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quarta-feira, 1 de maio de 2024

Incorrespondência. - Vanessa Proteu.

 




Incorrespondência.

Vanessa Proteu.

 

 

Clara já estava acostumada a receber cartas de William, afinal já fazia um ano que ele havia se divorciado e eles começaram a se aproximar bastante.

Sempre que possível, o rapaz alto, atraente, galante e muito bem-vestido se oferecia para levar Clara em sua casa. Ele, com 40 anos e uma experiência de um casamento frustrado de quase duas décadas. Ela, solteira aos 25 e à espera de um príncipe encantado.

— “Eu tenho nome de príncipe”, disse ele, com tom apaixonado, em uma de suas conversas.

Ele a elogiava com palavras tão doces que ela se sentia especial e, quando se viam, era como se o céu tocasse o chão. Por outro lado, quando estavam distantes, ansiavam pelas cartas um do outro.

Clara queria receber de William uma declaração. A jovem vivia imaginando o dia em que ele a escrevesse dizendo sentir o mesmo que ela. Ele era tímido e talvez tivesse medo de olhar em seus olhos e dizer o que sentia.

O fato é que as conversas eram profundas, as cartas eram frequentes e estavam cada vez mais próximas. Ela sabia tudo sobre ele: que sua cor preferida era o azul, seu prato predileto era camarão, o que o angustiava, a profissão que ele teria feito se não fosse contador, sua vontade de morar na praia e o quanto ela o fazia bem...

Era sexta-feira e Clara estava esperando notícias de seu amado. Ele tinha viajado e ficaria fora por pouco mais de um mês. Ela estava ofegante, ansiosa, pois sempre que ele viajava, escrevia para ela descrevendo, com riqueza de detalhes, as belezas do lugar. No entanto, nenhuma carta foi entregue e ela estranhou. “Deve estar com muito trabalho”, pensou, sem dar muito espaço à intuição.

Na segunda-feira, à tarde, Clara saiu do trabalho e foi verificar se havia chegado alguma correspondência. Pegou na caixinha um bolo de cartas e começou a olhar atentamente o remetente de cada uma. À medida que ia verificando, suas mãos suavam, seu coração disparava e suas pernas ficavam trêmulas, como se William estivesse em sua frente. — "Envelope do Banco, cartão postal da tia Dulce, folheto de propaganda de restaurante, santinho de candidato político, folheto de testemunha de Jeová...” o suor começa a escorrer em seu belo rosto e finalmente, no fundo da caixinha, a tão esperada carta intitulada: À minha querida amiga.

Ao ler, o brilho dos olhos foi se apagando, o sorriso sumindo, dando lugar às lágrimas. Clara correu para o quarto onde ela sempre ficava desde que se deixou levar por esse amor platônico e se pôs a escrever: “ Divergência, eu sei. Nossos olhos não se encontram. Carência, talvez. Não consigo enxergar. Minhas mãos gélidas conversam com as suas que não têm nada a falar. Incompetência, eu falhei! Não sei conquistar. Minha voz a te seguir e a sua a fugir procurando quietude. Paciência, eu clamei! Exigindo atitude. Sob os pés, não há chão, há um tapete de nuvens. Chegará ao coração? Procuro na ausência um porquê, pena não ser a minha vocação. Se eu soubesse tocar, tocaria em você, não um toque de pele, mas um toque do ser; te encontraria nas ondas que agitam o mar. Se não fosse imprudência, eu te abraçaria e te arrancaria do seu singular.”

No entanto, Clara resolveu rasgar a carta e não se comunicou mais com seu príncipe William, pois na correspondência, dentre outras coisas, ele dizia ter boas notícias, pois havia conhecido alguém.

“Hum, boas notícias, pra quem?”

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