outro lado de tudo, eu colocava elas pra correr. Era um verdadeiro gato pulando em cima do rato e o mostrando quem é que manda.

     Meu marido me achava corajosa por tais feitos, só às vezes me detia: “Eh, mulher, para com isso, tá todo mundo olhando.”

    Mas eu não me importava, aquelas impuras deveriam ser repreendidas. Não passavam de um bando de putas fáceis correndo, como cachorras que são, atrás de homem alheio. “Aqui não, piranhas. Esse é meu. Foi Deus quem me deu.”

     E com sadismo, varria-as do meu caminho. Porém, agora eu morri. Harm! Dá pra acreditar? Quem vai afastar essas imorais? Daqui a pouco, elas estão deitando na minha cama. Não… O homem é só meu. Mas de jeito nenhum.

     Foi o único que ficou ao meu lado quando papai morreu. Lembro que todo dia ia lá em casa me ver e saber como eu estava.

     Teve uma vez que foi debaixo de chuva e ainda trouxe consigo uma broa que dona Zezé, minha sogra, havia feito.

     Ele sempre me alegrava e me trazia um mimo. Depois, pediu minha mão à mamãe e nos casamos. Éramos bem novos na época, entretanto o amor tem pressa.

     E falando de mamãe, foi ela quem permaneceu ao meu lado quando fiquei de cama pela morte de papai. Rejeitava com ímpeto a possibilidade de sair do meu lado. Trazia comida, me dava banho e trocava minha roupa de cama.

     Fazia isso tudo mastigando, a contragosto, seu luto.

     Mamãe também adorava ficar comigo e meu marido quando ele vinha me ver. Às vezes, Ana, minha irmã do meio, também ficava com a gente. Eu gostava desses momentos de família, não tenho dúvidas de que foram eles que me ajudaram na recuperação. Enfim.

     Logo após esse período de trevas, veio o casamento, consequentemente o primeiro filho, depois o segundo, em seguida o terceiro e fechei a firma com o quarto. Para mim, estava ótimo.

     Mamãe, mais uma vez me ajudou, sempre me acompanhava nos ultrassons e ia comigo ver as roupinhas dos bebês. Ela afirmava que sentia como se meus filhos fossem seus filhos também.

     Só não gostava quando ela me usava para cutucar Ana.

     Vivia dizendo em alto e bom som nos almoços de família: “Queria que sua irmã tivesse uma família tão linda como a sua.”

     E, de fato, éramos uma boa família. Claro, tínhamos nossos momentos de turbulência, mas não eram nada diante de uma oração fervorosa.

     Eu era muito grata. Sempre agradeci por cada filho que Deus me deu. Porém, obviamente, fui muito testada com eles, Lourenço, o mais velho, principalmente.

     Hurm! Ele é um bom garoto, é muito parecido com meu pai.

     Teve até um momento, quando ele começou a ganhar prumo, que cheguei a dizer em voz alta a palavra “reencarnação”, todavia logo ceifei, intensamente, esse termo. “Deus me livre. Isso é coisa do diabo.”

     Mas voltando aqui para o Lourenço e todo o trabalho que ele me deu. Olha, leitor, pense em um garoto que gosta de um rabo de saia. Jesus, Maria José!

     Tentei, tá, juro que tentei, só que nada adiantava. Nada. Absolutamente, nada. Com o tempo fui deixando pra lá, fiquei muito cansada, até porque brigar só estava afastando meu filho de mim e agora comigo morta, o pai vive no bar e ele, vive no bordel.

     Vocês estão entendendo? Nada adiantou mesmo.

     Só fico me perguntando, onde foi que eu errei? Eduquei esse menino tão bem. O pai que, vez ou outra, dava muita liberdade, mas eu não.

     Sempre fiz ele ir comigo para a igreja, quando houve o batismo e ele não queria ir, dei uma coça nele, de fazer as costas terem que ser lavadas com água e sal até ele querer se batizar também.

     Nunca deixei ele sair por aí de namorico, e agora ele virou isso? Meu Deus! Não. Eu não aceito uma coisa dessa.

     Ahr! Eu não posso ficar aqui. Não posso. Meus meninos precisam de mim, meu marido precisa de mim.

     Só que… pera aí, como foi que cheguei aqui? Como morri? Só lembro de estar chegando em casa e ver uma vagabunda em cima do meu marido.

     Bati muito nela, muito mesmo, dei a ela o que merecia. Onde já se viu seduzir o homem do zoto e ainda querer ficar se apertando com ele?

     Estapeei mesmo, dei uma coça, entretanto, logo em seguida, senti o peito apertar, a respiração faltar, o suor emergir frio e, quando me dei por mim, já estava aqui.

     Não. Não mesmo. Eu me recuso a acreditar ter visto o rosto de minha irmã, minha preciosa e amada Ana, naquela sirigaita.

 

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