A
última carta.
Adelaide Dittmers
Suzana
segurou o envelope meio amassado, como se tivesse passado por diversas mãos. Um
frêmito sacudiu seu corpo. Há muito
tempo não recebia notícias dele. O trabalho humanitário que realizava como
médico, em lugares longínquos da África, dificultava o envio de
correspondência.
A
promessa de voltar ainda não fora cumprida e a dor da separação e o medo de que
algo imprevisível e mau acontecesse com ele naquelas terras traiçoeiras a
angustiavam.
Com
cuidado, rasgou o envelope. Desdobrou a carta muito devagar. Notou a letra
trêmula do namorado e sentou-se para ler.
Havia manchas no papel, como se tivesse sido escrita em um lugar
improvisado. Ansiosa e preocupada,
iniciou a leitura, mal conseguindo segurar a folha, que parecia estar sendo
sacudida por um forte vento.
“
Minha querida,
A
saudade que tenho de você é intensa, muito maior do que qualquer dor física,
mas o árduo trabalho de tentar ajudar os pobres habitantes deste lugar
esquecido sempre me tomou a maioria do tempo. Como você sabe, a fome mata
crianças e, quando não é a fome, as epidemias dizimam grande parte da
população. Estamos sempre no centro de
um furacão devastador, que consome nossa energia e nos faz, cada vez mais,
desacreditar da humanidade dos homens.
Recentemente,
comecei a me sentir fraco e febril, sem forças para realizar meu trabalho e
esse mal-estar foi aumentando de maneira assustadora, até descobrirmos que fui
atingido por uma virose muito perigosa chamada febre de Lassa, que está se
espalhando por aqui e matando muita gente.
Minhas chances de recuperação são mínimas. Querem me levar para a
capital, mas sei que meu fim está próximo e não tenho forças para enfrentar a
viagem, mesmo transportado por um helicóptero.
Apesar
de tudo, não me arrependo de ter optado por esta experiência. Tenho consciência
de que não poderia salvar o mundo, mas poderia contribuir para aliviar o
sofrimento de muita gente. ”
Nesse
momento, Suzana levantou a cabeça e trouxe a carta junto ao peito. Lágrimas molharam o papel. Esse sempre foi o
seu pavor, de perdê-lo para o seu idealismo.
Admiração e revolta misturaram-se no seu interior. A interrupção da
correspondência tinha acendido um sinal amarelo em sua mente e agora a
constatação dos seus temores chegou de maneira abrupta e definitiva.
Com
esforço, fixou os olhos no papel, mas as letras dançavam sob suas lágrimas,
embaçando sua visão. Com um gesto
brusco, enxugou os olhos:
“Quero
lhe dizer que nunca deixei de a amar, mas teria traído a mim mesmo, se não
tivesse dedicado uma pequena parcela da minha vida a esta missão. Você sempre
esteve presente nos meus pensamentos.
Não
chore pela minha partida. Os bons momentos
que dividimos é que têm de ser lembrados. Siga com sua vida".
Amo
você,
Gilberto.
Suzana
levantou-se. Soluços sacudiam seu peito.
Não iria mais ver aquele homem corajoso e generoso. Sentia-se devastada. Foi até a escrivaninha,
abriu uma gaveta e retirou um maço de cartas e as apertou no peito, como se
quisesse abraçar Gilberto. Colocou-as novamente na escrivaninha. Pegou novamente a última carta e a colocou
dentro da blusa. Queria estar com ele
nos últimos dias de sua vida, mesmo que milhares de quilômetros os separassem.
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