Sargento Salgado
Ana Catarina Sant’Anna
Maues
Diziam, pelos cantos, que ele era
rude, talvez fosse mesmo, pois não dava importância se a língua afiada causasse
desastres emocionais na tropa. Paciência! Respondia arrogante quando alguém
mais atrevido o questionava, e completava dizendo que a dura rotina era para endurecer mesmo, e quem não se
adaptasse devia espirar fora. Nada escapava ao olhar dele e ele não queria
fracos na equipe. Até que um dia, num treinamento de rotina, um episódio
marcaria para sempre a vida deste sargento.
O cabo nota algo estranho e fala em
tom baixo:
— Sargento aquele recruta está
passando mal.
— Já tinha notado, está de lorota.
— Acredito que não sargento. Veja
está desmaiando.
O sargento e o cabo aproximam-se e viram por entre as
pernas de dezenas de jovens aglomerados, caído no chão o mais franzino deles.
Chegou pisando firme e com voz áspera deu ordem para levantar. Todos se
afastaram expondo o corpo imóvel do rapaz de pele escura. Estava inerte. Na mão
segurava algo, que foi logo percebido e entregue ao sargento, enquanto era
acudido pela equipe de emergência do quartel.
No bilhete as seguintes palavras:
Sou pobre e negro. Não que isso
fizesse ter vergonha de mim ou que me sentisse desvalorizado diante da tropa
por isso. Sempre tive orgulho do meu passado, da minha família, do lugar onde
nasci, enfim da minha vida. Mas ultimamente tenho andado triste n'alma. Quando
cheguei aqui, no inicio do ano, tinha um objetivo, servir minha pátria com amor
e ardor, isso me animava e estimulava. Com grande honra usava o verde oliva não
somente da caserna, mas o sentimento seguia comigo nas ruas e nos lugares que
frequentava. Sonhava alcançar posto de oficial, ostentar estrelas douradas
conquistadas por merecimento. Mas aos poucos uma emoção negativa visitou-me e
hoje se instalou, pois concluí que apesar do empenho e de todo meu esforço,
jamais chegarei perto do padrão que meus superiores almejam, diante de
espectativas tão altas me declaro insuficiente. Não tenho postura de vencedor,
não tenho altivez que impõe respeito, não tenho físico atlético. Hoje a
frustração venceu a força da vida.
Ao final da leitura sargento Salgado
compreendeu o que ali se passava.
Enquanto os paramédicos
continuavam fazendo o atendimento, sem obter resposta satisfatória, pois o
rapaz continuava no chão desacordado, ele pediu que o carregassem e o
colocassem no automóvel particular dele, para levá-lo a um hospital próximo.
Sargento Salgado dirigia com velocidade,
estava por demais preocupado e pela primeira vez meditava os métodos que
aplicava aos jovens soldados.
Três dias se passaram com o rapaz no
CTI, e o sargento sem se afastar do hospital. Até que a boa nova chegou, ele
melhorava, e seria transferido a uma enfermaria dentro de alguns dias.
Já na enfermaria, a primeira figura que
viu, quando abriu os olhos, foi a do Sargento Salgado.
O pedido de desculpas não foi formal,
traduziu-se em ações de sincera amizade, que se estreitou com o tempo.
No quartel, o discurso e frases de ordem
direcionadas aos recrutas que chegavam, a cada ano, para o alistamento militar
obrigatório, sofreram mudanças para melhor. Todos eram unânimes em elogiar a
forma menos agressiva com que o sargento Salgado tratava a todos.
Quanto ao jovem que desencadeou essa
mudança, na mente e coração do sargento, é hoje um General de carreira.
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