As Meninas da Casa Verde – CAITANA
Adelaide
Dittmers
Caitana, a mais velha das meninas da Casa
Verde, muito religiosa e sóbria, era respeitada pelas irmãs. Ditava as regras de conduta e influenciava o
comportamento delas. Muitos segredos
eram trocados entre as meninas sem o conhecimento dela.
Os passeios pela São Paulo do fim do século
XVIII eram sempre alegres e esperados pelas jovens, que se divertiam umas com
as outras. Sempre juntas, parecia um
bando de pássaros, gorjeando pelas ruas estreitas da cidade e se deliciando com
os olhares cobiçosos dos rapazes, escondendo com as mãos enluvadas os sorrisos
arteiros, que esses olhares despertavam. Caitana as censurava com um olhar
penetrante, mas no íntimo se enternecia ao ver as irmãs felizes ao atraírem a
atenção e muitas vezes os sorrisos galanteadores dos jovens, que tiravam as
cartolas para as cumprimentar.
Ao voltarem para casa, cochichavam e riam do
interesse que despertavam por onde passavam. Caitana fingia que não percebia o
entusiasmo das irmãs, mas se preocupava com os desejos de romances tão
marcantes nessa idade.
Muito ricas, Caitana temia que muitos pudessem
se aproximar delas movidos por interesses financeiros, mas havia um motivo mais
forte, que a levava a esse temor.
Certa tarde, em que uma chuva de verão cobria
a cidade, ela sentou-se no terraço, os olhos perdidos vagando ao redor sem
realmente ver alguma coisa. Lágrimas
discretas brilhavam nos belos olhos castanhos. Os pensamentos e o coração
estavam em outro lugar da cidade, onde habitava seu segredo. As irmãs sentadas à volta de uma mesa faziam
seus jogos favoritos, gritando umas com as outras.
Hipnotizada pelo tamborilar da chuva no
telhado, as lembranças inundaram-na como uma avalanche. Os dias em que passava
no sítio do irmão José Arouche, muito conceituado e conhecido na São Paulo
daquela época. O cafezal, que cercava a casa grande, o arrozal um pouco mais
distante, as longas cavalgadas pela região e os banhos nas águas cristalinas do
rio Tietê.
Uma
lágrima teimosa despencou pelo seu rosto, quando se recordou de um dia quente
de verão, em que as jovens se deliciavam com um refresco no grande terraço da
casa da fazenda, quando um bonito corcel negro se aproximou a galope, trazendo
na garupa um elegante rapaz. Curiosas e
surpresas levantaram os olhos dos copos. Quem seria ele? As meninas mais novas,
crianças ainda, correram alvoroçadas para chamar o irmão, que apareceu, e ao
ver o cavaleiro, seu rosto se iluminou com um grande sorriso.
—
Amadeu, meu amigo! Que surpresa! Até que enfim está cumprindo sua promessa!
O
viajante apeou e veio de encontro do amigo.
Abraçaram-se e apertaram as mãos.
—
Como prometi, vim passar uns tempos com você para relembrar os bons tempos, que
passamos juntos.
Amadeu
morava no interior de São Paulo, onde seu pai era um grande e poderoso
fazendeiro de café.
Subiram
as escadas juntos e ao chegarem ao terraço, o moço cumprimentou as meninas,
baixando a cabeça respeitosamente, mas seu olhar se deteve em Caitana, que, aos
dezoito anos, exalava uma beleza delicada e graciosa. A jovem baixou os olhos, sentindo um calor
subir-lhe as faces.
Os
dois amigos passaram o dia conversando e José conduziu Amadeu pelo cafezal, enquanto
as meninas caminhavam pelas margens do rio, rindo e comentando a chegada do
hóspede.
Caitana
seguia-as sem prestar atenção ao falatório delas. O olhar intenso do rapaz a atingira com uma
intensidade que nunca sentira.
No
dia seguinte, ele aproximou-se da moça e começaram a conversar, ela, porém, mal
conseguia encará-lo. A timidez ruborizou
seu bonito rosto. Aos poucos se deixou levar pelos assuntos leves e divertidos
de Amadeu, que ao saber que ela gostava de cavalgar, combinou de saírem para um
passeio no fim da tarde.
As
cavalgadas tornaram-se constantes. Os
dois passavam horas pelos caminhos, apeavam para passear pelos campos ou pela
beira do rio, onde tiravam as botas para refrescarem os pés na água gelada e
transparente.
Aos
poucos, uma paixão incendiou o coração dos dois, que disfarçavam o que estava
acontecendo, diante da família. Junto às
meninas brincavam e escondiam os sorrisos cúmplices do namoro, que acontecia
entre os pés de café, nas grandes cavalgadas ou em um pequeno barraco, onde
eram guardados utensílios para a lavoura.
O
tempo foi passando e um vento fresco anunciou a chegada do outono. Uma manhã
iluminada pelo sol chegou vestida de cores suaves. Na grande sala, o café farto
foi servido. As meninas não paravam de
tagarelar ao programar o dia. Caitana e
Amadeu, no entanto, estavam mais calados.
Ele tinha que voltar à fazenda da família. Na noite anterior, tinham se comprometido a
se corresponder até ele voltar, quando então contariam para todos sobre o amor
que os unia. Preocupado disse a Caitana, que tinha que conversar com o pai, que
era muito rígido, sobre o namoro. Ela notou uma certa reticência ao lhe falar
sobre isso, mas presumiu que era a emoção pela despedida que se aproximava.
De
volta à casa verde da cidade, a rotina as envolveu. Dois meses passaram e apesar de ter enviado
várias cartas para o namorado, não recebeu nenhuma letra dele. O abatimento e o
olhar triste apagavam a vivacidade do seu rosto. Não conseguia entender o comportamento de
Amadeu.
Começou
a sentir-se indisposta. Não suportava o
cheiro da comida, que a nauseava. Os
vestidos a apertavam.
Estava
distante e ansiosa, sempre perguntando para Tiana, a mucama das meninas, se não
chegara nada para ela.
A
escrava estava assustada, principalmente porque percebeu a falta de regras da
moça. Então, em uma tarde que estavam a sós em casa, armou-se de coragem e com
voz trêmula perguntou:
—
Nhazinha, o que vosmecê andô fazendo?
Caitana
arregalou os olhos:
—
Por que está me perguntando isso, Tiana?
—
Porque a sinhazinha vive enjoada e as regras pararam. Vive nervosa esperando alguma coisa, que num
sei o que é.
— O
que isso quer dizer?
—Vosmecê
teve com algum home?
Caitana
prendeu a respiração. De repente,
jogou-se no corpo macio da mucama, que a abraçou. Quantas vezes acalentara aquela menina, que
viu nascer e a quem amamentara. As
lágrimas das duas se misturaram.
—
Como você sabe, Tiana?
—
Vosmecê tá esperando um fio.
Os
soluços sacudiram a jovem e de repente ela desfaleceu. A escrava a amparou, levando-a para um
sofá. Rapidamente foi a procura de
sais. Caitana foi voltando devagar. O olhar pálido fitou Tiana procurando ajuda.
—
Vão me apontar o dedo como uma mulher sem caráter. Vou me tornar uma excluída
na sociedade. Meu irmão ficará furioso e não vai aceitar e se ainda descobrir
quem é o pai, poderá acontecer uma desgraça. O que vai ser de mim?
—Vamo
escondê isso. Ninguém vai sabê.
—
Como? Lágrimas amargas inundaram o seu rosto.
— Os
vestidos das meninas são bem armados.
Mais armações vão escondê sua barriga
— E
quando a criança nascer? Disse com a voz entrecortada pelo choro.
— A
menina não pode ficá com ela. Tem o
convento de freiras, que muita moça deixa crianças. Levo lá.
A
moça inclinou-se, as mãos encobrindo os olhos.
—
Não sei se vou conseguir abandonar um filho!
—
Não vamos deixá na roda. Falo com as
freiras de quem é a criança. Elas sabem
guardá segredo. Podemos ir vê ele sem ninguém sabê.
A
jovem abraçou novamente a mucama, buscando refúgio nos braços fortes dela.
Os
dias cinzentos do inverno chegaram com ventos gelados e uma garoa que salpicava
a cidade com suas gotas finas. As sete irmãs ficaram aconchegadas dentro de
casa. Espalhadas pela grande sala e armadas de bastidores, passavam os dias
bordando e tagarelando. Caitana as
observava, disfarçando a tristeza e o medo de ser descoberta.
Em
uma madrugada fresca de outubro, sob um céu estrelado e uma lua cheia, que
prateava a cidade e o aroma das flores noturnas da primavera espalhava-se pelo
ar, Caitana acordou com fortes dores.
Sentou-se na cama e um líquido escorreu pelas suas pernas. Com uma das mãos tapou a boca para impedir
que um grito de dor acordasse uma das irmãs, com quem dividia o quarto. Com dificuldade, arrastando os pés, saiu de
mansinho pelo comprido corredor, que levava até o quarto da mucama, que ficava
no fundo da casa. No meio do caminho, parou, segurando a barriga e contraindo-se,
pela dor lancinante que atravessou seu corpo. Bateu à porta e a sombra da fiel
negra apareceu.
—
Chegou a hora. Vou morrer. É muita dor!
Calada,
Tiana a conduziu a sua cama e fez com que se deitasse. Acendeu uma vela, que
colocou ao lado dela.
—
Vou buscar um candelabro e Justina, que já trouxe muitos meninos a este
mundo. Calma, fia!
Tiana
e Justina trouxeram água quente e ficaram ao lado dela, acalmando-a e
incentivando-a, quando as fortes contrações a contorciam. Depois de algumas horas, o choro do bebê
encheu o pequeno aposento. Tiana o embrulhou em várias mantas. Caitana pediu para segurá-lo. Um menino rosado fazia careta, mexendo a
boquinha. Ela o apertou junto ao peito,
molhando o pequeno com suas lágrimas.
Tiana
e Justina se entreolharam. Sabiam o que
ela estava sentindo, a dor de ter filhos arrancados de seus braços.
—
Sinhazinha, tenho que levá a criança.
Daqui a pouco o dia chega.
Delicadamente
tirou o bebê dos braços de Caitana e virando-se para Justina, disse, indicando
uma cadeira.
—
Ponha essa camisola limpa nela e leve ela para o quarto. Vai muito devagar para não acordá Maria Rosa.
E voltando-se para Caitana:
—
Amanhã a sinhazinha fica na cama. Pra todas, vai tá doente.
Saiu
pela porta afora com passos rápidos.
Atravessou as ruas vazias do fim da madrugada quase correndo. Alcançou o convento e tocou o sino da porta. Uma freira sonolenta apareceu já acordada
para as orações matinais. Como
combinado, entregou a criança, dizendo de quem era e que o segredo tinha que
ser mantido. Viria visitá-lo sempre que pudesse. Entregou uma bolsa de pano com muito dinheiro,
recomendando que ele fosse bem cuidado.
Deveria ser batizado com o nome Joaquim. A freira mandou-a entrar e
chamou a madre superiora a quem contou o que estava acontecendo. A superiora olhou com piedade para a criança
e prometeu que nada faltaria ao menino.
Caitana
permaneceu alguns dias na cama, mas se levantou antes do fim do resguardo. Não queria muitas perguntas sobre sua
doença. Disfarçava, com sorrisos, a tristeza
que lhe comprimia o coração. Daquele dia
em diante, redobrou os cuidados com as irmãs, sendo mais rígida com o
comportamento delas, pois não queria que uma das meninas tivesse o mesmo
destino dela.
Em
algumas noites, enquanto a casa dormia, ela e Tiana sorrateiramente iam até o
convento para ver o menino. A jovem
passava as mãos pelos cabelos dele, já adormecido e o beijava ternamente.
Cinco
anos haviam passado.
Envolvida
em suas lembranças, assustou-se quando uma das irmãs a chamou:
—
Caitana, vosmecê está no mundo da lua.
No que está tão concentrada e distante?
Ela
sacudiu a cabeça e os pensamentos.
— O
que foi, Pulquéria?
—
Estamos combinando a nossa ida para a fazenda, amanhã. Esqueceu que o José vai
receber a visita daquele moço, Amadeu, de quem vosmecê ficou tão amiga.
Caitana
estremeceu. Claro que lembrava, essa
visita é que a fez recordar de tudo o que tinha acontecido. Como ela iria
encará-lo? Fora enganada, mas tinha que
ter forças para encobrir os sentimentos de decepção e mesmo de raiva, que tinha
por ele. Uma certeza ela tinha, que iria
lhe contar sobre a existência do filho.
Sol
e uma temperatura agradável receberam o dia que nascia, envolto por um céu
colorido pelos tons suaves do amanhecer. Na casa verde, as meninas se vestiam
alvoroçadas e apressadas para irem à fazenda do irmão. Estavam ansiosas para rever Amadeu, de quem
tinham boas recordações. A inquietude de Caitana estava espelhada no seu olhar
distante e distraído.
Perto
das dez horas da manhã chegaram à fazenda.
A algazarra ecoava nas paredes da sala, com todas querendo falar ao
mesmo tempo. A irmã mais velha era a
única, que conversava com José com voz baixa sobre assuntos da fazenda.
Quando
o sol estava a pino, uma nuvem de poeira anunciou a aproximação de uma charrete,
puxada por dois cavalos e dirigida por um cocheiro negro. Nela um casal e uma criança eram sacudidos
pelos desníveis da estrada.
As
seis meninas e o dono da casa apareceram no terraço atraídos pelo trotar dos
belos animais. As jovens acenaram para
os viajantes, dando-lhes as boas vindas. Mais atrás, com passos lentos, Caitana
chegou até eles. A palidez encobria o
belo rosto, o coração quase escapava pelo peito, que subia e descia sem
controle.
O
cocheiro puxou as rédeas com força e parou em frente à casa. Todos, com exceção de Caitana, desceram para
receber os visitantes. A moça apertou as mãos na grade do terraço ao ver Amadeu
chegar acompanhado. Tudo girou à sua
volta. Respirando fundo, conseguiu se
controlar.
Amadeu
subiu as escadas com a menina no colo.
Ao se deparar com ela, seu rosto foi coberto por uma nuvem de tristeza.
Os dois de cumprimentaram com um baixar de cabeças. Ele constrangido e ela
secamente.
O
almoço transcorreu alegre, somente Caitana se manteve silenciosa. Sorrisos apagados surgiam no seu rosto. O olhar triste pousou algumas vezes na esposa
de Amadeu. Não era uma mulher
bonita. Pouco falava e a atenção era
dirigida à filha ao seu lado. Em certo
momento, os olhares de Amadeu e Caitana se cruzaram e ela baixou os olhos.
Depois
do almoço, todos foram para o terraço.
Caitana se desculpou, dizendo que estava com dor de cabeça e se retirou
para o quarto. No fim da tarde, as
meninas e Amadeu resolveram encilhar os cavalos e dar uma volta pelas
redondezas, enquanto José e o capataz inspecionavam a plantação. A mulher do visitante levou a menina para ver
os animais da fazenda. Ela não gostava
de cavalos. Bordar era sua atividade
preferida. Calma e introvertida parecia uma sombra quando estava ao lado do
exuberante marido.
Caitana
apareceu, quando o dia já se despedia
vestido das cores prateadas do anoitecer.
Amadeu se aproximou dela, perguntando-lhe se estava melhor. Balançando a cabeça, ela respondeu que sim e
fixando os olhos nele, disse em voz baixa e firme:
—
Precisamos conversar. Amanhã vou esperar
vosmecê perto do barraco dos utensílios da lavoura.
E se
afastou. O moço engoliu seco. A
determinação dela o assustou. O que
podia esperar dela. O arrependimento de ter aceitado o convite do amigo enrugou
seu rosto. Ele sabia o tamanho do erro, que tinha cometido contra ela.
Naquela
noite nenhum dos dois conseguiu dormir.
Ele, na expectativa do que viria da parte dela. E ela pela gravidade do
que iria lhe contar.
Logo,
após o café, Caitana saiu a cavalo. Meia
hora depois, Amadeu disse que iria dar um passeio e saiu a pé para disfarçar o
encontro. Tinha que andar uma longa
distância para chegar ao lugar marcado e precisava de tempo para enfrentar aquela
conversa, porém, não podia fugir a essa situação, devia isso a ela.
Avistou-a
sentada na relva, que descia como um tapete verde até o rio. Suspirou fundo e se aproximou. Ela se virou devagar, mas não se
levantou. O olhar frio o atingiu como um
punhal. Ele sentou-se ao lado dela e ela disparou:
—Como
vosmecê ousou fazer isso comigo, sendo amigo do meu irmão, traindo sua
confiança e me enredando em uma teia de falsidades. Eu acreditei no seu amor e me deixei levar
pela sua lábia. Não respondeu às minhas
cartas, tratando-me como uma qualquer, que tivesse encontrado por aí e não como
uma moça de boa família.
Ao
terminar todo seu corpo tremia. O moço
baixou a cabeça, a mão nervosa revolvendo a relva. Um pesado silêncio se abateu sobre os
dois. Vagarosamente levantou os olhos
para ela:
—
Não foi minha intenção desrespeitá-la e magoá-la. Eu me apaixonei por vosmecê.
Nunca senti nada assim por ninguém. Meu
erro foi me ter deixado levar por esse amor. Estava comprometido a casar com
uma jovem, que hoje é a minha esposa. Nunca a amei e não a amo, apenas a
respeito. Só aceitei essa união obrigado pelo meu pai. Você não o conhece, é um homem rígido e de
temperamento forte. Não admite ser
contrariado. Arrumou esse casamento com
a filha de um grande fazendeiro da região pela ambição de que no futuro eu iria
ter terras a perder de vista. Mas eu não
queria me casar com ela e vim para cá para fugir às imposições dele e deixar o
assunto esfriar.
Ele
respirou fundo e calou por um momento para se recuperar. A jovem olhou para ele surpresa com o
desabafo. E ele, com o olhar perdido no
horizonte, continuou:
Quando
voltei daquela temporada que passei aqui, contei a ele que tinha conhecido a
moça dos meus sonhos e que não iria me unir a escolhida por ele. Ficou furioso,
disse que só se eu passasse por cima do seu cadáver. Que palavra dada era palavra cumprida. Ele conhecia sua família, mas mesmo assim não
quis ceder. Começou a ter dores no peito e fiquei com medo que tivesse um
ataque de coração. O pavor disso me acovardou.
Fui um fraco. Perdoe-me. Por isso não respondi as suas cartas. Não sabia o que iria lhe dizer. Não suportava lhe contar tudo isso.
—
Então não devia ter me iludido. Deveria
ter me contado sobre tudo isso. Disse
friamente e acrescentou com uma voz trêmula.
Não o chamei para esta conversa só para despejar minha indignação contra
vosmecê e sua covardia. Tenho algo muito
mais importante para revelar.
O
rapaz olhou-a assustado.
—
Tive um filho seu, que ninguém sabe de sua existência, só minha mucama, que é
como uma mãe para mim e outra escrava. A voz de Caitana era como uma lâmina que
cortou o ar.
Amadeu
recuou como se tivesse levado uma bofetada. O choque paralisou seus movimentos
e as palavras ficaram presas em sua garganta.
—
Não lhe escrevi sobre minha gravidez, porque já não esperava mais nada de vosmecê,
depois de seu silêncio.
Ele
balançou a cabeça de um lado para outro.
—
Mas se tivesse contado, talvez tudo tivesse sido diferente. A voz soou como uma
rajada de vento.
O
que foi feito da criança? É menino ou menina?
—
Menino. Tem cinco anos e foi entregue a
um convento. Tanto a mucama como eu o visitamos, sempre que possível, sem que
ninguém perceba e quando o fazemos levamos dinheiro para ajudar as freiras para
ele ser bem cuidado, se bem que todas elas se afeiçoaram a ele.
Lágrimas
toldaram a visão de Caitana. Amadeu
segurou as mãos da moça, tentando conter a emoção, que o tomou por inteiro.
—
Perdoe-me pelo sofrimento que lhe causei!
—
Não estou revelando tudo isso por nada.
Quero lhe pedir para tomá-lo como filho.
Ele merece um lar e uma boa educação.
Sei que vai ser difícil aparecer com uma criança diante de sua mulher...
Ele
a interrompeu:
— Há
muitos casos assim por aí. Posso
inventar que foi um deslize com uma moça qualquer daqui. Minha mulher não manda nada e tem uma boa
índole e meu pai deseja muito um herdeiro homem e vai aceitar, ainda mais que
minha mulher teve um parto muito difícil e não
pode ter mais filhos.
—
Então vosmecê aceita ficar com ele. Sentimentos contraditórios a possuíram
nesse momento.
—
Sim, é meu dever para com ele e vosmecê.
— A
única coisa que lhe peço é que sempre me envie notícias. Por favor, jure que vai fazer isso.
—
Não preciso jurar. Prometo. É uma enorme
dívida que tenho em relação a vosmecê. E
pode não acreditar, mas vosmecê foi e será sempre o amor de minha vida. Dizendo
isso a abraçou, comovido. Ela o afastou delicadamente.
No
começo da tarde, dizendo que tinha negócios a tratar na cidade, foi até ao
convento ver o filho e pedir sua guarda.
As freiras ficaram felizes ao saber que o menino iria ter um lar e que
ele era o pai da criança. Na volta conversou com a esposa sobre ter tido um
filho antes de casar e sem muitas explicações disse que o levaria para criá-lo
e que não queria que ninguém da família de José soubesse disso. A mulher
recebeu a notícia com tristeza e resignação.
Depois
da difícil conversa, Caitana resolveu voltar para a Casa Verde. As irmãs se revoltaram. Queriam aproveitar mais os passeios e a
companhia das visitas. Ela aceitou que
ficassem, mas que precisava resolver assuntos importantes na cidade.
Ao
chegar procurou Tiana e contou-lhe sobre o encontro com Amadeu e o que tinha
sido resolvido. Elas se abraçaram chorando de tristeza e de alegria ao mesmo
tempo, porque Joaquim teria finalmente uma família.
Quinze
anos passaram, Caitana perambulava pelo cafezal deserto àquela hora do
dia. Abatida, quase arrastava os pés
pelo chão. Tinha perdido mais uma irmã
para a tuberculose. Sentia-se como
tivessem lhe arrancado mais uma parte do corpo.
De
repente, José veio ao seu encalço.
—
Caitana, temos uma visita.
—
Não desejo ver visitas. Por favor,
deixe-me só.
—
Entendo sua dor. Também não queria ver
ninguém, mas é o filho de Amadeu, meu grande amigo. Está só passando por aqui. Viaja amanhã para Santos para pegar um barco
para Portugal. Estudará em Coimbra.
Caitana
estacou, disfarçando a emoção, que lhe amoleceu o corpo. Respirou fundo e devagar.
Tempos
a tempos, notícias sobre Joaquim eram enviadas a ela, mas não sabia que ele
iria para Portugal.
—
Vosmecê está bem?
Estou. É que não estou preparada para receber
visitas. Respirou fundo novamente. Mas vamos ver o jovem.
À
frente da casa, o rapaz admirava o jardim e as árvores, de onde pendiam mangas
e jabuticabas. Quando sentiu a aproximação
dos dois, virou-se e foi ao encontro deles. Estendeu a mão para Caitana e um
olhar intenso a atingiu. Ele sabe, ela
pensou emocionada. Instintivamente
prendeu a mão do jovem com as mãos trêmulas.
—
Meu pai pediu-me para conhecer seu grande amigo e família antes de
embarcar. Estou apenas de passagem. Tenho que descer a serra, mas estou feliz em
conhecê-la, Sra. Caitana. Há pouco
tempo, meu pai falou-me sobre a senhora e a amizade entre vosmecês. Posso lhe
dar um abraço.
A comoção
paralisou-a por um momento e ela concordou com um leve balançar de cabeça. O choro veio manso e contido. José disse rindo:
—
Minha irmã sempre se queixou de não ter casado e ter sido mãe. E reclama até
hoje das regras rígidas de nossos tempos em que os filhos têm que fazer
casamentos arranjados pelos pais.
Mãe
e filho se entreolharam e um sorriso terno iluminou suas faces. O seu segredo estava ali diante dela e não
poderia ser revelado. Colocando as mãos
no rosto de Joaquim e derramando um doce e significativo olhar, disse devagar:
—
Verdade, meu irmão. Bem que eu gostaria muito que este belo moço fosse meu
filho.
—
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