MADAME SORAYA
Leon Vagliengo
Mario conheceu Maria em Fátima, Portugal,
num dia treze de maio, na festa de comemoração do dia da aparição de Nossa
Senhora. Ambos muito devotos à Santa e ambos com vinte e cinco anos,
comemorados também naquele dia. Não foram atributos de beleza que os atraíram;
não eram feios nem bonitos, mas a simpatia e a bondade de Maria logo cativaram
Mario, assim como a gentileza e o carinho de Mario logo cativaram Maria.
Aquela amizade resultou em casamento um
ano depois, realizado exatamente no dia treze de maio, data escolhida
simbolicamente por ambos. Não tiveram filhos, mas viveram felizes, muito
felizes, por treze anos, quando Maria, desgraçadamente, veio a falecer, ainda
jovem, aos trinta e oito anos, acometida por um enfarte fulminante.
A perda de sua esposa, companheira e
amiga de todos os momentos, deixou Mario completamente perdido, não sabia mais
como viver sem ela. Sentia-se muito só, frequentemente sonhava com Maria; mas sempre
a via morta, sua imagem imóvel, sua tez muito pálida, seus lábios arroxeados.
Eram pesadelos terríveis, acordava molhado de suor, chorando, em desespero.
Ao longo de quase treze anos esses
pesadelos foram rareando por artes protetoras de sua mente. Mario foi se
conformando, a vida encontrou seus trilhos; mas continuava infeliz, sempre com muitas
saudades da companheira maravilhosa com quem compartilhara uma vida tão
tranquila, com quem vivera tantos bons momentos. Algumas vezes até pensou em procurar
um médium, tentar um contato espiritual com Maria, mas logo descartava isso,
pois não se coadunava com a sua crença.
Pouco faltando para que se completassem
treze anos da morte de Maria, uma noite sonhou com ela novamente; porém, desta
vez ela lhe sorriu e disse que estava bem, embora em outro plano, mas sentia a sua
falta e não queria que ele estivesse tão triste. “Procura uma cartomante para
conhecer a tua sorte” ela o aconselhou no sonho; e esse sonho se repetiu
exatamente igual ainda duas vezes naquela mesma noite, o que não era nada
comum.
Mario acordou e lembrou-se inteiramente
do sonho com ela, como sempre acontecia. Achou muito, muito perturbador aquele
sonho repetido. Embora fosse uma pessoa realista, não conseguia deixar de
pensar que poderia tratar-se de uma recomendação vinda de Maria, vinda do Além.
E imediatamente reagiu, não aceitando a ideia estranha de procurar uma
cartomante em razão de um sonho. E nos dias que se seguiram, tudo acontecia
novamente: admitia tal hipótese, reagia,
negava; admitia, reagia, negava.
Após uma semana incomodado com aquela
cisma que não cessava, Mario voltou a sonhar novamente o mesmo sonho: Maria
dizendo que estava bem e que ele procurasse uma cartomante para conhecer a sua
sorte.
Levantou-se da
cama, ainda aturdido com mais uma repetição daquele sonho. Como fazia em todas
as manhãs, recolheu a correspondência que o zelador do prédio deixou na porta
da entrada de serviço de seu apartamento. Entre elas um folheto, onde leu: “As
cartas não mentem jamais – venha conhecer a sua sorte com Madame Soraya”,
seguido do endereço da cartomante.
— Assim já é demais! – Exclamou em voz alta,
apesar de estar só.
Mario, então, decidiu-se. Resolveria
alguns assuntos pela manhã e iria à cartomante após o almoço. Teria que
deslindar esse assunto que o estava atormentando. Afinal, pensou, “estou com
cinquenta e dois anos, não devo nada a ninguém, o que me impediria de consultar
uma cartomante? Que mal haveria? Seria como atender a uma recomendação póstuma
de minha amada e saudosa Maria”.
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O endereço era no bairro da Bela Vista,
rua Treze de Maio. Mario logo percebeu a coincidência do endereço com aquela
data tão importante para ele. Naquele contexto, parecia até mais do que uma simples
coincidência, mas não quis acreditar nisso. “Estou imaginando coisas demais”,
pensou.
O sobrado era simples,
mas bem conservado. Mario tocou a campainha. Uma senhora de boa aparência, nem
feia e nem bonita, veio abrir a porta, e ele perguntou por Madame Soraya.
— Sou eu mesma – disse ela sorrindo, revelando
dentes brancos e perfeitos.
— Vim para consultá-la sobre minha sorte –
respondeu Mario.
Soraya pediu que ele entrasse e o
encaminhou para uma saleta simples, com apenas uma mesa e duas cadeiras
confortáveis. Convidou-o a sentar-se numa das cadeiras, pegou o baralho e
sentou-se na outra.
— Eu já o esperava. Hoje eu tive um forte pressentimento,
li a minha própria sorte e ela revelou que um senhor viria me consultar e mais
algumas coisas...– deixou a frase no ar, sem concluir.
Enquanto ela falava, Mario ia se
encantando com aquela mulher muito bem conservada, de voz doce e suave, vestida
com simplicidade e bom gosto, aparentando uns cinquenta anos. Bem diferente da
imagem que tinha das cartomantes, que imaginava muito velhas, mal-educadas,
gordas e desleixadas.
Ela continuou a lhe falar, fez várias
perguntas enquanto embaralhava e dispunha cartas sobre a mesa, e tornava a
embaralhar e perguntar. Lendo nas cartas, aos poucos foi confirmando para Mario
coisas que ele já sabia e conquistando a confiança dele nos seus vaticínios.
Descobriu o sentimento de tristeza que o dominava e lhe assegurou: “a partir de
hoje, treze de maio, o senhor será feliz novamente, pois assim dizem as cartas,
e as cartas não mentem jamais”.
E sorriu para ele.
Mario teve a
nítida impressão de que ela sabia mais alguma coisa que não contou.
— Hoje é treze de
maio? – Perguntou, surpreso, ao ouvi-la dizer, mas já lembrando que sim, e que era
a data do seu aniversário e do de Maria.
A simples menção
daquela data, tão significativa para ele, fez desencadear uma sequência de
fatos em sua mente: os sonhos com os conselhos de Maria, os treze anos passados
de sua morte e completados naquele dia, o endereço da cartomante, o
pressentimento de Soraya...
Instantaneamente,
tudo ficou muito claro! Mario sentiu, afinal, que havia compreendido os seus
sonhos repetitivos, que havia compreendido as mensagens de Maria, que havia
compreendido o presente póstumo de amor e carinho que ela lhe dera. O coração
passou a bater muito forte e os olhos encheram-se de lágrimas, enquanto em seu
pensamento dirigiu um profundo agradecimento a Maria.
Sim, para Mario
ficou claro que Soraya, a cartomante, fora destinada para mudar o seu destino. E
como ela disse que havia lido nas cartas a própria sorte, a sua atenção tão
carinhosa deixava evidente que já sabia que seria a sua nova companheira,
presente da sua amada e inesquecível Maria.
Naquele momento, de
tão emocionado, Mario nem pensou na hipótese da reencarnação...
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Muito bom. Gostei do desfecho bastante original.
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