SOBRE O CONTO: AMOR — DE
CLARICE LISPECTOR!
Dinah Ribeiro de Amorim.
Clarice Lispector analisa
seu personagem Ana como uma psicóloga, visando expor mais os sentimentos diante
das cenas banais de acontecimentos cotidianos.
Retrata Ana como uma
simples e completa dona de casa, muito preocupada em ser perfeita como esposa e
mãe, até determinados momentos do dia, procurando, em presença familiar, estar
satisfeita com tudo que faz. Mas, quando fica só, e filhos vão para a escola e
marido ao trabalho, se perde, temendo a hora solitária ao ficar em casa, super
organizada e limpa, temendo o momento de solidão. Em suma, realiza suas
obrigações com prazer exagerado, sem sentir a felicidade que tudo isso deveria
lhe proporcionar. Não consegue ficar sozinha e inventa sempre algo para fazer
na rua, como uma válvula de escape. Não é completamente feliz, embora sem
problemas matrimoniais.
Quando jovem, sentia
necessidade de fincar raízes num apoio e isso a maternidade e o casamento lhe
trouxeram. Tornou-se tão perfeita que até desenvolve técnicas artísticas com
relação ao cumprimento de suas obrigações na casa. Veio, por sorte, nascer mulher
e isso o faz com perfeição.
Seu único medo era não
ser necessária, as horas em que não dependiam dela, ficar sozinha. Sentia-se
feliz ao lado deles, necessitando dela.
Toma um bonde para
realizar as compras do dia, não sente ternura nem devoção, mas uma necessidade
da família. Seus cunhados iriam jantar em sua casa.
O bonde balança nos
trilhos e ela derruba as compras no chão, principalmente os ovos, que se
espalham e mancham sua sacola de tricô. Sente-se incapaz de se mover e dá um
grito ao ver tanta sujeira, em público. O bonde, dando uma parada, faz Ana
percorrer com os olhos, os transeuntes, parando, chocada, com uma cena que a
choca e a modifica totalmente. Um homem cego, na calçada, que masca chicles…
Esse homem cego, mascando chicles, ora sorrindo, ora não, impressiona tanto
pela sua capacidade de existir, num mundo que sempre achou perfeito, que
modifica totalmente sua maneira de pensar e vai persegui-la pela tarde toda,
talvez pela sua interpretação atual de vida.
O bonde segue seu
caminho, ela se defende da sujeira que fez com os ovos, mas não consegue se
esquecer do cego na calçada, que lhe fica no pensamento. Sente-o como se não
sofresse ou um certo arrependimento por nunca sofrer por um cego.
Como podia existir alguém
deficiente tendo ela a sua vida tão perfeita?
Desperta no coração a
bondade que, para ela, transforma-se também num inferno. Sentir piedade de um
ser não perfeito e forte como ela. Teria que virar-se uma benfeitora, beijar as
pessoas doentes nesse mundo. Teria que transformar suas ambições na vida.
Vai pensando em mudanças
de que não se sente capaz, quando percebe que passou do ponto de partida. Desce
perto do Jardim Botânico, prestes a fechar, já é o escuro aparecendo.
Entrou em crise,
verificando com amor as plantas existentes naquele parque tão próximo. Nunca
reparara nas flores, bichinhos, através da quase escuridão. Sentiu-se perdida,
como se algum lobisomem aparecesse e a possuísse.
Nunca dera atenção a esse
lado da vida, era o céu e, ao mesmo tempo, o inferno, com as coisas que
poderiam fazer o mal.
E a figura do cego que
masca chicles ainda não lhe sai da cabeça.
Aos trancos e barrancos,
consegue chegar em casa, um prédio, apartamento no nono andar, esperando as
crianças da escola e preparando o jantar.
Ajudada pela criada, na
cozinha, enquanto bate com força os bifes. Talvez consiga descontar com alívio
a pressão dos seus pensamentos.
O filho, quando chega,
corre a abraçá-la, mas foge para o quarto, ao vê-la tão transtornada. Nunca a
vira assim.
Durante o jantar, tudo
corre normalmente, ela não demonstra as dúvidas que teve durante aquela tarde.
Uma mulher que fazia tudo
por obrigação, sua vida era completa e forte, talvez não tão feliz como
julgava, quando vê outro lado da vida.
Seu problema foi ter
avistado o cego que mascava chicles e que nem pensava, talvez, que existisse. A
vida, sem sua vontade, mostra o outro lado da existência.
Finalmente, nos braços do
marido carinhoso, esquece momentaneamente os arrependimentos e conflitos que
teve.
E a vida volta ao normal
de sempre! Será?
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