ENCANTAMENTO
Hirtis
Lazarin
Ela
era a menina que chega sem fazer alarde e vai sem que ninguém a veja. Pacienciosa e tolerante, sabia que tudo tem
seu tempo. Não era vaidosa, mas
cuidadosa com a aparência física. Os cabelos
longos e acetinados viviam presos no alto da cabeça e, as unhas bem lixadas e
curtas nunca se fantasiaram de vermelho.
Eu a definiria com uma única palavra: simplicidade.
Mas
era à noite, sozinha, no silêncio do seu quarto voltado para a rua, que a jovem
tímida desvendava seus mistérios. Lia e
escrevia poesias. Inspiração que brotava
mesmo sem o brilho das estrelas, sempre encobertas por densa camada de
poluição. O caderno onde escrevia seus
amores e lamentos já estava quase cheio e dentro dele, outro segredo: uma foto
em preto e branco já desgastada pelo manuseio contínuo. Um cantor e compositor não tão atual. Ela gostava do cantor, mas admirava o
compositor cuja poética rodopiava entre os sentimentos, na dosagem certa do
mel.
Depois
que se envolveu numa pesquisa de Português, sua vida sofreu uma revolução. A lição era escolher uma parábola na bíblia e
entender sua estrutura linguística.
Brincando com palavras da língua e, de um jeito simples e objetivo,
Jesus fazia com que o povo humilde entendesse verdades elaboradas.
No
início, a sugestão da professora contrariou-a muito. Pensou seriamente em desistir do
trabalho. Nunca abrira uma bíblia na
vida e a mãe nem se recordava que havia uma esquecida numa gaveta enorme e
cheia de trecos no último andar do guarda-roupa.
Mas,
no desenrolar da pesquisa, Marina foi se interessando cada vez mais pelos
textos bíblicos. Encantou-se... E não foi difícil descobrir um curso
teológico ministrado na igreja Nossa Senhora das Caixinhas.
Aos
sábados, enquanto suas melhores amigas não saiam da frente do espelho cuidando
dos cabelos que já nem se lembravam mais da cor natural e esvaziando armários
na troca de roupas pra atrair os olhares masculinos, a moça tomava o ônibus em
direção ao salão paroquial. As aulas eram
ministradas por um casal e o pároco da igreja.
A presença da moça prolongava-se muito além do horário, num bate-papo
produtivo e animado com dois rapazes participantes e o padre.
Apenas
cinco meses havia se passado e Marina não era mais a mesma. Pensativa, vivia no mundo da lua. A voz mansa e pausada tornou-se áspera. Falava pouco e se irritava quando
questionada. As conversas animadas com a
família no horário das refeições viraram tormento. Passava horas seguidas no quarto. Com os ouvidos encostados à porta, quantas
vezes a mãe ouviu-a chorando baixinho...
Várias consultas com a psicóloga foram desmarcadas. Os pais não sabiam mais o que fazer, mas não
desistiriam da filha.
A
igreja Nossa Senhora das Caixinhas estava cheia, o altar paramentado, as luzes e velas acesas Eram quase sete horas da noite e nem sinal do
padre que chegava sempre antes da missa pra conversar com os fiéis. O sacristão impaciente e atordoado buscava-o
por todos os cantos, o tempo passava e nada...
As pessoas, na maioria idosas, desistiram do compromisso cristão e
abandonaram o recinto inconformados.
Já
era meia-noite quando os responsáveis pela paróquia chegam à delegacia pra
registrar o desaparecimento do padre.
Logo em seguida, uma família desesperada e uma mãe histérica entram pela
mesma porta. Marina estava desaparecida
também.
A mariposa borboletou
A
sala paroquial apareceu terrivelmente arrumada quando ela acendeu as últimas
luzes. Os frequentadores do curso
bíblico, quase todos já estavam acomodados, aguardando o padre que chegou logo
em seguida acompanhado de Marina. O papo
estava bem animado.
As
senhorinhas Zilca e Terezinha, talvez as mais antigas paroquianas, não só
frequentavam as cerimônias religiosas da igreja como também eram voluntárias
prestativas nos bastidores do altar.
Dona
Zilca, a mais idosa, a mais experiente, a mais ardilosa, tinha olhos
investigativos e inquisidores. Sempre
atenta a cada detalhe, a cada movimentação diferente ao seu redor. E, no momento, sua atenção voltava-se
exclusivamente para Marina, a aluna de pouca idade.
A
jovem chegara tímida e reservada. Pouco
se comunicava, chegava só, e só deixava o local. Namorado não tinha. Mas, nas últimas semanas, não era mais a
mesma. A timidez evaporou... Uma mente prodigiosa emergiu. Participava das reuniões com perguntas
inteligentes, expunha ideias próprias, argumentava com coerência e até
discordava de verdades consideradas absolutas.
E, se não bastasse, assistia à missa todos os sábados, às dezenove
horas.
A
transformação foi além... Os cabelos
soltaram-se da presilha inseparável e caíram cacheados e volumosos sobre os
ombros. Os tons sóbrios e apagados das
roupas deram lugar ao colorido de bom gosto.
A calça apertadinha mostrou o corpo esguio e cheio de curvas, até então,
escondido sob vestidos largos e soltos.
O jeans tornou-se o "coringa do seu
"look".
A inteligência
e a jovialidade exuberante de Marina acenderam os faróis de milha das
beatas.
As
detetives "PRECISAVAM" entrar em ação.
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