TRAUMAS
Hirtis
Lazarin
Jorge,
vinte e cinco anos, era o mais novo frentista contratado pra trabalhar no maior
posto de combustível no bairro Santa Catarina.
Tinha experiência no ramo, era muito esforçado e caprichoso. Curioso e agitado, não conseguia ficar
parado. Se ocioso, procurava logo o que
fazer ou ajudar um colega. Guardava em
mente uma frase (não se lembra do nome do autor) e procurava seguir o que as
palavras aconselhavam: "Se lhe pedirem pra varrer a rua, faça-o como
Michelangelo pintava os quadros, Bethoven compunha e Shakespeare
escrevia".
Em
pouco tempo conquistou a confiança do patrão e a acolhida dos demais
funcionários. Seria mais que natural que
a convivência o aproximasse deles, não foi o que aconteceu.
Jorge
era calado, ouvia muito e falava
pouco. Não expunha seus sentimentos, por
mais que tentassem arrancá-los. Assuntos
pessoais afligiam-no. Se questionado
insistentemente, perdia o controle, causando terror e assustando quem estivesse
por perto. Logo depois, arrependido,
sentia vergonha e terminava o dia acabrunhado e triste.
Jorge era um ímã, passava confiança,
autossuficiência e segurança. Seu
sorriso era discreto e seu olhar misterioso.
O mistério aguça a curiosidade das pessoas e inquieta-as. O jovem despertava fascínio nas mulheres que
atendia. Aqueles olhos pretos e grandes
escondiam um segredo e atraiam-nas.
Elas, por natureza curiosíssimas, queriam desvendá-lo.
Os
colegas não se conformavam com a indiferença dele diante de moças charmosas e
atraentes. Quanto mais galanteios ouvia,
mais reticente Jorge ficava. A frase que
repetia sempre era: "Não quero me casar". E aí se alguém quisesse comentar.
Nas
noites de sexta-feira, os rapazes se reuniam no boteco da esquina. Era a hora da cervejinha gelada e da linguiça
torradinha. Jorge pensava no futuro e
frequentava as aulas num curso de suplência.
Sabia que ninguém luta sozinho, nem progride sem esforço. Não trocava as aulas por nada.
Num
final de semana em que as aulas foram suspensas, Jorge juntou-se aos colegas no
boteco. Como não era acostumado a beber,
depois de vários copos de cerveja, sua língua destravou e a sinceridade
aflorou. O álcool anula os sentimentos
de culpa, vergonha, remorso e a pessoa acaba falando o que sempre teve vontade
de falar, mas nunca o fez por medo,
insegurança, vergonha. E foi então que
Jorge revelou seu grande segredo.
Nasceu
num lar que desmoronado. O pai
abrutalhado e covarde agredia a esposa e os dois filhos. Desapareceu quando foi pego abusando de
Jorge, com cinco anos de idade. A mãe,
mulher fraca, entregou-se à bebida. O
garoto descontava a raiva ferindo o irmãozinho com picadas de agulha. O conselho titular acionado, encaminhou-os a
um abrigo e depois de um tempo, nunca mais viu o irmão. Quando a escola que Jorginho frequentava
realizava reuniões de pais, era a assistente social quem comparecia. O menino carente queria ter um pai e uma mãe
como seus amiguinhos. A tristeza que
sentia foi se acumulando até se transformar em ódio às famílias. E, dessa experiência dolorosa, sua aversão ao
casamento. Foi a primeira vez que Jorge
vomitou tudo aquilo que dilacerava a alma.
Uma catarse.
Hoje
Jorge frequenta sessões de terapia...
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