UMA CERTA MARIA!
(AMORA)
Nasceu
Maria, como tantas Marias do lugarejo em que vivia: Maria dos Anjos, das Dores,
de Jesus, ela, Maria Santina.
Quando
menina, aprendeu tarefas domésticas, carregar baldes d’água na chegada dos
caminhões pipas, carpir terra junto ao pai e colher espigas de milho, quando a
seca não estragava tudo.
Moravam pelo sertão da Paraíba, onde a
pobreza, a falta de saúde, a fome, modifica o pensamento das pessoas,
fazendo-as praticar loucuras.
Desse
tempo, Maria só lembra com prazer, de uma pequena sala que servia de escola à
criançada, alguns colegas e, da moça de fora que lhes ensinava as primeiras
letras. Eram momentos de alegria quando lia e escrevia.
À
medida que cresceu, sob o olhar ambicioso do pai, sua vida se transformou.
Nem
mulher ainda, mal completado treze anos, resolve levá-la para o litoral,
conhecer o mar, desejo local tão sonhado. Maria despede-se da mãe chorosa e
irmãos menores, sem compreender o seu choro.
Lá
chegando, o pai leva-a a passear pelos bares da praia, percebendo gringos que a
olhavam cobiçosos. Resolve fazer negócio, vender a própria filha para um deles,
morador do Rio de Janeiro, garantindo algum dinheiro e o sustento dos filhos
menores. A colheita fora perdida pela grande seca abatida na região. Entrega-a
ao homem estranho, satisfeito, não sem antes usá-la, garantindo a mercadoria.
Maria,
chocada, sem saber o que ainda aconteceria de pior à sua vida, segura a mão do
pai e o obedece mecanicamente.
O
gringo, de nome Artur, trata-a bem, com carinho, dando-lhe comida e modificando
seu vestuário. Só não entendia direito quando a procurava, várias vezes,
durante a noite. Acabou cedo sua inocência, transformação precoce em mulher.
Passado
um tempo, Artur resolve voltar ao Rio. Leva-a com ele. Muda repentinamente de
gênio, revelando-se cafetão de prostitutas mal pagas e mal tratadas, fazendo
Maria juntar-se a elas. Não consegue aprender o ofício. Cada vez que volta à
pensão que moram, sem grana, como ele dizia, leva uns bofetões e é jogada num
canto. Maria chora muito, não sabendo o que fazer da vida. Pensa em acabar com
tudo, tentando suicídio. Ideia que persiste.
Numa
dessas noites, caminhando pelo calçadão, junto às outras, desvia-se delas e
planeja atirar-se à frente do primeiro carro que passa. Não compreende o por
quê? Vem-lhe à mente a professorinha que teve e as primeiras letras que
aprendeu. Começa uma chuva leve e repara nas gotas douradas que se formam
banhadas pelos últimos raios solares do entardecer. Ao longe, uma música suave
e estranha a atrai, como se a chamasse para mais perto. Sente-se hipnotizada e
a segue, reparando que vem de uma igreja.
Envergonhada
de suas roupas justas e curtas, molhadas de chuva, penetra nesse ambiente de
paz e ouve atentamente a voz que pronuncia, lendo um grande livro: “Quando se
pensa que Deus está mais longe, é quando está mais perto!”
Emocionada,
desiste da ideia de suicídio, voltando à igreja várias vezes. Abandona Artur,
fugindo longe daquele lugar e termina doméstica numa casa de família. Consegue
completar seus estudos, à noite, dedicando-se à literatura, de preferência. E,
assim, como poucas Marias, iguais a ela, transforma-se numa escritora,
começando por sua autobiografia, que é o início de todo grande escritor! O
sucesso é rápido quando narra a venda de filhas no sertão pobre do Brasil.
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