O DIÁRIO DE GLAUCIA
Christianne Vieira
Uma tarde chuvosa, um dia tristonho com cara de
inverno, bom para dormir a tarde toda, se entupir de chocolates, assistindo a
um bom filme. Teria uma tarefa muito chata pela frente, desmontar a casa de
seus pais. Já empacotara quase todos os
objetos, roupas, utensílios de cozinha, jardim, e mais um monte de cacarecos
acumulados ao longo de muitas décadas. Olhava
ao redor e parecia que nunca conseguiria dar um fim.
Glaucia já estava muito
cansada, cheirava a pó, e naftalina, não sabia porque os antigos gostavam de
encher os armários com elas. O ar
parecia ser ainda mais velho, dentro deles.
Ela odiava essa tarefa, e
tudo que se relacionava a ela. Arrumação era a atividade número um, na sua
lista de coisas odiosas. Seus irmãos viviam ocupados, ela foi a intimada.
Teriam que entregar o imóvel em poucos dias, e empacotar três décadas, de história.
Tentou muito se esquivar,
fingiu estar em crise de rinite, simulou uma virose, mas nada adiantou. Bom,
sem saída, foi para lá e resolveu que terminaria logo com essa chatice.
Agora, só restava, o último
e temido cômodo, o quarto de despejo, lugar esse que todos, por vários anos, despejaram
tudo aquilo que não gostavam, ou queriam
, na verdade se livrar.
Entrou com cuidado, devido a
pilha de badulaques jogados, prontos para espatifarem, ou até mesmo soterrá-la em
escombros.
Como o passado pode ser tão
pesado?! Como pode carregar tantas angústias? Mexer nessas pilhas, era o mesmo
que cutucar feridas ainda abertas, ou questões mal resolvidas.
No entanto, ela não tinha mais
o que fazer? Uma vez, que se encontrava sem saída, teria que começar. Uni duni
te, a escolhida foi você. Apontou na direção da pilha sorteada ao acaso, e
retirou a raquete de tênis, sem cordas, que estava no topo... embaixo encontrou
uma caixa lacrada com durex, era tanto durex, que se alguém tivesse que se
enforcar, talvez conseguisse.
Era muito velho, parecia verter
uma gosma, fantasmagórica assustadora. Imaginou-se entrando em coma, em contato
com tantos ácaros.
Foi soltando toda aquela
meleca, até que liberou a tampa da caixa. Primeira parte concluída. Ufa, já era
algum progresso, continuava viva.
Encontrou então livros,
cadernos, todos encapados, com plástico colorido, veja bem, não era contact,
ultra moderno, era o velho plástico mesmo, que dava o maior trabalho na hora de
embalar. Ela lembrava da dificuldade!
No fim da pilha, surpresa, um
diário rosa, gordo, tão gordo que nem fechava.
Tinha tantas coisas coladas entre as paginas, que se assemelhava a listas
telefônicas.
Essa história de remexer no
passado estava ficando alucinógena. Se contasse para algum jovem, eles achariam
que ela estava realmente pirada.
Respirou fundo. Quantas lembranças
ele havia guardado ao longo desses anos?
Fazia tanto tempo, que ela
não se lembrava. Abriu a contracapa, nome, Glaucia, idade, 14 anos.
Meu Deus, já fazia quase
quarenta anos... Quantas coisa ela vivera depois disso! Talvez até gostasse de
ler.
Essa época em sua vida, fora
repleta de descobertas, a primeira paixão, a mudança de escola, o turbilhão de
hormônios que faziam da sua vida uma montanha russa.
Seria uma forma de
chacoalhar sua vida monótona. Fazia tempo que não encontrava cor e alegria.
Aqueles anos, de
adolescência cheios de cor, planos, quando amava cada embalagem de chup chup morango colado, se preocupava com cabelo, ou com espinhas.
Chorava escutando na vitrola musicas românticas.
Distante, mas muito vivo dentro dela.
Como se um portal tivesse
sido aberto, o passado e o presente
andassem lado a lado. Sentou em um cantinho, parecia ter encontrado um pote de ouro no fim
do arco-íris, aquele diário estava salvando sua vida, descortinando sua alma.
Quem sabe, seria seu passaporte para uma nova chance de ser feliz?!
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