O Visionário
Adelaide
Dittmers
A
lua banhava as pedras da praça com sua luz prateada. O silêncio espalhava-se pela pequena cidade
adormecida. Ao longe, ouvia-se o latido
de um cão.
Atrás
de grossa grade de ferro, um homem olhava a lua, extasiado. Os grandes e doces olhos castanhos refletiam
a inquietação, que lhe pesavam na alma.
Estava
preso há um ano por ter se defendido de um soldado, que o agredira por ele
expor ideias inaceitáveis na época. Seu
crime: acreditar que um dia o homem chegaria à lua.
Era
considerado louco. O clero naqueles
tempos obscuros o considerava herege, mas ele não tinha medo de dizer o que
pensava. O universo o atraia como um
imã. Havia muitos mistérios a descobrir
no mundo, refletia.
Naquela
noite iluminada pela lua cheia, o homem não conseguia tirar os olhos do pequeno
satélite.
Dentro
da cela, três homens conversavam e um deles dirigiu-se ao
— O
que você está olhando, Tomé?
— A
lua! É maravilhosa!
—
Olhe para coisas mais perto, como sair desta infernal prisão.
— Gosto
de pensar que um dia o homem chegará à lua!
Disse com firmeza.
Os
homens caíram na gargalhada e um deles exclamou:
—
Homem, por isso está preso e o chamam de louco.
Pare de dizer asneiras.
Tomé
ignorou as risadas. Estava acostumado com as chacotas de que era alvo por suas
crenças. Não se importava de ser
considerado maluco. Achava que as
pessoas não enxergavam além da ponta do nariz.
Voltou-se
para a janela e os pensamentos voaram para sua difícil vida. Desde menino perguntava-se sobre tudo o que o
rodeava, querendo compreender como as coisas funcionavam. Os pais não sabiam como lidar com aquele
filho esquisito e curioso, que os enchiam de perguntas. Eram modestos lavradores, analfabetos e
supersticiosos. Tinham um pequeno pedaço
de terra, onde plantavam mandioca e a curiosidade do filho os deixava muito
preocupados: por que o tempo influenciava na colheita? Por que as frutas só apareciam em
determinadas épocas? Ao ver os bois
puxarem o arado, dizia que deveria ter outra maneira de se fazer isso sem usar os
pobres animais.
Cresceu
admirando o céu estrelado. Sentava-se
observando o firmamento infinito, que se perdia de vista. Sentia-se minúsculo diante daquela vastidão. Será que havia outros mundos iguais ao que
vivia? Haveria pessoas naqueles mundos? Haveria rios e animais?
Foi
expulso da catequese por expor suas dúvidas.
O pai então o proibiu de fazer perguntas, que considerava
estúpidas. Tomé tornou-se calado e
taciturno.
Muito
jovem, perdeu os pais. Continuou a
cuidar do pedaço de terra, que lhe dava o sustento, mas não conseguia estancar
da alma a necessidade de expressar a torrente de suposições, que tinha dentro
de si.
Imerso
em suas recordações viu a aurora surgir com os tons rosados e alaranjados, que
anunciam o nascer do sol. O sono
apoderou-se dele. Como um sonâmbulo, foi
trôpego até o catre e adormeceu.
Acordou
sobressaltado sacudido por um guarda, que o chamava:
— Acorda
Tomé! Acorda!
— O
que aconteceu? Perguntou ainda atordoado e confuso.
—
Venha: o juiz autorizou sua liberdade!
Sacudindo
a cabeça para ligar os fios apagados pelo sono, olhou para os companheiros de
cela. Um deles gritou:
—
Vai rapaz e vê se tem juízo e não anda por aí dizendo bobagens.
Tomé
derramou um olhar triste neles. Como
queriam estar em seu lugar. Podiam ser ladrões ou assassinos, mas eram humanos
como ele. Aproximou-se e despediu-se com
um forte aperto de mãos.
Virou-se
e seguiu o guarda. Quando saiu, o sol já
aquecia o lugar com raios dourados. Uma
carroça puxada por um burro passou, fazendo barulho ao se chocar com as pedras
irregulares da praça. Uma negra com uma
cesta na cabeça também passou por ele requebrando as fartas ancas.
¨Pobre
mulher¨ pensou observando-a. Uma
mercadoria nas mãos de homens ignorantes e brutos.
Estava
voltando à vida, mas a mordaça, que abafava sua voz não o deixava ser
completamente livre. Era refém daquilo
que enxergava ao longe, tanto quanto aquela escrava negra era por não se
pertencer.
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